Dimensão analítica: Cidadania, Desigualdades e Participação Social
Título do artigo: Notícia ou não notícia. Porque tem o jornalismo de explicar-se e a mentira não?
Autora: Andreia Fernandes Silva
Filiação institucional: Jornalista
E-mail: a.silva@doc.isvouga.pt
Palavras-chave: jornalismo, notícia, desinformação.
Robert Park focalizou uma das suas preocupações nas características essenciais das notícias. Para este sociólogo existem dois tipos de conhecimento, o de familiaridade e o conhecimento sobre. Citando William James, Park lembra que o conhecimento sobre não é só “racional e sistemático”, centra-se também “na observação e em factos”, acrescentando “mas factos que foram verificados, catalogados, regimentados”, tendo em conta uma determinada perspetiva (Park, 39) [1]. A recuperação desta linha de pensamento assume particular importância na atualidade quando a notícia, surge na discussão pública e levantam questões sobre o seu enquadramento e a autenticidade.
“É evidente que as notícias não são um conhecimento sistemático como o das ciências físicas. Aproximam-se mais da história, na medida em que lidam com acontecimentos” (p.41), embora não correspondam a parâmetros e regras próprias da história. O autor lembra ainda que as notícias são um bem perecível que se concentram, na maior parte das vezes, no presente ilusório: “Uma vez publicadas e o seu significado reconhecido, as notícias passam à história”. Para além desta efemeridade das notícias, outro factor destacado é que estas são em certa medida previsíveis devido à existência de critérios de noticiabilidade, os chamados valores-notícia, características que determinam se um acontecimento ou assunto é susceptível de se transformar em notícia. Entramos assim nos meandros de “um conceito aberto” e “um processo” de difícil definição, sugere Cascais para quem “a notícia não é apenas a técnica mais eficaz e rápida de contar factos ao público; é decidir a realidade a que o público tem direito” [2].
O jornalista Paulo Pena escreveu recentemente um artigo de opinião na sequência de uma investigação que fez sobre as chamadas notícias falsas (fake news) e as reações que se seguiram ao tema. Se sempre foi difícil definir o que é a notícia, agora é o jornalismo que tem de se justificar. Do que escreveu Paulo Pena retenha-se: “Este tema definirá, no futuro, a forma da nossa democracia. Leiam as caixas de comentários (…). Vejam quantas mensagens anti-política lá estão, e de desconfiança nos media, e de ódio” [3]. E a complexidade da notícia e do não acontecimento, assumem contornos novos sobre os quais importa refletir.
Sem ser necessário fazer uma análise minuciosa podemos desde já identificar que a expressão fake news tem surgido em momentos quentes, nomeadamente no âmbito político [4]. Desde a eleição de Trump, passando pelo Brexit, pela crise catalã, pelas mais recentes eleições brasileiras não há dúvidas que para além da descrença na política e nos políticos «están asociadas con ideologías extremas, con la desconfianza hacia todos los sistemas y con aquellos que ganan cuando la organización social ajena se deteriora» (Cervera, 2018). Numa altura em que a discussão ainda vai no adro, há quem defenda que é urgente denunciar as fontes porém, tal como lembra Cervera este não pode ser o único alvo: “Empeñarnos en denunciar las fuentes contaminadas de nada servirá mientras millones quieran beber de esas aguas voluntariamente”, aludindo ao papel do receptor em todo este processo e o seu poder em não partilhar tudo o que lê, vê ou ouve: “No hay noticias falsas: lo que hay son usuarios indiferentes o, peor aún, cómplices”, vai mais longe o jornalista espanhol. E este é um aspeto basilar da sociedade contemporânea. A escassez de hábitos de leitura a qualquer nível, o gap de literacias, a não existência de uma educação para os media e a própria rapidez com que as redes sociais se impuseram no quotidiano das pessoas. “El problema no es que las noticias no sean auténticas, sino que a quien las recibe no le importa que lo sean” (Cervera, 2018) [5].
Fontcuberta apresentou uma tipologia do não acontecimento e que se divide em: notícias inventadas, falsas e especulativas [5] que importa agora recuperar. As falsas são identificadas como “notícias elaboradas com elementos apresentados como verdadeiros e que acabam por se verificar falsos, sendo posteriormente reconhecidos como tal. (…) O erro pode ser originado por uma informação insuficiente, uma interpretação incorrecta dos elementos (…) ou uma deliberada atitude de desinformação por parte do emissor ou das fontes da notícia”. Neste entendimento, o que realmente importa discutir não é se se deveria ou não fazer o trabalho de informar, esclarecer, desmentir, mas sim, compreender de que forma podemos todos combater, ignorar ou desmentir as práticas de desinformação que mais do que nunca urge desvendar [6].
Notas
[1] Park, Robert E., (2009), As notícias como uma forma de conhecimento: um capítulo na sociologia do conhecimento, in Esteves, J. P. (2009), Comunicação e Sociedade, Livros Horizonte. Original foi publicado em 1940, News as a form of knowledge: a chapter in the sociology of knowledge, The American Journal of Sociology, vol 45, nº 5.
[2] Fernando Casais no prefácio de Fontcuberta, M. de (1999). A notícia. Pistas para compreender o mundo. Lisboa: Editorial Notícias.
[3] Pena, Paulo (2018, Outubro 5 ). O jornalismo tem de explicar-se, as fake news nunca o farão. Diário de Notícias [online], Disponível em URL [Consultado em 6 de novembro de 2018]: <https://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/convidados/interior/o-jornalismo-tem-de-explicar-se-as-fake-news-nao-10131862.html>.
[4] Para uma melhor compreensão ler o artigo de opinião de Paulo Pena e no qual é feita uma breve contextualização: “Começou em meados de 2016, durante a campanha presidencial, quando Craig Silverman, editor do site Buzzfeed, reparou num estranho detalhe. Havia textos a circular nas redes sociais, construídos como se fossem notícias (…) falsas, replicadas como verdadeiras, e aceites por milhares (…). O Buzzfeed investigou a autoria destas mentiras e chegou a uma estranha conclusão: elas tinham sido criadas todas numa pequena cidade da Macedónia, na Europa, chamada Veles”.
[5] Cervera, J. (16 jan 2018), Contra la verdade, las noticias falsas no existen. Cuadernos de Periodistas. Nº 35. Asociación de la Prensa de Madrid, Disponível em URL [Consultado em 6 de novembro de 2018]: <http://www.cuadernosdeperiodistas. com/la-verdad-las-noticias-falsas-no-existen/>.
[6] Fontcuberta, Mar de (1999). A notícia. Pistas para compreender o mundo. Lisboa: Editorial Notícias.
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