Dimensão analítica: Ambiente, Espaço e Território
Título do artigo: Incêndios Florestais e a Gestão dos Espaços Rústicos
Autor: Alexandre Fonseca do Couto
Filiação institucional: Engenheiro de Gestão e Ordenamento Rural
E-mail: alexandre.batalha@gmail.com
Palavras-chave: Incêndios, Políticas, Planeamento.
Os incêndios florestais são fenómenos naturais cíclicos, próprios da natureza, que, do ponto de vista sistémico, contribuem para a germinação de sementes adormecidas através do calor do fogo. Nas últimas décadas, assistimos ao escalar de fogos florestais com intensidade crescente e muitos, senão quase todos, fora do ciclo natural referido.
O êxodo rural pelo qual passou o país, na década de 70 constituiu o princípio do abandono do setor primário, pelas populações rurais, na procura de melhores condições de vida, nos outros setores de atividade que se encontravam nas cidades do litoral. Os que ficaram nas aldeias continuaram a produzir e a viver de uma agricultura familiar.
Nos campos abandonados começam a crescer ervas e matos que quebram os ciclos vegetativos das culturas que existiam e os respetivos mosaicos agrícolas, que protegiam as aldeias. Desta forma, desenvolvem-se continuidades florestais que colocam em causa pessoas e bens.
Para além do abandono dos campos agrícolas, muitas outras áreas foram abandonadas, como pinhais e eucaliptais. Na sua maioria, são visitadas, periodicamente, pelos proprietários, pois oferecem um rendimento complementar. Contudo, estes não se preocupam com as operações silvícolas, limitam-se a aguardar pela altura do corte para limpar os terrenos e voltar a florestar. São estas parcelas que juntamente com as áreas agrícolas abandonadas, ou florestadas, e deixadas ao abandono, que aumentam a continuidade florestal, e o perigo de incêndio, associado ao elevado risco das matérias combustíveis entrarem em ignição.
Os proprietários de prédios rústicos aperceberam-se que a monocultura do eucalipto é mais rentável, e, consequentemente, menos dispendiosa do que a do pinheiro bravo, espécie muito presente no território antes da invasão do eucalipto, e começaram a substituir as suas plantações por eucalipto. De norte a sul, especialmente no interior do país, mas também em algumas faixas do litoral, o território deixa de ter um mosaico agrícola, em função da substituição das hortas, vinhas e pomares, por esta espécie florestal, que passa a representar um complemento efetivo ao rendimento familiar.
Com menos pessoas nos campos, há menos atividade agrícola, menos limpeza de matos nos pinhais e nos eucaliptais, logo menos vigilância. Antigamente, para além de todas as parcelas estarem praticamente cultivadas, o mato era colhido para a cama e alimentação dos animais. Hoje, invade os campos e poucos são os proprietários que têm a preocupação de limpar as suas propriedades.
As políticas florestais de âmbito setorial emanam diretrizes que, na minha opinião, não vão de encontro ao ordenamento/planeamento dos espaços rústicos/florestais. O ordenamento/planeamento dos espaços rústicos, e, em especial, dos silvestres, carece de estudo e normalização que existe na teoria. Mas são poucos os exemplos que se observam na prática, com exceção das zonas florestadas pela indústria da celulose e até há bem pouco tempo das matas nacionais. Ou seja, há uma preocupação em colmatar o abandono da agricultura com a ocupação desses mesmos solos com espécies florestais ou vice-versa, ao abrigo de financiamentos comunitários.
Contudo, também como referido, anteriormente, as políticas comunitárias vertidas para o ordenamento jurídico nacional, apoiam as plantações de espécies florestais nos terrenos com maior aptidão agrícola, que se encontram quase sempre próximos de infraestruturas ou aglomerados urbanos. Desta forma, aparece a floresta dentro dos perímetros urbanos, com a agravante, quase sempre, da falta de acompanhamento silvícola.
Neste sentido, a Política Agrícola Comum (PAC) foi orientadora dos agricultores portugueses que se gerem sempre em função dos subsídios provenientes das medidas abertas através dos vários programas comunitários. Não houve, nem há, até à data, uma integração das Políticas Florestais Setoriais nos PDM, que normalizem a ocupação do solo, logo, não é possível aos municípios acautelarem as áreas com maior risco de incêndio. Não obstante, nos últimos anos, terem sido criados Gabinetes Técnico Florestais (GTF), nas autarquias, nem sempre foi/é fácil trabalhar devido à falta de técnicos e de cartografia atualizada.
A elaboração dos Planos Municipais de Defesa da Floresta Contra Incêndios carece dessa informação de base, pois são estes planos que indicam entre outras informações, a carta de risco de incêndio florestal e a carta de perigosidade. Se estes planos fossem seguidos à risca, certamente o número de incêndios florestais seria bem menor.
Começa a haver uma nova dinâmica no planeamento, com a integração dos Planos referidos anteriormente nos Planos Diretores Municipais (PDM). Embora haja alguma relutância técnica, penso estar dado o primeiro passo. Noto, contudo, que não houve interesse político nesta matéria, visto que até à presente data, os incêndios eram circunscritos a um período temporal, e após o mesmo tudo ficava bem até ao próximo ano.
Acontece que este ano morreram muitas pessoas e perderam-se muitos bens, pelo que a atenção nacional colocou a classe política debaixo de “fogo”. Apercebendo-se dessa realidade, apostaram tudo numa corrida contra o tempo para precaver outra catástrofe dessa dimensão, mas esquecem-se que o ano civil nada tem a haver com o ano agrícola.
Apercebendo-se dessa realidade, emanaram para os municípios a responsabilidade de limpeza das faixas de gestão de combustível num tempo recorde, pois se algo correr mal, a culpa já não recai no governo. Devo reforçar que, enquanto não tivermos um cadastro geométrico da propriedade rústica concluído, dificilmente podemos avançar com políticas de planeamento agrícola. Consequentemente, enquanto o combate direto ao fogo for mais importante do que a silvicultura preventiva, teremos de nos habituar a estas calamidades.
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