Dimensão analítica: Economia, Trabalho e Governação Pública
Título do artigo: Organizações humanizadas: utopia ou realidade?
Autora: Inês Bernardo Marques Tavares
Filiação institucional: Consultoria de Inovação Organizacional
E-mail: inesmarquestavares@gmail.com
Palavras-chave: satisfação, trabalho, ganhos.
À luz das frenéticas evoluções tecnológicas do contexto económico de robô-digitalização, ser uma empresa altamente eficaz não é hoje uma opção. Trata-se, antes, de um pré-requisito que garante, no máximo, a possibilidade de entrar no mercado. Continuar nele e nele se sustentar é uma realidade nova que traz consigo, além da necessidade, a exigência de, por um lado, se partir da eficácia e, por outro, se avançar além dela.
Partir da eficácia, segundo Edward Deci e Richard Ryan [1], impulsionadores da teoria da autodeterminação, significa “promover o desempenho de alta qualidade (resultando, também, na rentabilidade) e a prosperidade dos trabalhadores (em termos de bem-estar e motivação no trabalho)”.
Organizações altamente eficazes podem definir-se, assim, como aquelas que reconhecem que tão importante quanto satisfazer as necessidades financeiras da empresa é satisfazer as necessidades básicas fundamentais dos trabalhadores. Os ganhos de umas são complementares com os ganhos de outras.
Avançar além dela implica estar recetivo à experimentação como forma de difundir e consolidar os valores da humanidade “apoiando a autonomia e a capacidade das pessoas para perseguirem o que realmente lhes interessa” [2].
Adjetivar uma organização de humanizada seria, desta forma, um agir com racionalidade substantiva no lugar de instrumental, em que a atitude pela satisfação das necessidades básicas dos trabalhadores é genuinamente interessada, e não apenas praticada porque traz, como resultado, a rentabilidade.
São três as necessidades psicológicas básicas fundamentais – autonomia, competência e relacionamento. A autonomia é a necessidade de a pessoa sentir que está no comando da sua própria vontade. A competência é a necessidade de a pessoa sentir que possui conhecimento para pôr aquela sua vontade em prática de forma eficaz. O relacionamento é a necessidade de a pessoa sentir uma ligação recíproca de cuidado e valorização [3].
No contexto português, sabe-se que o nível de satisfação no trabalho está entre os mais baixos. Nomeadamente, quando colocado em perspetiva, por exemplo, com o índice de satisfação dos trabalhadores dinamarqueses [4].
Os trabalhadores portugueses acreditam que, no geral, as pessoas trabalham pelo dinheiro e não pela satisfação de um trabalho bem feito; que é normal fazer um trabalho bem feito e isso não é motivo para que este seja valorizado; que um líder que queira ser respeitado não se deve relacionar com os seus subordinados. Trata-se de um paradigma de pensamento generalizado, embora apareça de forma mais acentuada nos gestores.
Um estudo recente levado a cabo em empresas dinamarquesas representativas de todos os setores da economia [5] permite estabelecer uma relação direta entre a satisfação dos trabalhadores e o desempenho financeiro das empresas (7,9% de ganhos por trabalhador, antes dos impostos, a cada patamar de subida numa escala de satisfação de 0 a 10).
Os resultados indicam que o sentimento de realização e valorização é o fator que resulta em maior aumento de ganhos. Imediatamente a seguir, com impacto também significativo nos ganhos, encontra-se o grau de confiança que os trabalhadores têm na liderança. Em sentido oposto, enquanto aspeto que gera maior perda nos ganhos, aparece o sentimento de controlo.
Que reflexões se podem trazer para a realidade que nos circunscreve sobre os aspetos que os dados revelam sobre o caso dos trabalhadores dinamarqueses?
A ciência diz-nos que a autonomia se encontra satisfeita quando o sentimento é de realização, ou plenitude. Ao contrário também nos diz que ela se frustra quando as pessoas sentem que estão a ser empurradas numa direção que não desejam, por outras palavras, quando sentem que estão a ser controladas [6].
Verifica-se naqueles dados que, quando o sentimento dos trabalhadores é de realização, a empresa vê os seus ganhos aumentarem substancialmente e os trabalhadores veem a sua autonomia satisfeita. Ambas as partes têm ganhos. Ao contrário, quando os trabalhadores sentem controlo, também se verifica que a empresa sofre uma perda nos ganhos e os trabalhadores veem a sua necessidade de autonomia frustrada. Ambas as partes têm perdas.
A ciência também nos diz que a competência se satisfaz à medida que os trabalhadores se envolvem em atividades que lhes possibilitam alargar os seus horizontes de conhecimento e que o relacionamento se satisfaz quando os vínculos que se estabelecem com os outros se constroem numa base de confiança [7].
Sentimentos que, pela análise dos dados, não só trazem satisfação para os trabalhadores como também têm impacto significativo nos ganhos das empresas.
Prova-se que é a satisfação das necessidades básicas dos trabalhadores que conduz ao acréscimo do desempenho financeiro da empresa. Portanto, sequer fará sentido às empresas investirem os seus recursos somente em formas de aumentar a produtividade, utilizando o bem-estar e motivação dos trabalhadores como meio para atingir os objetivos quantitativos.
Trocar este pensamento instrumental «eu preciso» pelo pensamento substantivo «eu quero» investir nas necessidades básicas dos trabalhadores porque sei que têm valor em si mesmas é a proposta que permitirá às empresas, assim humanizadas, conseguirem não só manter como também sustentar a sua atividade no mercado.
Organizações humanizadas não estão tão longe assim de se tornarem uma realidade. Por isso, aos gestores portugueses, e começando por si mesmos, a questão a que importa dar resposta passa por saber até que ponto estão disponíveis para transformar, isto é, para desconstruir os paradigmas de pensamento nas empresas originando novas mentalidades.
Notas
[1] Deci, E. L., Olafsen, A. H., & Ryan, R. M. (2017). Self-Determination Theory in Work Organizations: The State of a Science. Annual Review of Organizational Psychology and Organizational Behavior, 19-43. https://doi.org/10.1146/annurev-orgpsych-032516-113108.
[2] Ryan, R. M., Deci, E. L., Vansteenkiste, M., & Soenens, B. (2021). A Legacy Unfinished: An Appreciative Reply to Comments on Self-Determination Theory’s Frontiers and Challenges. Motivation Science, 7(2), 120-121. https://doi.org/10.1037/mot0000237.
[3] Martela, F., & Riekki, T. J. J. (2018). Autonomy, Competence, Relatedness, and Beneficence: A Multicultural Comparison of the Four Pathways to Meaningful Work [Original Research]. Frontiers in Psychology, 9. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2018.01157
[4] Cf. Relatório da Eurostat, disponível em https://ec.europa.eu/eurostat/statistics-explained/index.php?title=File:Job_satisfaction_mean_rating_by_country,_2013_and_2018_.png.
[5] Lydiksen, N., Godfredsen, A., Ladenburg, J., & Stenbro, H. (2023). Job satisfaction and firm earnings—Evidence from matched survey and register data. Labour, 37(2), 197-221. https://doi.org/10.1111/labr.12240
[6] Nunes, P. M., Proença, T., & Carozzo-Todaro, M. E. (2024). A systematic review on well-being and ill-being in working contexts: contributions of self-determination theory. Personnel Review, 53(2), 375-419.
[7] Vansteenkiste, M., Ryan, R. M., & Soenens, B. (2020). Basic psychological need theory: Advancements, critical themes, and future directions. Motivation and Emotion, 44(1), 1-31. https://doi.org/10.1007/s11031-019-09818-1
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