Turismo em Lisboa e no Porto: não há bem que sempre dure, nem mal que nunca acabe…

Dimensão analítica: Ambiente, Espaço e Território

Título do artigo: Turismo em Lisboa e no Porto: não há bem que sempre dure, nem mal que nunca acabe…

Autora: Sandra C. A. Moreira

Filiação institucional: Professora e estudante de mestrado

E-mail: scamoreira@gmail.com

Palavras-chave: Turismo, Turistificação, Gentrificação.

O Turismo tem um peso importante na economia do país. No entanto, este cenário não é fruto do mero acaso. Na realidade, em Portugal, desde muito cedo houve quem se apercebesse do potencial do país, e agisse para que este fosse reconhecido internacionalmente. Assim, a 16 de maio de 1911, Portugal era o terceiro país no mundo a criar uma organização oficial de turismo, durante a realização do IV Congresso Internacional de Turismo, que decorreu em Lisboa, entre 12 e 20 de maio, do mesmo ano. Todavia, o crescimento do setor esteve sempre intimamente dependente do desenvolvimento da rede de transportes e acessibilidades que à data eram ainda bastante deficientes no país. No século XX, em Portugal, à medida que estas se desenvolvem, associadas a fatores, dos quais destacamos, a conquista de direitos sociais, marketing territorial, desenvolvimento tecnológico, conjuntura política e socioeconómica do país e mundial, entre outros, assistimos a um crescimento contínuo do setor que se prolonga no início do século XXI [1].

Durante muito tempo, o turismo em Portugal concentrou-se nas áreas balneares, e era um fenómeno sazonal com pico no verão. No caso de Portugal continental, a área preferencial era o Algarve. Mas recentemente, dá-se um acréscimo da procura, e assistimos a um grande crescimento do turismo urbano, com incidência nas cidades de Lisboa e do Porto, imprimindo sobre ambos os territórios uma pressão que coloca em causa a sustentabilidade do fenómeno e das cidades. Uma série de processos que já estavam em marcha, e que se tornaram mais visíveis à medida que a regeneração urbana era implementada, são agora acelerados e agravados pela turistificação, nomeadamente pela crescente procura de alojamento local pelos visitantes [2][3]. Entre os vários processos, destacamos a gentrificação, onde assistimos à expulsão da população pobre de um local, que passa a ser ocupado por uma classe com rendimentos mais elevados [4]. Porque é que isto é importante?

Se entendermos o território como “um repositório de valores diferenciados de cujo cruzamento resultam as paisagens como unidades geográficas, biofísicas, culturais, visuais e ecológicas, com identidades e valores próprios” [5] apercebemo-nos que estamos perante um recurso limitado, com uma capacidade de carga específica, e que carece de ser salvaguardado, em nome da sustentabilidade. Do ponto de vista jurídico é reconhecido como tal, na Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solos, de Ordenamento do Território e de Urbanismo, Lei nº 31/2014 de 30 de maio, nomeadamente nos princípios que a assistem. Entre eles destacamos os da solidariedade intra e intergeracional, e o da responsabilidade. No primeiro, sublinha-se a necessidade de utilizarmos o território sem pôr em causa a qualidade de vida das gerações presentes e futuras, no segundo o dever de compensarmos ou repormos danos no seu património natural, cultural e paisagístico [6].

No documento “Estratégia Turismo 2027: liderar o turismo do futuro” que pretende afirmar-se como um referencial estratégico para o Turismo entre o período de 2017-2027, apesar de nele se afirmar, várias vezes, um comprometimento com a sustentabilidade, a coesão territorial e social, e a valorização das pessoas, entre outros, não se percebe como se vai operacionalizar a solução para este processo, a gentrificação, que é simultaneamente um problema. Neste documento são apresentados vários desafios. A descrição do oitavo, a sustentabilidade, é clara: “Assegurar a preservação e a valorização económica sustentável do património cultural e natural e da identidade local, enquanto ativo estratégico, bem como a compatibilização desta atividade com a permanência da comunidade local.” [7]

Não podemos esquecer que enquanto processo, a gentrificação implica modificações nas dinâmicas do local, introduz alterações importantes que alteram as suas caraterísticas e identidade cultural. A especulação imobiliária de que são alvo os edifícios dos territórios após a reabilitação urbana, e no caso específico do turismo, o aumento do custo de vida que se verifica em alguns locais, na sequência da procura turística, tornam muito difícil a permanência dos residentes no local. Corre-se, assim, o risco da criação de fenómenos de exclusão e segregação social [4]. Logo, o território sofre alterações, que podem torna-lo irreconhecível, e ao sofrê-las a sua sustentabilidade é colocada em causa. Além disso, e utilizando as palavras da investigadora Vera Gouveia Barros [1] convém lembrar que no turismo “as expetativas têm um papel especial”. Dito doutra forma, uma vez goradas, podem implicar a perda de futuras receitas por falta de fidelização do turista, ou por perda daquilo que nos tornava diferentes da concorrência.

Notas

[1] Barros, V. G. (2015), Turismo em Portugal, 1ª ed., Lisboa: FFMS (Fundação Francisco Manuel dos Santos).

[2] Vieira, A., Botelho, C., Braga, J., Guterres, A. B., Duarte, L., Gago, L. & Mendes, L. (2016), Quem vai poder morar em Lisboa? Da gentrificação e do turismo à subida no preço da habitação: causas, consequências e propostas, Conferência Trienal de Lisboa, Lisboa, pp. 1-9.

[3] Pereira, M. (2017), As transformações urbanas nos últimos doze anos no centro histórico de Vila Nova de Gaia – continuidade territorial com o centro histórico do Porto e desafios patrimoniais no processo de turistificação, Cidades, Comunidades e Territórios, 35, pp. 89-107.

[4] Valença, M. M. (2016), Gentrificação, In Fernandes, José A.; Trigal, Lorenzo L.; Sposito, Eliseu S. (Ed.) – Dicionário de Geografia Aplicada, 1ª ed., Porto: Porto Editora.

[5] Fadigas, L. (2011), Fundamentos Ambientais do Ordenamento do Território e da Paisagem, 2ª ed., Lisboa: Edições Sílabo.

[6] Assembleia da República (2014), Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solos, de Ordenamento do Território e de Urbanismo, Lei nº 31/2014 de 30 de maio, Diário da República, 1.ª série — N.º 104, pp. 2988-3003

[7] Araújo, L. (2017), Estratégia Turismo 2027: liderar o turismo do futuro, Turismo de Portugal, disponível em URL [consultado e 2018/07/08]: http://www.turismodeportugal.pt/SiteCollectionDocuments/estrategia/estrategia-turismo-2027.pdf

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