“Laboratórios Vivos”: Locais de experimentação de inovações tecnológicas e de cocriação

Dimensão analítica: Ambiente, Espaço e Território

Título do artigo: “Laboratórios Vivos”: Locais de experimentação de inovações tecnológicas e de cocriação

Autora: Isabel Maria Fernandes da Silva Cruz

Filiação institucional: Faculdade de Letras da Universidade do Porto

E-mail: imsilvacruz@gmail.com

Palavras-chave: Laboratórios Vivos, inovações tecnológicas, cocriação.

Os desafios que hoje se colocam às cidades e às políticas locais na concretização da estratégia europeia para a economia de baixo carbono, tornam a questão da mobilidade sustentável e das cidades de baixo carbono numa das áreas prioritárias de acção e intervenção dos municípios. Fomentar o uso dos transportes públicos, da bicicleta e das deslocações a pé; promover transportes intermodais e o recurso ao carsharing e carpooling; incentivar o uso de veículos movidos a energias alternativas (zero emissões) e taxar / proibir a circulação de veículos de elevada emissão de CO2 são exemplos de medidas de política postas em prática em inúmeras cidades nacionais e estrangeiras. É no contexto dos “Laboratórios Vivos para a Descarbonização” (“Laboratórios Vivos”) que são testadas e experimentadas inovações tecnológicas que concretizam possibilidades de transições de sustentabilidade, rumo à cidade de baixo carbono.

O resultado destas medidas de política nem sempre é o esperado. As Teorias da Prática [1][2][3][4] enfatizam o hiato entre valores e práticas e a necessidade de atender ao contexto (cultural, político, entre outros) na análise dos comportamentos como fatores explicativos da ineficácia destas políticas. As práticas de consumo encontram-se associadas a rituais que se manifestam nas rotinas diárias. De acordo com Southerton e Yates [5], estas práticas devem ser analisadas enquanto ‘entidades’, já que constituem ações partilhadas imbuídas de sentido, inculcadas ao longo do processo de socialização. Um outro factor relevante da ineficácia das medidas de política prende-se com o fraco envolvimento das populações no processo de elaboração e implementação das mesmas. O ”fazer para” prevalece sobre o “fazer com” e a população só é chamada a participar no momento de experimentação / implementação, facto que se repercute quer ao nível da adopção das inovações tecnológicas, quer na consequente mudança de comportamento, tal como é evidenciado no Projecto GUST [6].

Os “Laboratórios Vivos” inserem-se no campo, mais vasto, das políticas de experimentação, correspondendo a formas de governança da sustentabilidade urbana que envolvem múltiplos actores no teste de soluções tecnológicas inovadoras, e visam responder às ameaças e desafios da sustentabilidade nos dias de hoje. Os “Laboratórios Vivos” são, simultaneamente, formas estratégicas de intervenção (governança) [7] [8], procedimento de inovação sociotécnica [6] e campos de experimentação e de aprendizagem, situados no tempo e no espaço físico [9]. É a coexistência, num mesmo espaço e tempo, do teste de inovações tecnológicas (gestão inteligente da mobilidade, sistema de partilha, apps, geração e armazenamento de energia, entre outros) e de processos de aprendizagem (novos conhecimentos, competências, normas, valores, modos de organizar) que torna os “Laboratórios Vivos” em campos empíricos privilegiados para a produção de conhecimento transdisciplinar. De facto, os “Laboratórios Vivos” pressupõem um processo (inter)activo de aquisição, produção e desenvolvimento de conhecimento e de competências baseado na compreensão lata do problema e na reflexividade sobre o mesmo, realizado por diferentes actores sociais [9]. Políticos, profissionais e investigadores de diversas áreas do saber e população envolvem-se em processos de cocriação, em torno de desafios associados às questões da mobilidade sustentável e das cidades de baixo carbono, com o objectivo de desenvolverem novas formas de pensar, de fazer e de organizar passíveis de serem replicadas noutros espaços urbanos. Não é uma tarefa fácil! Os estudos empíricos [6] [10] enfatizam, por um lado, os avanços neste domínio e, por outro, identificam os pontos críticos. Estes últimos prendem-se com o desenvolvimento de processos de cocriação e com as metodologias de avaliação de impacto dos “Laboratórios Vivos”. As verbas continuam a ser escassas e a maior fatia cabe à inovação tecnológica.

Em Portugal, é no âmbito do Fundo Ambiental [11] que os “Laboratórios Vivos” são desenvolvidos e financiados. Este programa abrange os municípios cuja população residente se situa entre os 50 mil e os 200 mil habitantes (Censos de 2011). Neste momento, estão em desenvolvimento doze “Laboratórios Vivos para a Descarbonização”, concretamente, nos municípios de Almada, Seixal, Águeda, Matosinhos, Figueira da Foz, Maia, Évora, Loulé, Mafra, Alenquer, Barcelos e Braga. O “Laboratório Vivo para a Descarbonização de Matosinhos” encontra-se numa fase de desenvolvimento mais avançada e já foi distinguido a nível nacional (Prémio Nacional de Projectos Inovadores na área da Eficiência de Recursos Ambientais) e internacional (Prémio Europeu de Promoção Empresarial – EEPA, na categoria “Apoio ao Desenvolvimento de Mercados Ecológicos e à Eficiência de Recursos”). A diversidade de inovações tecnológicas que estão a ser testadas em Matosinhos, nas diferentes áreas temáticas, Mobilidade/inteligência/conetividade, Energia/ambiente/inteligência/conetividade e Edifícios/inteligência/ conetividade, muito contribuíram para a obtenção destes prémios. Espera-se que o prolongamento deste projecto por mais dois anos, para além da fase experimental, possibilite a recolha de dados relevantes relativos às estratégicas de intervenção (governança), aos procedimentos de inovação sociotécnica e aos campos de experimentação e de aprendizagem (novas formas de pensar, de fazer e de organizar), e, assim, permita aprofundar o conhecimento ao nível do desenvolvimento de processos de cocriação e das metodologias de avaliação de impacto dos “Laboratórios Vivos”.

Notas

[1] Warde, Alan (2017), Consumption: a sociological analysis, London: Palgrave Macmillan Ltd. DOI: 10.1057/978-1-137-55682-0.

[2] Warde, Alan (2015), “The Sociology of Consumption: Its Recent Development”, Annual Review of Sociology, 41, pp. 117-134. DOI: 10.1146/annurev-soc-071913-043208

[3] Halkier, Bente; Katz-Gerro, Tally; Martens, Lydia (2011), “Applying practice theory to the study of consumption: theoretical and methodological considerations”, Journal of Consumer Culture, 11 (1), pp. 3–13.

[4] Spaargaren, Gert (2011), “Theories of practices: Agency, technology, and culture: Exploring the relevance of practice theories for the governance of sustainable consumption practices in the new world-order”, Global Environmental Change, 21 (3), pp. 813-822.

[5] Southerton, Dale; Yates, Luck (2015), “Exploring food waste through the lens of social practice theories: some reflections on eating as a compound practice”, In Ekstrom, Karin (Ed.) – Waste Management and Sustainable Consumption: Reflections on Consumer Waste, London: Routledge, pp. 133-149.

[6] Bulkeley, Harriet et al. (2015), Theoretical Framework. Working Paper on Urban Living Labs and Urban Sustainability Transitions, Deliverable 1.1.1, Governance of Urban Sustainability Transitions (GUST), Sweden: Lund. www.urbanlivinglabs.net

[7] McGuirk, Pauline (2004), “State, strategy, and scale in the competitive city: a neo-Gramscian analysis of the governance of ‘global Sydney’”, Environment and planning A, 36(6), pp. 1019-1043.

[8] Nevens, F. et al. (2013), “Urban Transition Labs: co-creating transformative action for sustainable cities”, Journal of Cleaner Production, 50(1), pp. 111–22.

[9] van den Bosch, Suzanne; Rotmans, Jan (2008), Deepening, Broadening and Scaling up: A framework for Steering Transition Experiments, Essay 2, Knowledge Centre for Sustainable System Innovations and Transitions (KCT), Delft/Rotterdam.

[10] GLA Low Carbon Zones summary report (PDF, 851KB)

[11] Decreto-Lei n.º 42-A/2016, de 12 de agosto, que entrou em vigor no dia 01 de janeiro de 2017.

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