Ciclos de pobreza, caso de algumas famílias portuguesas

Dimensão analítica: Cidadania, Desigualdades e Participação Social

Título do artigo: Ciclos de pobreza, caso de algumas famílias portuguesas

Autoras: Helena M. Carvalho; Nélida Mota Campos

Filiação institucional: Doutoranda do curso de Sociologia, Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade do Minho; Presidente da CPCJ de Celorico de Basto.

E-mail: hmsc0804@gmail.com; nelidacampos1999@gmail.com

Palavras-chave: Ciclo de Pobreza, Famílias, Pobreza Infantil, Medidas de apoio.

 

Ao longo dos últimos anos muito se tem debatido sobre as variadas formas de pobreza e a forma como indivíduos e famílias têm sido atingidos por essa condição. Fala-se das diferentes formas de pobreza entre o meio rural e urbano; dos novos pobres como uma forma de pobreza que pode, ou não, ser temporária onde surge a designação “sinkies” (casais que trabalham e não conseguem suportar despesas o que inviabiliza a procriação) e da pobreza duradoura que remete para a reprodução continuada de pobreza. É sobre este último aspeto que nos debruçamos no texto que aqui apresentamos.

A forma como cada indivíduo encara a sociedade e as oportunidades que lhe são oferecidas pode ser determinante no seu desenvolvimento pessoal e familiar. Contudo, o facto de se ser pobre poderá influenciar o acesso a essas mesmas oportunidades. Sabe-se que uma melhor educação e saúde ajudam a obter melhores empregos, logo, rendimentos mais elevados, uma vez que “quanto mais desprovidas de recursos de poder se encontrem determinadas classes sociais, maior dificuldade têm em organizar-se e a alcançar os seus objetivos” [6], o que será, desde logo, limitativo das suas oportunidades. Contudo, o facto de durante a infância um indivíduo se encontrar inserido num agregado familiar cujas vulnerabilidades sociais estejam muito marcadas, dificulta esse salto; sendo premente a intervenção do sistema de promoção e proteção que visa a garantia de direitos básicos consignados nos diplomas legais de direitos humanos e/ou da criança.

É certo que à medida que o pobre é reconhecido como tal, passa a ter mais oportunidades de assistência, o que pode contribuir para a quebra do ciclo da pobreza e exclusão social contudo, por si só, não será suficiente. A família pobre necessita de mais do que de alguém, seja técnico social, ou terceira pessoa, que acompanhe a criança ao médico, ou reúna roupas usadas, embora em bom estado, e lhas ofereçam [2]. As políticas de combate à pobreza acabam, em muitos casos, por ser medidas de inclusão que suscitam dúvidas na medida em que ao se ser assistido, o pobre é reconhecido como aquele que não possui capacidade para trabalhar, capacidade para mudar a sua própria vida e a da sua família [3]. O que nem sempre corresponde à realidade. Corroborando Xiberras [4] o fracasso numa esfera do social não conduz à exclusão, mas o insucesso é vetor de insucesso.

As famílias pobres têm aumentado nos últimos anos? Ou o facto de estas recorreram a diferentes medidas de apoio social, acontece este registo do aumento das famílias pobres? É certo que há novas formas de pobreza, surgem indicadores de pobreza comummente associados a situações de risco para crianças e jovens; no apogeu da crise surgem também situações novas, correlacionadas com desemprego e emprego precário, que corresponderão aos chamados novos pobres.

Se no passado as famílias pobres eram descritas, sobretudo, como famílias numerosas [2], nos dias de hoje isso já não se verifica, ou não é, pelo menos, um indicador de que aquela família se encontra em situação de pobreza e exclusão social. Se em tempos as situações de pobreza se encontravam marcadamente no meio rural, hoje encontra-se em todos os locais, tendo havido muitas pessoas que se mudaram do meio rural para o meio urbano à procura de melhores condições de vida, e por diversos fatores, como a precariedade laboral, isso não aconteceu.

Portanto, com o aumento da crise houve o aumento da pobreza, não só em Portugal, quer por situações já existentes mas que agudizaram, uma vez que foram introduzidas medidas políticas que causaram a diminuição das transferências sociais para agregados familiares, tanto no que se refere ao valor transferido, como ao número de beneficiários até então, quer por situações novas, que corresponderam aos chamados novos pobres.

Aos grupos mais vulneráveis, são apresentadas medidas que visam o combate à pobreza e exclusão social, contudo as políticas nem sempre incidem sobre o problema em si, em evitar que estes agregados familiares iniciem uma situação de pobreza, em promover fatores impulsionadores que quebrem o ciclo do agregado. Apresentam-se como medidas que respondem de forma remediativa às situações apresentadas, tratando esta problemática como uma patologia em vez de trabalhar a sua prevenção.

A este propósito, o recente relatório europeu da Cáritas alerta que das políticas públicas “para combater a pobreza, nenhuma parece ser capaz de a erradicar, particularmente porque não se integram numa estratégia eficiente de interromper os ciclos de transmissão da pobreza”, salienta o relatório, pelo que a sociedade contemporânea deverá ter uma preocupação acrescida pelas gerações futuras.

Considerando que os projetos individuais dos diversos indivíduos devem poder articular-se em conjunto com os projetos dos demais, de forma a que as respetivas atividades sejam mutuamente compatíveis e possam ter seguimento, sem que sejam ultrapassadas as legítimas expetativas de cada um [5]. Considera-se fulcral que as famílias sejam trabalhadas como um todo, e durante períodos que permitam alterações na dinâmica familiar, se assim for necessário. Incidindo em medidas que visem a integração das crianças e jovens em programas diversificados, seja a nível escolar, seja a nível de saúde, como o tratamento dentário, seja, até, ao nível das atividades extracurriculares que em muito enriquecem pessoal e culturalmente os indivíduos e ainda se encontram ao alcance apenas de alguns.

Ser pobre, não deve ser aceite por nenhum cidadão, nem por aquele que se encontre nessa situação, nem por aqueles que diariamente assistem às situações de pobreza e exclusão social.

Notas:

[1] Castel, R. (1998), As metamorfoses da questão social, Petrópolis, RJ: Vozes.

[2] Ferreira de Almeida, J., Capucha, L., Firmino da Costa, A., Machado, F. L., Nicolau, I. & Reis, E. (1994), Exclusão Social: Factores e Tipos de Pobreza em Portugal, Oeiras: Celta Editora.

[3] Paugam, S. (2003), A Desqualificação Social, Ensaio sobre a nova pobreza, Porto: Porto Editora.

[4] Xiberras, M. (1993), “As teorias da exclusão – para uma construção do imaginário do desvio”: Instituto Piaget: 31.

[5] Rawls, J. (1986), Justicia como Equidade, Materiales para una teoria de la justicia, Madrid: Editorial Tecnos.

[6] Silva, M. C. (2008), “Desigualdade, pobreza e exclusão social: conceitos polissémicos”, in, A. A. Monteiro & F. B. Ribeiro (Org.), Redes Sociais, Experiências, Políticas e Perspetivas, Vila Nova de Famalicão: Edições Húmus.

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