Dimensão analítica: Cidadania, Desigualdades e Participação Social
Título do artigo: O futsal é um veículo de mobilidade social ascendente?
Autora: Vanessa Claro
Filiação institucional: Faculdade de Letras da Universidade do Porto
E-mail: vanessarmclaro@gmail.com
Palavras-chave: desigualdade, mobilidade e futsal.
Vivemos num contexto marcado por amplas desigualdades sociais. No âmbito de uma dissertação de mestrado, investigámos se a prática desportiva, nomeadamente, o futsal, pode proporcionar processos de mobilidade social ascendente. Nessa pesquisa, ficamos a conhecer as histórias de vida de seis jogadores de futsal portugueses. Os resultados, embora não possam ser generalizáveis, revelam-nos, de alguma forma, que esta questão é um tanto ou quanto controversa.
Existe uma relação de dependência entre mobilidade social e desigualdade social, uma vez que, se não existisse a desigualdade, não subsistiria qualquer fenómeno de mobilidade social vertical, que consiste numa alteração de classe social que pode ocorrer de forma ascendente (passar de uma classe baixa para uma classe superior) ou de forma descendente (passar de uma classe alta para uma outra inferior), uma vez que, todos os indivíduos pertenceriam à mesma classe social, e acontecendo isso, poderíamos então estar perante processos de mobilidade horizontal, que se refere à mudança de estatuto, mas não de classe ou estrato social. Perante um fenómeno como o da desigualdade social, muitos indivíduos lutam por oportunidades que lhes possibilitem alcançar uma situação socioeconómica mais favorável, e um dos principais fatores que, muitas vezes, não possibilita essas mesmas oportunidades de ascensão é o seu baixo nível de escolaridade. O conjunto de entrevistas realizado aos seis jogadores de futsal permitiu perceber que o caminho de ascensão social pode ser mais dificultado pela reduzida aposta na escolaridade, pois para estes entrevistados a escola tornou-se secundária. Este conjunto de entrevistados revela que prescindiu da escola a favor da aposta no futsal, uma decisão que alguns agora reconhecem não ter sido a melhor escolha.
Sendo que este artigo de opinião de baseia nos resultados de uma investigação intensiva, as conclusões que aqui expomos permitem-nos perceber de que forma este nível micro de análise (os seis entrevistados), se manifesta num contexto macro ainda por descobrir na sua generalidade (todos os jogadores de futsal), uma vez que o campo do futsal é uma realidade pouco explorada pela sociologia portuguesa. No estudo em questão, foi abordado um conjunto muito reduzido de praticantes da modalidade, e neste sentido, para chegarmos a conclusões mais concretas, seria importante explorar essa possibilidade de mobilidade ascendente junto desse conjunto macro.
Na investigação efectuada foram comparados e explorados posicionamentos distintos perante a modalidade: profissional, semiprofissional e amador. Na perspetiva dos dois profissionais que entrevistámos, constatamos que o fenómeno da mobilidade ascendente foi possível através do futsal, uma vez que estes jogadores outrora se depararam com uma situação socioeconómica desfavorecida. Estes jogadores são provenientes de bairros sociais problemáticos e que poucas oportunidades lhes ofereciam. Como diz Nunes (2007), é muito comum o jovem abandonar a escola para se dedicar exclusivamente ao desporto, com o consentimento da própria família, que vê muitas vezes esta situação como um risco para benefício próprio e que se perde nesse egoísmo de encontrar nos sonhos dos filhos a solução para os seus problemas, ou seja, esta procura de alcançar mobilidade social ascendente “desenvolve o egoísmo dos pequenos grupos e das famílias, desvia da luta colectiva e incita à competição individual por um lugar ao sol, o que contraria a formação da consciência de classe. A esperança de que os filhos possam atingir as posições que se foi incapaz de alcançar é dos sentimentos mais difundidos nas sociedades pós-industriais” (citado por Grácio, 1997: 51).
Desta forma, no caso destes dois jogadores profissionais, aquilo que se verificou é que foi possível ascender socialmente através da modalidade. A aposta no futsal proporcionou-lhes uma via alternativa à realidade do contexto do bairro social e de uma vida socioeconómica limitada. Apesar destes dois casos de sucesso, importa salientar que se trata de uma modalidade ainda em crescimento e cujos níveis de investimento ainda não são os mais favoráveis a que se torne possível que essa mobilidade possa ser experimentada por todos os praticantes da modalidade. Não nos podemos esquecer que estamos perante dois casos em que o contexto em que atuam não é o português, mas sim o espanhol, e em Espanha a modalidade é mais profissionalizada e desenvolvida.
Nos percursos dos restantes entrevistados verificaram-se processos de mobilidade distintos dos dois jogadores retratados anteriormente. O futsal é uma modalidade da qual não resultam ganhos económicos avultados. Assim, a ideia do “viver bem socioeconomicamente através do futsal”, não se concretiza no imediato, nem é um fenómeno recorrente. A profissionalização do jogador de futsal é um passo importante na sua carreira, e que pode garantir-lhe, num período temporal pós-futsal, a permanência num estrato social superior ao da sua chegada a este campo. Se tal não acontecer, o jogador de futsal poderá retornar àquela que era a sua classe social anterior, uma vez que, se tal sucedesse, estaríamos perante um processo invertido em que de mobilidade social ascendente, passaria a mobilidade social descendente. Há um conjunto de indicadores que apontam que esse “possível” poderá estar ainda um pouco distante da nossa realidade e sobretudo da realidade dos entrevistados em questão. Esses indicadores são a baixa escolaridade que os mesmos apresentam. Se a literatura indica que a escolaridade é uma das maiores vias de mobilidade ascendente, assim que termine o tempo de utilidade do jogador de futsal que ainda não tenha alcançado essa mobilidade, qual será a probabilidade de ascender socialmente por via do futsal? Se estamos perante jogadores que têm outra atividade profissional para além da modalidade, até que ponto é possível viver só desta atividade desportiva? Se são jogadores a atuar em Portugal, quais as oportunidades que lhes são dadas para que tal seja possível? É para estas perguntas que devemos procurar dar respostas. A verdade é que esta talvez seja ainda uma ideia ilusória a pairar sobre aqueles que olham para casos como é o exemplo do Ricardinho, que é considerado o melhor jogador do mundo desta modalidade, e que deve ser analisado como a exceção, e não como a regra. Trata-se de alguém que teve de procurar a solução para a sua situação fora do nosso país, onde o futsal ainda não é uma modalidade reconhecida, em termos de prestígio, valor e investimento.
Bibliografia
Grácio, S. (1997), “A mobilidade social revisitada”, Sociologia Problemas e Práticas, nº 24, pp. 45-69.
Nunes, J. S. (2007), Culturas Adeptas do Futebol. O espaço plural da condição adepta: práticas e identidades (policopiado), Dissertação de Doutoramento (346 pp.), Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 2007.
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