Cidadania em Transição: concepções de agência política face ao ambiente

Dimensão analítica: Condições e Estilos de Vida

Título do artigo: Cidadania em Transição: concepções de agência política face ao ambiente

Autora: Anabela Carvalho

Filiação institucional: Universidade do Minho

E-mail: carvalho@ics.uminho.pt

Palavras-chave: Compolis, Questões ambientais, Participação cívica

COMPOLIS – Comunicação e Envolvimento Político com Questões Ambientais é o título de um projecto de investigação que visa compreender a relação entre comunicação e cidadania ambiental. Mais especificamente, interessa-nos perceber como é que as alterações climáticas e outros problemas ambientais são analisados no discurso político, no discurso dos media e no discurso de movimentos cívicos, e o espaço que é dado aos cidadãos nesses debates.

Muitas vezes os problemas ambientais são formulados como questões técnicas, a serem ‘resolvidos’ com soluções técnicas e/ou medidas político-administrativas, ficando os cidadãos excluídos do processo de identificação, reflexão e decisão relativamente aos vários futuros possíveis que diferentes respostas às alterações climáticas podem gerar. É precisamente esta abordagem tecnocrática que temos encontrado nos processos políticos que analisámos relativamente a alterações climáticas e algumas questões energéticas. Mesmo com a realização de consultas públicas (que são uma obrigação legal), as questões são apresentadas de forma hermética e a participação dos cidadãos é dificultada por várias barreiras no acesso à informação, pelo facto da divulgação das consultas públicas ser muito limitada, pela linguagem excessivamente técnica da documentação, e por vários outros factores. Os poucos cidadãos e organizações cívicas que mesmo assim participam nestes processos vêem depois os seus contributos ser em grande parte suprimidos dos relatórios de consulta pública e, exceptuando ajustamentos muito pontuais, não terem repercussões nas decisões finais por parte do Estado.

Nas entrevistas que realizámos, os cidadãos expressaram, na generalidade, um elevado nível de desconfiança e suspeição em relação aos processos de consulta pública e consideraram que o seu papel nos processos de tomada de decisão é diminuto. Tais percepções não são motivadoras de participação nos (poucos) processos em que o Estado abre espaço aos cidadãos através do mecanismo da consulta pública.

Procurando formas alternativas de conceber as questões ambientais e o lugar do cidadão, focámo-nos sobre o movimento de Transição e efectuámos um conjunto alargado de entrevistas com fundadores e dinamizadores de iniciativas em todo o país (de Braga a S. Brás de Alportel, incluindo a Madeira), bem como estudos de caso aprofundados junto de algumas iniciativas. A Transição é um movimento internacional (http://www.transitionnetwork.org/) que define a questão das alterações climáticas e outros desafios de sustentabilidade como algo a ser tratado a nível local e com a participação de todos os cidadãos. Põe uma grande ênfase no papel da comunidade na escolha dos percursos a seguir para lidar com estes problemas. Para além disso, procura agregar várias questões, como a sustentabilidade ambiental, a justiça social e a economia local, ‘promete’ aumentar a resiliência das comunidades e, ao mesmo tempo, ajudar a torná-las mais felizes. Trata-se, portanto, de uma forma de definir os problemas colectivos potencialmente mais ‘engajadora’ do que o discurso do Estado, o discurso dominante nos media e mesmo o discurso de outros movimentos e organizações cívicas.

Uma das questões que nos interessa perceber é como é que as pessoas envolvidas no movimento de Transição concebem a possibilidade de concretizar os objectivos do movimento, como se vêem enquanto agentes de mudança nas suas comunidades, o que as motiva e como procuram motivar e mobilizar outros. Encontrámos experiências muito distintas dependendo do contexto social, económico e geográfico da iniciativa, das pessoas que a dinamizam, e dos modos como comunicam com os membros das comunidades. Na globalidade, há que referir que, numa época de crise e de pouca valorização pública do ambiente, é notável o surgimento de várias dezenas de iniciativas de Transição por todo o país e o facto de várias se manterem activas já há alguns anos (http://transicaoportugal.net/). No entanto, praticamente todas as iniciativas dão conta de dificuldades de mobilização e envolvimento continuado dos cidadãos, de algum modo pondo em causa a hipótese de que um discurso integrador e inclusivo pode ser motivador de maior disponibilidade e investimento pessoal por parte dos cidadãos. Sabemos que, a par das práticas de comunicação, o envolvimento cívico depende de factores como as estruturas e os recursos disponíveis (tempo, conhecimento, dinheiro, etc) e podemos encontrar aí alguns bloqueios importantes.

Apesar disto, as iniciativas de Transição têm iniciado importantes formas de debate e de acção sobre modos alternativos de cidadania que são potenciadores de novas formas de pensar o papel de cada um e das comunidades. A capacitação individual e colectiva para fazer face a problemas ambientais (e outros) é um processo lento mas quando atendemos a realizações como hortas partilhadas, feiras de trocas ou ‘ajudadas’ (intervenções colectivas em espaços agrícolas, por exemplo), encontramos sinais de mudança muito encorajadores nas iniciativas de Transição.

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