A disputa mediática – a sobrevivência da televisão face aos novos media

Dimensão analítica: Condições e Estilos de Vida

Título do artigo: A disputa mediática – a sobrevivência da televisão face aos novos media

Autor: José Pedro Arruda

Filiação institucional: Doutorando em Sociologia no Centro de Estudos Sociais/ Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.

E-mail: jose.p.arruda@gmail.com.

Palavras-chave: Televisão, internet, participação.

As novas tecnologias de informação e comunicação (TIC) tendem a privilegiar uma participação mais ativa dos públicos no processo comunicacional e nos mecanismos mediáticos. A ideia de que os novos media, particularmente a internet, fornecem aos utilizadores uma maior liberdade na procura e no acesso à informação, assim como um maior envolvimento na produção da mesma, leva a crer que estes mecanismos constituem uma base material para a melhoria da participação democrática. Perante a vertiginosa expansão das tecnologias de uso pessoal nos últimos 15 anos, associada ao seu progressivo desenvolvimento técnico, a televisão parece perder terreno face às novas TIC, enquanto principal fonte de informação mediática. No entanto, será que isso, realmente, se verifica?

O discurso do progresso tecnológico conduz amiúde à perceção errónea de que os meios de comunicação de massas se vão substituindo uns aos outros, à medida que tornam obsoletos os anteriores, da imprensa à rádio, da rádio à televisão e desta à internet. Esta perspetiva evolutiva e linear não dá conta dos avanços e recuos, das interrupções e descontinuidades, nem das especificidades locais, regionais e nacionais, com a consequente diversidade de ritmos e abrangências, que o processo de implementação destas tecnologias acarreta. Mas, acima de tudo, esta perspetiva falha em olhar para as próprias tecnologias, suas funções, características e possibilidades.

Aparentemente, a grande inovação da internet face aos seus predecessores é a possibilidade de construir um conhecimento em rede, promovendo a horizontalidade das relações entre produtores e consumidores de informação. Contrariamente aos meios de comunicação tradicionais, regulados por grupos de interesse e pelo poder político e económico, a internet oferece a possibilidade da democratização do conhecimento e a multiplicação das fontes de informação, que podem situar-se ao nível do indivíduo. Este olhar otimista e inovador sobre as potencialidades da internet reflete, porém, um entendimento restritivo e estático acerca dos meios de comunicação social anteriores, reiterando a ideia de separação entre produtores e consumidores. Além disso, esta divisão sugere que as “massas” não têm vontade própria nem capacidade de resistir à manipulação mediática, sendo constituídas por recetáculos passivos, sujeitos à dominação ideológica por parte dos grupos que controlam os meios de produção e distribuição de conhecimento.

Nas últimas décadas, a reflexão sobre os utilizadores de tecnologias (incluindo as TIC), tem seguido uma direção diferente, procurando identificar com maior rigor os contextos, os usos, as práticas e as possibilidades de ação dos consumidores no processo de transformação tecnológica. Stuart Hall introduziu um modelo de análise dos media assente no dualismo “encoding/ decoding” [1]. Esta abordagem tenta capturar tanto o papel estruturante dos media, na medida em que estabelecem agendas, categorias e enquadramentos culturais, como a ideia de que os espectadores são ativos, criando novos significados dos signos e símbolos providenciados pelos media. Em forte expansão desde os anos 1990, os estudos culturais dos media promovem uma perspetiva sobre as relações utilizador-tecnologia que enfatiza o papel dos objetos tecnológicos na criação e modelação de identidades sociais e culturais em sentido lato. Roger Silverstone [2] cunhou o termo “domesticação” para descrever a integração dos objetos tecnológicos na vida rotineira. Nesta abordagem, a domesticação é definida como um processo dual, no qual tantos os objetos técnicos como as pessoas podem mudar. O uso de objetos tecnológicos pode alterar a forma, a prática e a função simbólica dos artefactos, e pode permitir ou limitar performances de identidades, negociações de status e posições sociais.

De forma a evitar um voluntarismo romântico sobre a criatividade da agência dos utilizadores, Akrich e Latour [3] utilizam o conceito de script (guião) para tentar capturar como os objetos tecnológicos permitem ou constringem as relações humanas, assim como as relações entre pessoas e coisas. Segundo esta perspetiva, as tecnologias atribuem e delegam competências, ações e responsabilidades específicas aos utilizadores e aos artefactos tecnológicos. Os objetos tecnológicos podem então gerar novas geografias de responsabilidade e transformar ou reforçar as existentes. Evitando o determinismo tecnológico, estes autores enfatizam a co-produção e as relações recíprocas entre objetos e sujeitos, reforçando a agência dos utilizadores. Para melhor captarem o papel ativo dos utilizadores em moldarem as suas relações com os objetos técnicos, Akrich e Latour introduziram o conceito de “anti-programa”, que se refere às formas de ação dos utilizadores que estão em conflito com o programa dos produtores (ou vice-versa).

Regressando à atualidade portuguesa, é do conhecimento público que os últimos meses têm sido marcados por forte contestação social, com inúmeras manifestações populares nas ruas de várias cidades. É também amplamente reconhecido que o sucesso dessas iniciativas e a consequente adesão das pessoas, em grande escala, devem-se essencialmente à internet, em particular às redes sociais, onde têm proliferado grupos auto-organizados, apartidários e resultantes de iniciativas individuais ou locais. Estes grupos reivindicam um lugar no panorama político e social português, apontando os media tradicionais como ambientes fechados, controlados ideologicamente pelo sistema político vigente e sem espaço para verdadeiras visões político-económicas alternativas.

As redes sociais da internet apresentam-se assim como uma espécie de “anti-programa” em relação à televisão, servindo como meio para subverter, complementar ou alterar a realidade televisiva. Isto tornou-se evidente na recente disputa sobre o número de manifestantes presentes na manifestação de 2 de Março, em Lisboa, ou na discussão sobre a ordem dos acontecimentos e devidas responsabilidades em relação à carga policial na manifestação de 14 de Novembro de 2012. Em ambos os casos, grupos de cidadãos utilizaram a internet para difundirem outras verdades e outras imagens dos acontecimentos que, alegadamente, foram escamoteadas pela televisão. Contudo, isto não representa uma perda de importância da televisão; pelo contrário, as novas tecnologias acabam por expandir a influência televisiva a outros mecanismos, cuja utilização permanece reativa ao que passa na TV.

Notas:

[1] Hall, S. (1973), Encoding and Decoding in the Television Discourse, Birmingham: Centre for Contemporary Cultural Studies.

[2] Silverstone, R., & Hirsch, E., eds. (1992), Consuming Technologies: Media and Information in Domestic Spaces, Routledge.

[3] Akrich, M., and Latour, B. (1992), “A summary of a convenient vocabulary for the semiotics of human and nonhuman assemblies.” in Shaping Technology/Building Society, ed. W. Bijker and J. Law, MIT Press.

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