Cidadania e vida em comunidade através da tecnologia: o caso do Juntar a Junta

Dimensão analítica: Cidadania, Desigualdades e Participação Social

Título do artigo: Cidadania e vida em comunidade através da tecnologia: o caso do Juntar a Junta

Autor: Marcos da Silva Lima

Filiação institucional: Universidade do Minho

E-mail: marcosdslima@gmail.com

Palavras-chave: tecnologia, cidadania, poder público, comunidades virtuais.

No final de 2017 descobri a existência de uma aplicação para telemóveis chamada Junta a Junta. A principal ferramenta da aplicação, criada para uso em Portugal, consiste num software que permite aos usuários cadastrados fazerem fotografias de problemas ou sugestões e informá-los aos respectivos e às respectivas presidentes das juntas de freguesia de onde as fotografias são feitas. Pelo que parece, e pelo que o próprio site da aplicação diz, a ideia aqui é criar comunidades unidas e proativas na gestão do interesse público, numa tentativa de apagar a ideia de que a participação popular na vida política somente se dá a cada quatro anos, nas eleições.

De acordo com Silva (2013), a qualidade de cidadão é dada pelo exercício da cidadania e esta se dá não apenas pela existência legal de direitos, mas pela luta constante em favor de seu respeito e contra sua violação, seja individualmente ou em comunidade. Neste sentido, percebe-se que o Juntar a Junta, de alguma maneira, favorece os indivíduos e as comunidades em suas formações cidadãs, visto que ele estabelece um canal direto de comunicação e reivindicação de direitos para o indivíduo e permite a participação da comunidade nestas ações individuais. Um exemplo disto está em uma intervenção encontrada na aplicação móvel, onde um cidadão residente em uma determinada freguesia solicita a colocação de duas passadeiras em um determinado trecho da via pública, visto que, segundo ele, este trecho é de grande circulação de veículos e pessoas, além de haver uma escola nas proximidades.

A aplicação também estimula a aproximação entre cidadãos e cidadãs e o poder público através de inquéritos de opinião com as pessoas cadastradas na plataforma. Se uma junta decide, por exemplo, fazer uso de um espaço inutilizado, pode questionar às pessoas cadastradas se elas preferem que seja, a título de exemplo, instalado um parque infantil ou plantado um jardim. Ações como estas, possibilitadas por plataformas digitais, vão ao encontro do que é chamado por Mulgan (2006) de valor público e e-governo, que se baseiam na geração de valor pela inciativa pública aos cidadãos através de resultados, serviços e confiança, tendo como meio de alcance destes três elementos a utilização de aplicações eletrônicas.

A proposta de funcionamento do Juntar a Junta se enquadra perfeitamente no conceito de comunidades virtuais de Rheingold (apud Castells, 2002,p.467), retratadas como “uma nova forma de comunidade, levando pessoas a unir-se, online, em torno de valores e interesses partilhados”. São pessoas distantes fisicamente, mas que se conectam pela tela de um telemóvel ao visualizarem seus interesses coletivos, através de intervenções individuais, dentro de uma comunidade virtual. Pessoas que nunca estiveram juntas fisicamente e que podem juntar-se virtualmente na luta por um interesse comum, tendo como ferramenta um dispositivo tecnológico. Esta nova realidade de engajamento coletivo caminha ao lado da ideia de que a tecnologia potencializa as organizações sociais em forma de rede, capazes de atravessar fronteiras. (Castells, 2006).

Entretanto, a comunidade formada pelo sistema Juntar a Junta apresenta as mesmas questões que qualquer outra comunidade virtual. As comunidades virtuais não são integralmente verdadeiras comunidades, visto que não possuem as interações próprias das comunidades físicas e seus laços de estreitamento por vezes não é forte o suficiente para sustentá-las (Castells, 2002). O Juntar a Junta apresenta fortes elementos daquilo que Wellman (apud Castells, 2002) define como uma rede virtual, dentre eles: transcende a distância, tem baixo custo e permite receber múltiplos membros em comunidades parciais. Apesar destas qualidades, o sistema ainda não consegue romper uma barreira importante e que é própria de comunidades virtuais: a diferença de gerações.

Segundo o administrador da aplicação, a esmagadora maioria de aderentes ao sistema são jovens e adultos até os 35 anos e que praticamente não há pessoas idosas cadastradas na plataforma. Esta realidade é apontada por Castells (2006,p.32) quando ele afirma que “nas sociedades em transição as divisões entre quem usa e quem não usa tecnologias, como a Internet, são mais fortes e tendem a tornar, ainda mais, o seu uso dependente da geração a que se pertence: quanto mais jovens, maior a utilização (…)”. Este cenário mostra que, ainda que as inovações tecnológicas provem sua importância ao trazer novas capacidades aos indivíduos e levar estas capacidades ao encontro das necessidades humanas (Mitchell, 2006), há um vazio a preencher no que tange as pessoas que, por razões diversas, não são agraciadas com tais benesses tecnológicas, a exemplo dos idosos no caso em questão.

O Juntar a Junta é um bom exemplo prático da ideia de Castells (2002) de que a internet é capaz de contribuir para expansão de vínculos sociais numa época de individualização e desresponsabilização cívica. À primeira vista, a aplicação aproxima as pessoas entre si, ainda que de maneira superficial, e as aproxima do poder público. Contudo, pelos problemas já citados, acaba por promover a cidadania e a integração para um grupo pequeno de pessoas.

Referências:

Castells, M. (2006). A sociedade em rede: do conhecimento à política. In M. Castells & G. Cardoso (Eds.), A sociedade em rede: do conhecimento à acção política. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda.

Castells, M. (2002). A era da informação: economia, sociedade e cultura (Vol. 1). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

Juntar a Junta. Disponível em http://juntarajunta.pt/

Mitchell, W. (2006). e-topia: tecnologias de informação e comunicação e a transformação da vida urbana. In M. Castells & G. Cardoso (Eds.), A sociedade em rede: do conhecimento à acção política. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda.

Mulgan, G. (2006). Moldar de novo o Estado e a sua relação com os cidadãos: o potencial das tecnologias de comunicação e informação no curto, médio e longo prazo. In M. Castells & G. Cardoso (Eds.), A sociedade em rede: do conhecimento à acção política. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda.

Silva, F. C. da. (2013). Cidadania. In P. Cardoso, José Luís, Magalhães, Pedro & José Machado (Eds.), Portugal social de A a Z: temas em aberto. Paço de Arcos: Expresso.

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