Ecoconsciencialização das cidades: uma emergência global

Dimensão analítica: Ambiente, Espaço e Território

Título do artigo: Ecoconsciencialização das cidades: uma emergência global

Autor: Diogo Guedes Vidal

Filiação institucional: FP-ENAS | Unidade de Investigação UFP em Energia, Ambiente e Saúde

E-mail: diogovidal@ufp.edu.pt

Palavras-chave: cidade, ecologia, ambiente.

As cidades estão hoje muito longe da dicotomia urbano/rural. Se recuarmos na história portuguesa, o êxodo rural, que ganhou expressão nos anos 50 e 60 do século XX, desembocou um conjunto de alterações sociais, urbanas e ambientais nas principais cidades (i.e., Regiões do Porto e Lisboa).

As lógicas de ruralidade destes indivíduos depressa deram lugar a dinâmicas características do modo de vida urbano [1]. A pressão sobre o ambiente começara a ser sentida pela sobrelotação de complexos habitacionais insalubres, onde o escoamento de águas e dos resíduos sanitários era realizado junto das casas ou num espaço que não tinha esse fim. A produção de resíduos urbanos dispara fruto da emergência de uma sociedade de consumo que não contempla a finitude dos recursos [2]. A atual fluidez do consumo, a “liquidez” das relações humanas, a descartabilidade e a substituibilidade do material concorrem para o panorama de insustentabilidade. A “modernidade líquida” [3] é a era da privatização e da individualização, desvinculando os indivíduos das suas estruturas basilares – família, grupos de amigos, coletividades –, desencorajando o sentimento de pertença e de comunidade, esvaziando os espaços públicos, outrora de socialização e de construção de identidade.

As cidades de hoje albergam cerca de 54 % da população mundial, valor que se espera que venha a aumentar para 66 % até 2050 [4], o que potenciará um aumento da pressão antropogénica sobre o ambiente e, consequentemente, um aumento de patologias associadas a esta exposição. Perante esta realidade, a necessidade de se adotarem medidas a curto prazo assume-se como primordial, cabendo à academia fornecer conhecimento científico para o desenho de políticas publicais locais eficazes. Os espaços urbanos distinguem-se dos demais pelo seu elevado grau de urbanização, pela elevada densidade populacional e do edificado, pelo fator industrial e pela intensidade de tráfego que, reunidos, contribuem para que os mesmos sejam palco dos mais elevados índices de poluição atmosférica [5], comprometendo a qualidade do ar. A amplitude desta problemática reside ainda no fator saúde, pelo facto de que a elevada verticalidade do edificado e a sua condensação (streets canions) [6;7], o ajuntamento populacional e a exposição inevitável ao ar conduzem, principalmente, ao aumento de patologias do foro respiratório [8].

O estado ambiental dos territórios descreve a forma como vivemos. A produção de resíduos urbanos, o destino que lhes damos e o consumo de combustíveis refletem as práticas quotidianas das quais não nos conseguimos desligar. A Figura 1 espelha a evolução da venda de combustíveis para consumo desde 1990 até 2016. O gasóleo rodoviário é o que mais se destaca pelo aumento substancial a partir da década de 2000, sendo que a combustão de energia fóssil (i.e., diesel) emite vários poluentes para o ar nocivos para a saúde humana e para o ambiente.

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Figura 1 – Total de Venda de Combustíveis para Consumo (t)

Fonte: PORDATA

 

Se olharmos para os dados europeus, os óxidos de azoto (NOx) são responsáveis, a par do material particulado, por cerca de 10 % das mortes prematuras [9], sendo as principais fontes emissoras o tráfego rodoviário, a produção de energia e a agricultura [7;8]. A par do consumo de combustíveis, a produção de resíduos urbanos acompanha o aumento populacional. Espelho da sociedade de consumo, a Figura 2 demonstra as atitudes dos portugueses face ao ambiente em matéria de destino dos resíduos urbanos, no período 1991-2016. É visível que, apesar dos avanços efetivos da educação ambiental e de uma ecoconsciencialização por parte das gerações mais jovens [10], o principal destino dos resíduos é a recolha indiferenciada. Os principais problemas deste destino são os processos industriais pelos quais os resíduos passam, altamente poluentes e nocivos para o ambiente (emissões de poluentes atmosféricos para o ar).

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Figura 2 – Resíduos Urbanos por Tipo de Recolha (t)

Fonte: PORDATA

O breve exercício que aqui se procurou fazer teve como principal objetivo demonstrar que a forma como vivemos não se coaduna com a urgência em salvaguardar os recursos ambientais que nos restam. Nesta medida, é importante que se procure ecoconsciencializar os territórios, através de práticas de educação ambiental mais próximas das populações, apresentando alternativas a práticas enraizadas e organizando esforços coletivos de promoção de uma cidadania mais ativa e participativa. Só há mudança quando existe uma identificação com o seu sentido.

Agradecimentos:

FP-ENAS (UID/Multi/4546) é uma unidade de I&D financiada pela FCT – Fundação para a Ciência e Tecnologia, I.P.

Notas:

[1] Wirth, L. (2001[1938]), O urbanismo como modo de vida, In Fortuna, Carlos (org) – Cidade, cultura e globalização: ensaios de sociologia. Oeiras: Celta Editora, pp. 45-6.

[2] Oliveira, G. M. & Archer, A. B. (2015), Ambiente e Desenvolvimento Sustentável: Educação para a Ética e Cidadania, Sensos IO – Revista do Centro de Investigação e Inovação em Educação, 5 (2), pp. 185-200.

[3] Bauman, Z. (2001), Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.

[4] United Nations, Department of Economic and Social Affairs, Population Division (2014),World Urbanization Prospects: The 2014 Revision. Highlights ST/ESA/SER.A/352.

[5] Kotter, T & Friesecke, F. (2011), Developing urban indicators for managing mega cities. University of Bonn: Department of Urban Planning and Real Estate Management, Institute of Geodesy and Geoinformation.

[6] Fontes, T., Barros, N. & Manso, C. (2016), Impact of air pollution in urban areas: guidelines to buy or rent a more healthful home. International Conference in Urbans Risks. Lisboa: CERU – European Centre in Urbans Risks.

[7] Watts, N., Adger, W. N., Ayeb-Karlsson, S., Yuqi, B., Byass, P., Campbell-Lendrum, D., et al. (2017), The Lancet Countdown: tracking progress on health and climate change,The Lancet, 389, pp. 1151-1164.

[8] Levieveld, J., Evans, J. S., Fnais, M., Giannadaki, D. & Pozzer, A. (2015), The contribution of outdoor air pollution sources to premature mortality on a global scale, Nature, 525, pp. 367-371.

9] Anenberg, S. C., Miller, J., Minjares, R.,  Du, L., Henze, D. K, Lacey, F., et al. (2017),  Impacts and mitigation of excess diesel-related NOx emissions in 11 major vehicle markets, Nature, 545, pp. 467-471.

[10] Schmidt, L., Truniger, M. & Guerra, J. (2016),Primeiro Grande Inquérito sobre Sustentabilidade – Relatório Final. Lisboa: Observa/ICS-UL.

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