Dimensão analítica: Cidadania, Desigualdades e Participação Social
Título do artigo: Olhar as Presidências de Juntas de Freguesia de Portugal em perspectiva de género: perfis e trajectórias
Autora: Célia Peralta
Filiação institucional: Mestranda do Curso de mestrado em Sociologia, Universidade de Évora
E-mail: peralta.celia@gmail.com
Palavras-chave: Poder local, participação política, género.
A inclusão do debate sobre a(s) desigualdade(s) de género nas agendas políticas tem vindo a intensificar-se, despoletando o interesse e desenvolvimento de estudos que têm contribuído para aprofundar o conhecimento e compreensão sobre a relações e assimetrias de género. A esfera política é a esfera onde se regista o maior gender gap [1], em particular, no que aos lugares de poder e de tomada de decisão diz respeito.
A curiosidade sociológica e o reduzido número de “olhares” sobre a ocupação dos lugares de poder no Poder Local, ao nível das freguesias de Portugal, aguçou o interesse pelo estudo desta temática e conduziu-nos pelos caminhos de uma investigação em curso, cuja metodologia se caracteriza por uma natureza eminentemente quantitativa, extensiva e descritiva. A recolha de dados através de um inquérito por questionário electrónico, auto-administrado, permitiu-nos chegar a uma população dispersa e de grande dimensão: o conjunto de titulares de cargo de Presidente de Junta de Freguesia em território nacional, em janeiro de 2018. Interessava-nos, em concreto, estudar os percursos de vida dos Presidentes de Junta de Freguesia de Portugal eleitos nas últimas eleições autárquicas em 2017. Os dados já obtidos permitem responder aos objetivos de investigação, desde logo no que concerne à caracterização do perfil sociodemográfico e percurso político dos Presidentes de Junta de Freguesia no Portugal atual.
Dos 3091 titulares, 679 responderam ao inquérito por questionário. No conjunto, a taxa de resposta foi 22% (21% de homens e 27% de mulheres). Os resultados preliminares são sugestivos de diferenças que importa destacar. Desde logo, uma maior concentração de mulheres na faixa etária dos 40 aos 49 anos (43%), enquanto a maior parte dos homens se distribui entre os 40 e os 59 anos (60,5%). A idade mínima dos homens é 18 anos enquanto a das mulheres é 21 anos. Relativamente ao nível de escolarização verifica-se que as mulheres são mais escolarizadas, pois a maior parte detém o grau de licenciatura (52,9%); já nos homens o nível máximo da maior parte é o 12.º ano de escolaridade (38,8%). Na generalidade, os atuais Presidentes de Junta de Freguesia, começaram a interessar-se pela política em diferentes fases da vida. O interesse pela vida política, na fase da adolescência, despertou maior interesse nos homens (25%) do que nas mulheres (14%), mas foi sobretudo durante a fase de transição para a vida adulta – entre os 18 e os 30 anos de idade – que o interesse por atividades relacionadas com a política se manifestou (43% das mulheres e 41% dos homens), seguindo-se a fase da vida posterior, isto é, depois dos 30 anos de idade (no caso das mulheres, com 39%, e 30% nos homens). No que respeita à participação em atividades políticas, medida em anos, observa-se uma discrepância entre homens e mulheres; de facto, os homens, com 16 anos de atividade política, possuem, em média, 4 anos a mais do que as mulheres, cuja média se situa nos 12 anos. A maior parte, quer dos homens (23,7%) quer das mulheres (29,8%), exerceu um mandato político antes de ser eleito nas últimas eleições autárquicas, seguindo-se a inexistência de qualquer mandato (zero) em 20% dos homens e 26% das mulheres. Isto significa que 1/5 dos homens e cerca de 1/4 das mulheres, estão, pela primeira vez, a exercer um cargo político. A distribuição das frequências relativas assume uma distribuição assimétrica positiva (enviesada à esquerda), revelando uma maior concentração de inquiridos entre os 0 e os 6 anos de exercício de mandatos em cargos políticos. Entre as mulheres o máximo de mandatos exercidos é até 8 anos, enquanto nos homens o máximo é até 20 anos.
A literatura sustenta que homens e mulheres não são percebidos de igual modo ao nível das características de personalidade. Como refere Amâncio [2], “traços de instrumentalidade, independência e dominância são associados ao sexo masculino […] traços de expressividade, dependência e submissão são associados ao sexo feminino”. Para averiguarmos da existência de estereótipos de género entre os titulares do cargo de presidente de junta, questionámos os inquiridos sobre se durante o seu percurso político sentiram a necessidade de adaptar, reforçar ou moderar traços de personalidade em função de determinadas características estereotipadas de género e liderança. Para o efeito, elaborou-se uma pergunta constituída por itens de traços de personalidade, traços estes tomados de estudos realizados por Lígia Amâncio [3] sobre estereótipos, na qual os inquiridos puderam selecionar as características de personalidade em que sentiram necessidade de introduzir mudanças. Os resultados da análise confirmam ajustes das características genderizadas em ambos os sexos. A título exemplificativo, apresentamos as características mais mencionadas na moderação de características concordantes com o estereótipo de género feminino: meigo/a (18,4% dos homens e 29,8% das mulheres) e carinhoso/a (17% dos homens e 28,8% das mulheres); e no reforço das características concordantes com o estereótipo de género masculino: empreendedor/a (69% dos homens e 84% das mulheres), desinibido/a, a segunda característica mencionada pelos homens com (67,7%) e corajoso/a, segunda característica mencionada pelas mulheres (80%).
Como síntese parcial desta análise exploratória é de referir que os lugares de poder e de tomada de decisão, ao nível das freguesias em Portugal são, ainda, maioritariamente, ocupados por homens. São também os homens que detêm mais anos de atividade política e que iniciam esta atividade mais cedo. O reforço e moderação de determinadas características de género e liderança ocorrem, predominantemente, nas mulheres, sugerindo que são elas que mais sentem necessidade de adaptar o seu estilo ao modelo estereotipado masculino. Mulheres com escolaridade mais elevada, a liderar cargos de poder, poderão enriquecer a competição e disputa pelo poder e contribuir para a desconstrução dos estereótipos de género.
Notas
[1] European Institute for Gender Equality (2019), Gender Equality Index 2019 in brief: Still far from the finish line, Vilnius, Lithuania. ISBN PDF 978-92-9470-686-7.
[2] Amâncio, Lígia, (1992), As Assimetrias nas Representações do Género, Revista crítica de ciências sociais, 34, pp. 9-22. ISSN eletrónico 2182-7435.
[3] Amâncio, Lígia, (1989) Factores Psicossociológicos da Discriminação da Mulher no Trabalho (Tese de doutoramento) ISCTE.
[4] Habermas, Jürgen, (2012), Transformação Estrutural da Esfera Pública, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. ISBN 978-972-31-1452-2.
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