Investigadores perdidos no espaço

Dimensão analítica: Educação e Ciência

Título do artigo: Investigadores perdidos no espaço

Autora: Magda Nico

Filiação institucional: Investigadora de Pós-Doutoramento, CIES-IUL

E-mail: magdalalanda@gmail.com

Palavras-chave: Investigação científica, Sistema Científico, Emprego Científico, Portugal.

Estes são tempos confusos no sistema científico, que nunca primou pela clareza de princípios e um mínimo de previsibilidade. Os doutorados e outros investigadores parecem ser cobaias de uma experiência de geometria quântica, em que cada concurso para a sua eventual contratação, aprovação de um projeto, ou integração no centro de investigação parece decorrer em coordenadas tempo-espaço diferentes.

Num concurso, aquele cujo decreto já data inicialmente, pasme-se, de 2016 (Decreto-Lei n.º 57/2016 – Regime de contratação de doutorados), celebra-se a “unidade” dos doutorados. São todos precários de longa duração, essa gente de segundos ou terceiros triénios de bolsa de pós-doutoramento. A heterogeneidade deste grupo, o mérito individual de cada um, as especificidades de cada campo de investigação ou da investigação propriamente dita, bom, isso são detalhes. Estamos todos na “lista” da norma transitória. À partida e à chegada somos todos “juniores”, somos todos iguais. E trabalho igual: pagamento igual, direitos iguais. E portanto, temos todos direito ao escalão 33. Mas a nada mais.

Mas teremos mesmo direito? É que já fez uma primavera a conversa do “Estás na lista?”, “Estou”, “E então?, “Então, nada!”. Os doutorados são remetidos para espectadores deste processo, e assistem atentos, vigilantes mesmo, ao que não deixa de ser um ping pong em câmara lenta entre universidades e Fundação para a Ciência e Tecnologia. O tempo passa. E entretanto, expectativas – não ilusórias, nem de grandeza, mas sim baseadas em decretos-lei, coisa mais factual não há… – foram criadas nestas pessoas, de que iriam conseguir manter-se na academia, pelo menos mais uns tempos. E entretanto andam todos perdidos no espaço, à espera que se abra o “seu” procedimento concursal. Concurso, vamos chamar as coisas pelo nome. Faz lembrar a paródia dos Gato Fedorento à entrevista a Marcelo sobre a IVG. “Mas o edital é para mim?”, “Sim”, “Mas outras pessoas podem concorrer?”, “Sim”, “Mas porquê?”, “Porque é um concurso”, “Mas é para mim?”, “Sim, é”.

Já noutra galáxia (do Estímulo Científico, individual, que terminou a 16 de Fevereiro) celebra-se a competição desenfreada por 500 contratações, onde o mérito e excelência científica são supostamente valorizados. Parte-se o campeonato em 4 escalões, e afinal muitos de nós já nem podem ser investigadores juniores, andam cá há tempo de mais para isso. Até já podiam concorrer a Investigadores Principais, até têm algum currículo para isso. Mas não o farão. Migrámos para uma outra galáxia onde a nossa gravidade (o nosso mérito e o nosso valor para a instituição) se altera significativamente. Sobre esse concurso: é flutuar, esperar, vaguear.

De outro concurso (do Estímulo Científico, institucional) pouco se sabe, mas sabe-se que está nas mãos do centro de investigação candidatar-se e, se for aprovado, selecionar pelas próprias mãos e critérios os doutorados a contratar. Portanto, sabe-se o suficiente para saber que não há nada a fazer, que já não esteja feito.

Dos projetos FCT Portugal2020…. O paradoxo da denominação da “plataforma simplificada de acesso”, onde freneticamente se preencheram as centenas de células, milestones, atividades, orçamentos, pessoas mês e outros detalhes detalhados, fazia efetivamente adivinhar a simplicidade, transparência e clareza do processo de avaliação dos projetos para financiamento. Os resultados saem aos poucos há mais de um mês. Mais rapidamente se multiplicam as dúvidas sobre o porquê desta informação faseada e apenas aos financiados. No news is bad news, desta vez. Os investigadores (proprietários intelectuais das ideias e projetos) nem sequer têm sequer acesso direto aos resultados. Só a instituição.

Não há espaço para aqui se falar de tudo o que há de errado com o não cumprimento do PREVPAP nas universidades, esse processo em que estas entram em movimentos de (neg)ação colectiva. Não  reconhecem a quantidade (e qualidade) de investigadores e de docentes, entre muitos outros funcionários, que suprem necessidades permanentes e indispensáveis ao funcionamento de uma instituição de ensino. Esta negação é ideológica e colectiva. Se restavam dúvidas que se veja o último comunicado do CRUP.  Esta negação ocorre mesmo quando a própria integração precária, por exemplo, de docentes em regime parcial (necessariamente “convidados”) segue, como foi noticiado pelo Público, regras ilegais de contratação. Mas a negação do óbvio e do justo tem que ter os dias contados.

Apesar de tudo isto, não se pode dizer que os bolseiros e investigadores estão parados. Há inúmeras plataformas e grupos, núcleos e associações vigilantes e resistentes a tudo isto. O problema é que somos cientistas e não políticos, e temos os indicadores científicos e as contas por pagar a respirar no nosso pescoço.

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