Repensar a Empregabilidade é Convocar Todos os Envolvidos

Dimensão analítica: Economia, Trabalho, Governação Pública

Título do artigo: Repensar a Empregabilidade é Convocar Todos os Envolvidos

Autora: Marta Mucha

Filiação institucional: Socióloga / Formadora

E-mail: marta.mucha1@gmail.com

Palavras-chave: (des)emprego, formação, empregabilidade.

Nos inícios do século XXI, Maruani e Reynaud davam um importante contributo para o reposicionamento da discussão em torno das determinantes e contornos de evolução das dinâmicas de (re)produção de emprego e desemprego, alertando para a complexidade desta problemática e a necessidade de situar o contributo de sociólogos não apenas a jusante destas dinâmicas de (re)produção – os seus impactos – mas, sobretudo, a montante das mesmas – as suas raízes.

Ao situar a sociologia do emprego “na interseção da sociologia do trabalho e da economia do trabalho”, as autoras colocam o foco na recomposição da população ativa e na afirmação do desemprego como ameaça permanente àquele que, à época como hoje, é fator determinante da qualidade de vida das pessoas e de funcionamento equilibrado das sociedades. Frisam que “o emprego não é uma questão social entre outras (…) é um dos elementos estruturantes (…) que ditam o sentido de outras questões sociais”[1], porque o ter ou não ter emprego afeta o quotidiano das famílias, atravessa a maioria dos debates sociais (e mediáticos), espelha identidades territoriais e (re)orienta dinâmicas da economia regional, nacional e internacional e medidas políticas de suporte e estimulação.

Se a complexidade da problemática do emprego versus desemprego ajuda a explicar o facto de haver tão pouco consenso em torno do(s) conceito(s)  adotado(s) e dos indicadores com que são mensurados, esta não pode bloquear a reflexão sociológica rigorosa sobre o que discutimos quando falamos de emprego, de empregabilidade e de outros conceitos-limítrofes. Nesta análise, é assumido que “Estar desempregado não é apenas estar sem emprego. É pertencer a uma categoria [social] à qual se reconhece a legitimidade de ambicionar um emprego”[2]. O desempregado é um ativo da sociedade e a sua proatividade é merecedora de reconhecimento social, mas tem de ser alicerçado em políticas ativas de emprego e de formação contínua, para a empregabilidade e para o empreendedorismo.

Vinte anos volvidos desde o início do século, mas com uma discussão sociológica alimentada sobretudo a partir dos anos 80, a sua maturação acompanha a evolução das linhas de política estratégica, desenhadas pelos organismos internacionais e adaptadas aos territórios pelos serviços públicos nacionais de emprego e formação, em progressiva aproximação ao setor privado e ao setor da economia social, a diferentes escalas.

Em Portugal, o organismo-pivôt neste processo – o IEFP IP[3] – celebrou em 2019 o seu 40º aniversário, com uma publicação em que faz o balanço do(s) caminho(s) percorrido(s) e dos desafios futuros[4]. Se aqui se assume como estando sempre na linha da frente do combate ao desemprego e do reforço à capacitação profissional de empregados e desempregados, não tem sido preponderante a sua aposta na capacitação pela via da formação em competências transversais e digitais que constitui, hoje, um dos seus grandes desafios. Terá de fazê-lo em ação concertada com outros organismos públicos, designadamente a ANQEP IP[5] (ambos limitados na capacidade de transformação ao ritmo que se impõe) sem esquecer outros parceiros institucionais.

Com um tecido económico e mercado de trabalho em crescente mutação – com a digitalização dos processos e a polarização profissional como traços mais vincados e interligados – é hoje assumido que setores público, empresarial, da economia social e academia têm de unir esforços para desenhar estratégias para o muito curto prazo e zelar por uma mais eficaz implementação, se quiserem acompanhar o acelerado ritmo e larga amplitude das mudanças observadas.

Ciente da necessidade de uma mudança de paradigma na formação regular e profissional ex ante e ex post inserção no mercado de trabalho, a AEP[6] reuniu um conjunto de especialistas e propôs uma interessante revisão bibliográfica de estudos, entre os quais aqui se sublinha a análise comparativa dos quadros de referência europeus 2006 e 2018, em matéria de competências essenciais para a aprendizagem ao longo da vida[7]. Na primeira linha passam a estar as competências de literacia, remetendo para a qualidade da compreensão, da comunicação oral e escrita e da utilização de ferramentas digitais. Competências digitais, competências pessoais e sociais, competências de cidadania e de responsabilidade ambiental, competências de empreendedorismo e competências de criatividade e expressão cultural são aí destacadas e refletem uma sofisticação que urge verter nos currículos de educação regular e de formação para a empregabilidade e para o empreendedorismo.

A aproximação dos institutos politécnicos às empresas é já uma realidade, sobretudo nos grandes pólos urbanos,mas outros territórios sentem-se prejudicados pelo distanciamento que subsiste entre academia e o tecido económico e organizacional local. Esta constitui uma das principais conclusões/recomendações retiradas do ciclo de workshops regionais Por um Futuro Digital mais Inclusivo desafios e oportunidades, promovido pela EAPN Portugal[8], que foram publicamente apresentadas e debatidas em Conferência, organizada em colaboração com o Instituto de Sociologia da FLUP, no final de 2019. Trata-se apenas de um dos muitos exemplos de comprometimento de organizações do setor não lucrativo da economia social com a questão analisada, com destaque para as que estão acreditadas como EPAT[9] ou integram a Rede de Centros Qualifica.

A capacitação para o emprego, a empregabilidade e o empreendedorismo são cruciais no contexto da transfiguração profunda do mercado de trabalho, em curso em Portugal, nesta transição para a década 20_30. Merece, por isso, uma reflexão aprofundada e colaborativa de sociólogos com outros atores sociais de diversos setores e territórios.

Notas

[1] Maruani, M. & Reynaud, E. (2004), Sociologie de L’emploi, 4e ed., Paris: La Découverte, p.103.

[2] Idem, p.104.

[3] Instituto do Emprego e Formação Profissional, Instituto Público (www.iefp.pt).

[4] IEFP I.P. (2019), Formação Profissional em Portugal, Lisboa: Instituto do Emprego e Formação Profissional I.P. e Caleidoscópio – Edição e Artes Gráficas S.A..

[5] Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional, Instituto Público (www.anqep.gov.pt).

[6] Associação Empresarial de Portugal (www.aeportugal.pt).

[7] Medeiros, G. (relator),(2019), (Re)Qualificar para Competir – propostas de ação, Porto: Área de Estudos e Estratégia da AEP;

[8] European Anti-Poverty Network Portugal (www.eapn.pt).

[9] Entidades Prestadoras de Apoio Técnico acreditadas pelo IEFP I.P.

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