Assédio Moral: Considerações sobre o impacto do assédio moral no (in)cumprimento do Código Deontológico dos/as Assistentes Sociais em Portugal

Dimensão analítica: Economia, Trabalho e Governação Pública

Título do artigo: Assédio Moral: Considerações sobre o impacto do assédio moral no (in)cumprimento do Código Deontológico dos/as Assistentes Sociais em Portugal

Autora: Maria da Graça Correia da Silva

Filiação institucional: Assistente Social

E-mail: maria.graca@netcabo.pt

Palavras-chave: Assédio Moral, Assistentes Sociais, Código Deontológico.

Em Portugal, no ano de 2015, num estudo promovido pela Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego [1], verificou-se que 16,5% da população ativa ao longo da sua vida profissional, já experienciou alguma vez uma situação de assédio moral, estando em geral associada, as condições do vínculo laboral precário e/ou o poder hierárquico das chefias. Por definição e prática, o assédio moral remete para um conjunto de comportamentos indesejados percecionados pelo/a trabalhador/a como abusivos, praticados de forma persistente e reiterada podendo consistir num ataque verbal, com conteúdo ofensivo e/ou humilhante ou em atos subtis, que podem incluir violência psicológica ou física. Este tipo de comportamento, tem como objetivo diminuir a autoestima da(s) pessoa(s) alvo, subvalorizar o trabalho desenvolvido e, em última instância, fragilizar a sua ligação ao local de trabalho. As vítimas são envolvidas em situações perante as quais têm, por variadas razões, em geral dificuldade em defender-se [1].

A Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego [2] refere que as consequências do assédio moral são várias, nomeadamente, a contaminação do ambiente de trabalho que pode ter um efeito devastador, quer sobre as vítimas, quer sobre as próprias entidades empregadoras, sejam públicas ou privadas, com reflexos negativos de natureza financeira sobre estas, mas também sobre os vários serviços públicos, designadamente o Serviço Nacional de Saúde e o Sistema de Segurança Social. Com efeito, as vítimas veem normalmente, a sua saúde, confiança, moral e desempenho profissional afetados, o que leva, frequentemente, à diminuição da eficiência laboral e mesmo ao afastamento do trabalho por motivo de doença [2].

O assédio moral é um problema complexo, e de difícil atuação pela multiplicidade de implicações que comporta que ultrapassam em muito a dimensão individual e se projetam nos meios familiares, de relações e no ambiente de trabalho. Importa-nos neste momento abordar a questão do assédio moral na área da intervenção social, e mais precisamente no domínio do Serviço Social. São várias as questões e dilemas éticos e deontológicos que ocorrem, então, na prática profissional dos/as Assistentes Sociais. Ao analisar e refletir, sobre este tema, uma questão se coloca. Como é que, num ambiente de assédio moral no trabalho, o/a Assistente Social pode exercer as suas funções na sua plenitude e cumpre o estipulado no Código Deontológico dos Assistentes Sociais em Portugal? Nomeadamente, quando o/a Assistente Social se depara perante os atos e comportamentos suscetíveis de serem classificados como assédio moral no trabalho, quando uma chefia: i) atribui, sistematicamente funções estranhas ou desadequadas à sua categoria profissional de Assistente Social; ii) ou quando procura não atribuir quaisquer funções ao trabalhador/a; iii) se apropria constantemente de ideias, de propostas, de projetos e trabalhos, sem identificar o/a autor/a das mesmas; iv) pode mesmo ostentar desprezo, e humilhar os/as trabalhadores/as, forçando o seu isolamento face a outros/as colegas, de forma a intimidá-los/as; v) regularmente, sonega informações necessárias ao desempenho das funções de outros colegas ou relativas a entidades parceiras do serviço; vi) fomenta com regularidade rumores e comentários infundados críticas reiteradamente injustificadas sobre os/as trabalhadores/as; vii) dando instruções de trabalho confusas e imprecisas. Trata-se de formas de agir previstas nas orientações da CITE [2].

Os exemplos anteriormente mencionados configuram atos e comportamentos suscetíveis de serem classificados como assédio moral no trabalho [2]. Constata-se que, em Portugal, estes comportamentos são praticados com mais frequência por superiores/as hierárquicos/as e chefias diretas, sobre pessoas numa posição hierarquicamente inferior na organização [1]. Concomitantemente os números identificados em Portugal neste âmbito são muito expressivos e superiores aos que se verificam, na média dos países europeus [1].

Neste sentido, Portugal para lidar com este “atentado à dignidade humana” [1], e “estas situações de assédio no trabalho que continuam a existir” [2], no dia 1 de outubro de 2017, colocou em vigor as alterações operadas no Código de Processo de Trabalho e Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas introduzidas pela Lei 73/2017 de 16 de agosto. Com este dispositivo, veio reforçar-se o quadro legislativo existente, no âmbito da prevenção e do combate à prática de assédio no setor privado e na administração pública, na qual o Artigo 29, expressamente refere que “1- É proibida a prática de assédio. ”(…), “5- A prática de assédio constitui contra-ordenação muito grave, sem prejuízo da eventual responsabilidade penal prevista nos termos da lei” [3].

Analisar o assédio moral no trabalho, na área do Serviço Social, implica ainda levar em linha de conta o Código Deontológico dos Assistentes Sociais em Portugal [4], que considera o agir do/a Assistente Social como tendo subjacente princípios éticos e deontológicos, sendo centrais os princípios de justiça social, dos direitos humanos, da responsabilidade coletiva e do respeito pela diversidade. Neste sentido, é de salientar que o/a Assistente Social, enquanto profissional da intervenção social com uma prática inter e transdisciplinar, se se encontrar num contexto de assédio moral no trabalho (tal como foi descrito nos exemplos acima mencionados), vê em risco um conjunto de competências específicas da sua prática profissional, desde logo a sua competência assistencial, a que se associam competências, relacionais, psicossociais, técnico operativas e de bom desempenho cívico-político. Por sua vez, este risco, coloca o/a Assistente Social perante questões e dilemas éticos [4], porque o assédio moral no trabalho não lhe permite, de todo, reunir condições para cumprir o seu modus operandi, à luz dos valores, princípios éticos e normas de conduta profissionais, uma vez que o foco no seu desempenho fica comprometido. Perante estas considerações verificamos que a Ordem dos Assistentes Sociais [5] será essencial e de uma extrema relevância na intervenção, orientação e defesa dos/as seus/suas profissionais, promovendo a legitimação do/a Assistente Social no pleno cumprimento do código deontológico.

Com estas considerações pretende-se desvelar quanto as situações de assédio moral vivenciadas pelos/as Assistentes Sociais no seu local de trabalho influenciam e limitam diretamente o cumprimento do código deontológico da sua profissão, (por vezes de forma tão oculta e subtil), comprometendo a qualidade dos serviços prestados, o desempenho laboral, a par da saúde e estado emocional dos/as profissionais. A reflexão que se deixa, é também um alerta para os riscos, quer para o exercício profissional dos/as Assistentes Sociais e sua autonomia, quer para o bem estar da população que servem.

Notas

[1] Torres, A., Costa, D., Sant’Ana, H., Coelho, B. & Sousa, I. (2016). Assédio Sexual e Moral no Local de Trabalho. Lisboa: CITE/CIEG.

[2] Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (2013), Guia informativo para a prevenção e combate de situações de assédio no local de trabalho: um instrumento de apoio à autorregulação, Disponível em URL [Consult. 25 Abri 2020]: http://cite.gov.pt/.

[3] Decreto-Lei n.º 73/2017, de 16 de agosto, que entrou em vigor no dia 1 de outubro de 2017. Alterações operadas no Código do Trabalho, Código de Processo de Trabalho e Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.

[4] Associação dos Profissionais do Serviço Social (2019), Código Deontológico dos Assistentes Sociais em Portugal. Lisboa: APSS.

[5] Decreto-Lei n.º 121/2019, de 25 de setembro, Cria a Ordem dos Assistentes Sociais e aprova o respetivo estatuto.

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