Da arrogância europeia à sua figura compreensiva, passando pela(s) Europa(s) fragilizada(s)

Dimensão analítica: Cidadania, Desigualdades e Participação Social

Título do artigo: Da arrogância europeia à sua figura compreensiva, passando pela(s) Europa(s) fragilizada(s)

Autor: Leonardo Camargo Ferreira

Filiação institucional: Faculdade de Letras da Universidade do Porto

E-mail: leonardo-camargo-ferreira@hotmail.com

Palavras-chave: Europa(s), egocentrismo(s), aprendizagem(ns) mútua(s).

A expansão do imperialismo e a prática do colonialismo mostraram-se, durante muitos séculos, evidentes por parte da Europa, não só sobre diversos territórios de continentes como a América do Sul, a África e a Ásia, mas também relativamente a alguns dos seus próprios países – ocorrendo uma subjugação do Sul da Europa (Portugal, Espanha, Itália, entre outros) face ao seu Norte (com a Alemanha, a França, o Reino Unido) – o que contribuiu para a formação da identidade europeia baseada numa atitude de superioridade e de dominação face ao demais mundo [1]. Por outro lado, esta mesma identidade não se resume apenas à força militar e territorial. A extrema influência cultural e económica do continente europeu sobre os demais permitiu o desenvolvimento de várias das suas formas de viver e de agir, reforçando a construção da imagem da Europa no mundo como uma região de supremacia e de autoridade. Max Weber dá voz a este argumento quando, abordando o progresso científico europeu, afirma que “no Ocidente (…) o capitalismo teve uma enorme importância, com o desenvolvimento de grande diversidade de tipos, formas e orientações (…) que não se encontram em nenhuma outra parte” (p. 16) [2].

Contudo, a Europa atual não é mais vista como um império intocável, dado que enfrenta dificuldades de gestão social acrescidas, como o aumento das desigualdades nas suas dimensões mais vastas; da violência e dos fenómenos de extrema-direita; ou, simplesmente, da estagnação, isto é, de um estado de descuido e despreocupação face ao presente e ao futuro. Nesta falta de motivação, o continente europeu não compreende de modo claro a origem e as propostas de resolução dos seus problemas, os quais, na verdade, acabam por se encontrar profundamente enraizados em representações sociais de si e dos outros que procuram “veicular crenças arcaicas, ligadas a sistemas de pensamento mais amplos, mantidos por grupos sociais por séculos” (Jodelet in Camargo & Wachelke, p. 382) [3]. Assim, um verdeiro obstáculo de egocentrismo torna-se implícito no seio das atitudes europeias, que é necessário suplantar através da reinterpretação e, consequentemente, da aprendizagem de uma nova maneira de ser e estar perante o mundo – um novo habitus, numa linguagem bourdieusiana, correspondente a inovadoras “disposições sociais que (…) interioriza [e que está dependente] da coerência d[e] princípios de socialização” (Lahire in Setton, p. 61) [4].

Destarte, das necessidades prementes de discência e de consciência do “velho continente” (s/p) [5], destacam-se a rejeição das auto-evidências e a aceitação do crescimento da importância de outros territórios para a definição da história do mundo. Nesta vertente histórica, se acontecimentos como a queda da União Soviética, a subsequente reunião da Alemanha e a movimentação de migrantes numa grande escala são exemplos da tarefa hercúlea de atribuição de um significado preciso em relação ao que é a Europa e ao que é ser-se europeu [6], torna-se claro que a construção e a emergência de uma identidade europeia revigorada deve ter em conta a reconsideração de fronteiras, tanto ao nível do território físico como em termos de pensamentos e de valores vitais a um futuro menos desigual e mais reflexivo e participativo, onde países como Portugal, outrora potências colonizadoras e atualmente considerados por muitos na esteira (e não na consolidação) dos Estados desenvolvidos, consigam incluir-se nas dinâmicas económicas e políticas dos seus conterrâneos.

De forma a trabalhar num âmbito de aprendizagens mútuas, a Europa necessita de reconhecer a existência de contributos diferentes dos seus, mas igualmente valiosos, que possibilitem o desenvolvimento de uma interculturalidade que se articule com elementos importantes de cidadania. Visto que atualmente assistimos a “processos que intensificam cada vez mais a interdependência e as relações sociais a nível mundial.” (p. 51) [7], os preconceitos culturais devem ser progressivamente atenuados para que haja uma reconciliação civilizacional. Como refere Ramos (p. 223) [8], “a globalização e os fluxos migratórios aumentaram sem precedentes os contactos entre as culturas e a coabitação entre diferentes modos de vida”, pelo que, no horizonte dos direitos humanos, a esperança contra a universalidade tradicional e alicerçada em diálogos, deixando de lado os conflitos, pode emergir. Não convém esquecer que a Europa é o seu norte, centro e sul, podendo levar (e levando) a relações dissemelhantes de acesso a recursos económicos e simbólicos, tal como, em contrapartida, a uma abundância de vivências para uma abundância de partilhas.

Notas:

[1] Santos, B. S. (2002), Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, p. 14-25.

[2] Weber, M. (2006). A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. 9.ª ed. Lisboa: Editorial Presença.

[3] Camargo, B. V. & Wachelke, J. F. R. (2007). Representações Sociais, Representações Individuais e Comportamento. Revista Interamericana de Psicología. Vol. XLI, n.º 3 (2007), p. 379-390. [Consult. 27 out. 2019]. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rip/v41n3/v41n3a13.pdf>.

[4] Setonn, M. G. J. (2002). A teoria do habitus em Pierre Bourdieu: uma leitura contemporânea. Revista Brasileira de Educação. S/Vol, n.º 20, p. 60-70. [Consult. 27 out. 2019]. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n20/n20a05>.

[5] Santiago, D. (2019). O Velho Continente tenta ser uma Nova Europa. Jornal de Negócios. [Consult. 27 out. 2019]. Disponível em <https://www.jornaldenegocios.pt/weekend/detalhe/o-velho-continente-tenta-ser-uma-nova-europa>.

[6] Santos, B. S. (2016). Para uma nova visão da Europa: aprender com o Sul. Sociologias. Vol. XVIII, n.º 43. [Consult. 27 out. 2019]. Disponível em <http://www.boaventuradesousasantos.pt/media/Nova%20Vis%C3%A3o%20da%20Europa_Sociologias_2016.pdf>.

[7] GIddens, A. (2004). Sociologia. 4.ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

[8] Ramos, N. (2007). Sociedades multiculturais, interculturalidade e educação. Desafios pedagógicos, comunicacionais e políticos. Revista Portuguesa de Pedagogia: Vol. XLI, n.º 3 (2007), p. 223-244. [Consult. 29 out. 2019]. Disponível em <https://core.ac.uk/download/pdf/75980888.pdf>.

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