Dimensão analítica: Cultura, Artes e Públicos
Título do artigo: Tatuar a Cidade: elementos de uma sociologia das artes e da cultura na análise da poesia urbana em Vila Nova de Gaia
Autor: Leonardo Camargo Ferreira
Filiação institucional: Faculdade de Letras da Universidade do Porto
E-mail: leonardo-camargo-ferreira@hotmail.com
Palavras-chave: poesia, cultura, arte urbana.
A poesia, enquanto forma artística de expressão textual, visual e sonora, é também uma forma de intervenção social e simbólica nos espaços e contextos sociais onde está presente. “Talvez por permitirem novas possibilidades de expressão e criação” (Dabul, 2016, p. 39) [1], os poemas são escritos com o intuito de transmitir uma mensagem de reflexão e de imaginação ao leitor, de modo a que este possa viajar no que de mais significativo os versos trazem consigo. Em simultâneo, os poetas lidos adquirem reconhecimento literário, traduzindo-se este em reconhecimento social, na medida em que as suas perspetivas, de uma forma ou de outra, acabam por ser implementadas em “evocações discursivas quotidianas” (Abrantes, 2011, p.127) [2], em “práticas culturais [que moldam] identidades” (Ferro, 2016, p.37) [3] e, até, em programas políticos e educativos de referência.
No âmbito de uma sociopoesia aliada ao pensamento crítico e à construção de um perfil artístico citadino, o projeto Tatuar a Cidade foi levado a cabo em 2019, no concelho de Vila Nova de Gaia (distrito do Porto), aquando do Fórum Internacional de Gaia (FIGaia). O coordenador Rui Spranger enfatiza que, “por ser o ano nacional da cooperação, cujo tema é ‘Cooperação em Português’, escolhemos a palavra poética como expoente máximo da língua” [4]. Esta iniciativa, que reúne versos de vários poetas portugueses dos séculos XIX e XX, pretende levar a poesia “aos sítios mais improváveis da nossa cidade, interpelando o público a cada virar de esquina. (…) Este projeto nasce da vontade de incentivar a leitura da poesia, democratizando-a e desmistificando-a, tornando-a presente na nossa rotina (Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, 2019) [5].
É neste contexto que o urbano se une ao campo artístico, onde a poesia – neste caso, a portuguesa – adquire uma emancipação simbólica bastante relevante, tomando lugar nas ruas, nos passeios, nas paredes e nos muros. Estas estruturas são, a partir de hoje, no território gaiense, marcos de uma cidadania sociocultural que se assume como invólucro de um processo de disseminação de conhecimentos (e, intenta-se, de construção de vivências) a um público mais geral (Souza, 2018) [6].
Fig. 1 – “livros são papéis pintados com tinta” – Verso de Fernando Pessoa pintado numa das paredes da Biblioteca Municipal de Vila Nova de Gaia.
Esta maneira de apresentar o espírito lírico não se resume à mera (embora muito importante) aproximação das pessoas à poesia, mas também possibilita a criação de laços de conhecimento e de afetividade com os seus criadores. Para muitos, vários poetas remetem apenas para uma lembrança dos estudos efetuados em sucessivos ciclos de ensino nas aulas de Português ou equiparáveis, onde a dificuldade ou a impaciência na interpretação dos textos avocam o controlo de uma leitura desorientada. Tatuar a cidade transforma-se, desta maneira, numa tatuagem da vontade para a mudança, ocorrendo a elaboração figurativa de locais em que poetas do passado ganham expressão no presente, configurando modos de agir e de compreender o mundo por parte dos atores sociais. Os indivíduos, por sua vez, agindo “de acordo com a situação e os significados (…) [e tendo] um papel ativo na definição da primeira e na construção dos segundos” (Ricardo, 2019, p.5) [7], vão desencadear processos de visualização-representação, criando memórias de gostos e sentimentos, isto é, de uma socialização com um espaço que atualmente integra aspetos de natureza territorial com elementos de uma poética que deve ser analisada tendo em conta não só as grandes colaborações da sociologia do quotidiano (Ferro, Lopes & Louçã, 2019) [8], mas também da sociologia das artes (urbanas) e da sociologia da cidade.
Notas
[1] Costa, P., Dabul, L., Diógenes, G. & Guerra, P. (org.) (2017), I Congresso internacional lusófono – todas as artes | todos os nomes (Livro de Atas). Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto. [Consult. 27 out. 2019]. Disponível em <https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/102872/2/183163.pdf>. ISBN 978-989-8648-85-3.
[2] Abrantes, P. (2011), Para uma teoria da socialização. Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Vol. XXI, [s/n] (2011), p. 121-139. [Consult. 27 out. 2019]. Disponível em < https://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/9864.pdf>.
[3] Ferro, L. (2016), Da Rua para o Mundo – Etnografia Urbana Comparada do Graffiti e do Parkour. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais. ISBN 978-972-671-378-4.
[4] Sapo/Viagens Lusa (2019), Vila Nova de Gaia Vai Ser “Tatuada” Com Versos de Poetas Do Século XIX e XX. Sapo. [Consult. 07 dez. 2019]. Disponível em <https://viagens.sapo.pt/viajar/noticias-viajar/artigos/vila-nova-de-gaia-vai-ser-tatuada-com-versos-de-poetas-do-seculo-xix-e-xx>.
[5] Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia (2019), Tatuar a cidade: um projeto que leva a poesia ao virar de cada esquina. C. M. Gaia (2016). [Consult. 27 out. 2019]. Disponível em <http://www.cm-gaia.pt/pt/noticias/tatuar-a-cidade-um-projeto-que-leva-a-poesia-ao-virar-de-cada-esquina/>.
[6] Souza, V. de (2017-2018), Cidadania Cultural: entre a democratização da cultura e a democracia cultural. Revista Latino Americana de Estudos em Cultura. Vol. XVIII, n.º 14 (2017-2018), p. 97-107. [Consult. 27 out. 2019]. Disponível em <http://periodicos.uff.br/pragmatizes/article/view/10477/7319>.
[7] Ricardo, J. M. F. (2019), Conceção de indivíduo e de sociedade: um ensaio acerca das convergências e das divergências. IS Working Papers. Vol. III, n.º 79 (2019), p. 1-12. [Consult. 27 out. 2019]. Disponível em <http://isociologia.up.pt/sites/default/files/working-papers/WP%2079.pdf>.
[8] Ferro, L., Lopes, J. T. & Louçã, F. (2019), As Classes Médias em Portugal – Quem São e Como Vivem. Lisboa: Bertrand.
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