Mulheres fundadoras de Startups: motivações e desafios para empreender

Dimensão analítica: Cidadania. Desigualdades e Participação Social

Título do artigo: Mulheres fundadoras de Startups: motivações e desafios para empreender

Autora: Magda Gomes (1), Filipa Sobral (2), Eva Dias de Oliveira (3)

Filiação institucional: (1) Universidade Católica Portuguesa (UCP), Faculdade de Educação e Psicologia; (2) UCP, CEDH, Faculdade de Educação e Psicologia; (3) UCP, Católica Porto Business School, Porto, Portugal.

E-mail: fsobral@porto.ucp.pt (autora de contacto)

Palavras-chave: Startups, Mulheres Empreendedoras, Motivações.

Há cada vez mais mulheres a demonstrar o desejo de criar o seu próprio negócio. Esta disparidade está patente nas estatísticas que têm sido publicadas sobre o contexto das mulheres empreendedoras. Em Portugal, há um equilíbrio entre homens (51%) e mulheres (49%) no que se refere à proporção de ambos no total da força de trabalho. Contudo, o número de mulheres (6% da força de trabalho total) proprietárias de empresas com empregados ainda é menor, quando comparado com homens nas mesmas circunstâncias (3% da força de trabalho total [1]. Paralelamente, a literatura académica demonstra que a discussão em torno de conceitos que remetem para o empreendedorismo ou para a criação de novas empresas é feita, sobretudo, no masculino.

Existem inúmeras razões que motivam mulheres e homens a lançarem-se na “aventura” empreendedora, tais como: a falta de satisfação no trabalho anterior, o desejo de ser financeiramente autossuficiente, a flexibilidade de horários, a autonomia e a perspetiva de uma melhor qualidade de vida. Porém, existe evidência que sugere que estas razões e motivações são diferentes nas mulheres e nos homens. O sucesso financeiro e o desejo de inovação parecem ser mais valorizados pelos homens, enquanto a conciliação entre trabalho e vida pessoal, a satisfação de necessidades financeiras, a existência de discriminação no local de trabalho ou a reintegração no mercado de trabalho após a maternidade parecem ser, nas mulheres, as razões mais frequentemente referidas para a criação da sua própria empresa.

Num estudo exploratório levado a cabo por investigadoras da Universidade Católica Portuguesa, foram entrevistadas cerca de uma dezena de fundadoras de Startups, com empresas em áreas iminentemente ligadas à indústria criativa. Estas entrevistas realizaram-se no âmbito do Projeto iStart@PT: Inovative Startups at Portugal, e tinham como objetivo compreender, entre outras questões, as motivações e desafios destas mulheres para a criação da sua própria empresa. Os resultados apontam algumas pistas sobre as motivações destas mulheres, nomeadamente (1) a insatisfação com experiências de trabalho passadas, relatada através de desabafos como: “(…) esse meu último trabalho (…) que eu odiei tanto, tanto, tanto, que eu pensei nunca mais trabalho para ninguém (…).” ou “O trabalho que tinha não me estava a satisfazer, permanecia a necessidade de aprender mais”; (2) a situação de desemprego e em alguns casos de longa duração como é evidente nas palavras destas fundadoras: “na altura, encontrava-me desempregada, já há algum tempo.” ou “A principal motivação para criar a empresa foi o de criar o meu próprio emprego”; ou a (3) a predisposição para empreender apresentada como “sempre tive o bichinho de fazer alguma coisa” ou “(…) sempre tive este “bichinho” de empreender”.

Para além das motivações para a criação do seu próprio negócio, mulheres e homens empreendedores parecem viver de forma diferente esta experiência. Em 2017-2018, a Startup Genome [2] recolheu informação junto de 10,000 participantes, contando com empreendedores, investidores, investigadores e decisores políticos, em 170 países. Conclui-se que a visão das mulheres e dos homens sobre o seu negócio é diferente: as mulheres mais facilmente dizem que querem mudar o mundo através da sua Startup (58% mulheres versus 41% homens), enquanto os homens mais facilmente reconhecem como sua a missão de construir produtos de alta qualidade (30% mulheres versus 39% homens). Além disso, e ainda de acordo com este relatório, as mulheres tendem a construir mais relações com outras/os fundadores, mas têm menos ligações com os investidores do que os homens, o que pode explicar a diferença persistente de equidade financeira entre mulheres e homens fundadores.

De facto, e de acordo com os testemunhos recolhidos através das entrevistas, estas mulheres identificam dificuldade em obter crédito e financiamento para os seus negócios como um dos maiores obstáculos (e.g.: “(…) não tínhamos dinheiro para investir”; “O maior desafio é fazer bolos sem ovos”; “fazer alguém investir milhares de euros na tua empresa para tu conseguires criar… é claramente um desafio”; “não estávamos preparadas financeiramente”; “ponderei se deveria contrair empréstimo para poder fazer crescer o negócio e eu não consegui fazê-lo”; “financiamento também foi um processo difícil e moroso”). No entanto, este não é o único desafio merecedor de destaque, as entrevistadas apontaram ainda como dificuldade para a criação e crescimento das suas empresas a desvalorização social da sua área de negócio, em comparação com as Startups de base tecnológica. As mulheres entrevistadas detentoras de empresas na área das indústrias criativas relatam que existe um tratamento diferente quando comparadas às indústrias tecnológicas, nomeadamente, na sua integração em incubadoras. O que é percetível através de afirmações como: “(…) eram quase todos vocacionados para área das apps e engenharias”; ou “(…) nós eramos os casos que estávamos ali um bocadinho fora, porque houve uma febre das tecnológicas e obviamente nós passamos a perceber que havia um tratamento diferente para as empresas tecnológicas comparativamente às nossas”.

A criação da própria empresa é o produto de várias razões motivacionais e de desafios que decorrem desse mesmo empreendimento. Para além das dificuldades do negócio, surgem outras igualmente importantes que têm impacto, principalmente, nas mulheres e na sua atividade. É por isso importante aprofundar quais os fatores que favorecem as mulheres que têm o desejo de construírem o seu próprio negócio; as consequências das dificuldades com as quais as mulheres têm de lidar; assim como as responsabilidades sociais e económicas que têm de assumir na sua vida pessoal e profissional na sequência da decisão de empreender. Assim, é necessário continuar a ouvir os testemunhos de mulheres por forma a encontrar mais e mais amplas medidas, que permitam a promoção do empreendedorismo das mulheres, levando a um contexto onde existe igualdade de oportunidades para mulheres e homens empreendedores.

Notas:

[1] OECD (2019), Self-employed with employees (indicator). doi: 10.1787/b7bf59b6-en (Accessed on 29 October 2019)

[2] Startup Genome (2018), Global Startup Ecosystem Report 2018. (Retrieved from: https://startupgenome.com/all-reports).

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