Tematização e cultura na cidade virtual

Dimensão analítica: Condições e Estilos de Vida

Título do artigo: Tematização e cultura na cidade virtual

Autor: Fernando Cruz

Filiação institucional: Instituto de Sociologia/ Faculdade de Letras da Universidade do Porto

E-mail: fmrcruz@gmail.com

Palavras-chave: cidade virtual, cultura, tematização

Neste breve artigo, propomos-nos apresentar algumas caraterísticas de uma nova centralidade representada pelo Arrábida Shopping,enquanto espaço privado de acesso público e concorrencial dos espaços públicos. Como refere Soja [1]: “a simples dicotomia entre espaço público versus espaço privado pode impedir uma análise crítica mais compreensiva das especificidades espaciais do urbanismo, uma análise que aproxime cada espaço na cidade que seja simultaneamente percebido, concebido, e vivido, o argumento central do Terceiro Espaço. Fazendo isto, pode impedir igualmente o crescimento de políticas espaciais conscientes capazes de encontrar em toda a cidade, os espaços e lugares de mobilização, resistência e solidariedade.”

O Arrábida Shopping localiza-se na freguesia de S. Pedro da Afurada, junto à Ponte da Arrábida, no concelho de Vila Nova de Gaia. Foi inaugurado, em Outubro de 1996, pela Amorim Imobiliária, tendo sido vendido, em 1999, ao grupo australiano LendLease. Três anos depois, passou a ser detido pela Sonae Sierra e por duas empresas francesas suas parceiras, a CNP Assurances e a EcureuilVie. A empresa portuguesa ficou responsável pela gestão do centro comercial. Em 2006, o Arrábida Shopping sofreu a mais significativa remodelação da sua história, tendo sido construída uma nova ala que deu lugar a uma previamente inexistente praça de alimentação. Os mais de 60.000m² do Arrábida Shopping encontram-se divididos por três andares, o terceiro dos quais, ocupado quase exclusivamente por restaurantes, cinemas e áreas de lazer. A praça de alimentação, inaugurada em 2006, com 30 restaurantes e capacidade para 1130 pessoas, inclui uma área de lazer com pistas de bowling e uma varanda com vista sobre o rio Douro e a cidade do Porto. Uma das caraterísticas mais marcantes do Arrábida Shopping é o fato de possuir o maior multiplex de cinema do país, com 20 salas. Até 2006, esta era a única representação da AMC Theaters (a maior companhia do ramo nos Estados Unidos), em Portugal, mas no seguimento da decisão da empresa em retirar-se da Europa, o multiplex passou a ser explorado pela empresa espanhola UCI Cinemas.[2]

A nossa pesquisa de terreno – de cariz etnográfico, onde destacamos a observação participante e não participante, bem como, a realização de entrevistas semidiretivas –, entre 2007 e 2011, centrou-se sobretudo no terceiro piso do Arrábida Shopping por ser a área mais propícia a relações de sociabilidade. Os outros pisos, embora possuam pequenos espaços onde é possível sentar e conversar são sobretudo locais de passagem e onde os relacionamentos são sobretudo de índole comercial. A praça de alimentação é então a área aproveitada para casais e amigos não só consumirem mas também, conviverem. Este espaço é dominado por lojas que fazem parte de cadeias nacionais e internacionais. Cada uma possui a sua simbologia com os logótipos, cores, decorações, vestuário dos funcionários, tabuleiros, etc. Tudo aqui obedece ao tema da marca, à semelhança da grande maioria das lojas dos outros pisos.

A temática do Arrábida Shopping (Fotografia 1) está subordinada à Ponte da Arrábida com vários elementos que a invocam. A decoração de Natal é aquela que mais se destaca ao longo do ano, já que a decoração com as luzes e os pinheirinhos de Natal assumem relevância e transfiguram o shopping na quadra natalícia. O cinema é uma das mais-valias do shopping em relação aos demais da Área Metropolitana do Porto, não só devido à sua qualidade, mas também devido ao número de salas de cinema e, por consequência, o número de filmes que é possível visualizar (Fotografia 2). A área do cinema é fortemente tematizada com painéis e construções, em constante renovação. A utilização do cartão de fidelização e as promoções que permitem a aquisição de entradas a um custo mais baixo são outro atrativo destas salas de cinema. Existe, por outro lado, uma relação entre algumas lojas e os cinemas do Arrábida, como acontece com os filmes da Disney que incluem brindes relacionados com filmes que são exibidos no cinema e, por vezes, mesmo material promocional, como o caso de toalhetes que divulgam ou promovem esses mesmos filmes. Na aquisição das entradas para as salas de cinema, por vezes, é distribuído material publicitário e promocional de outras lojas, normalmente do Arrábida Shopping. Tratando-se, porém de uma área de lazer, decorrem aqui também algumas ações relacionadas com esse objetivo, mas também de divulgação e animação. Apesar da Administração do Arrábida Shopping tentar introduzir alguns elementos relacionados com o local, é sobretudo o global que predomina numa arquitetura do espetáculo. De tal forma, que os clientes procuram corresponder, através do uso de vestuário (moda) – normalmente cuidado e adequado à “noite” – que escolhem quando se deslocam a este shopping.

Fotografia 1 – Arrábida Shopping (6 de Setembro de 2008)

 

Na cidade virtual, enquanto cidade temática – a partir da tipificação do Arrábida Shopping a que procedemos na nossa pesquisa –, verifica-se uma forte presença de empresas e lojas de cadeias multinacionais, atraindo sobretudo o turismo regional. A inexistência de uma presença – marcante – de residentes, leva a que estes não se distingam dos turistas, adotando, por conseguinte, o comportamento dos demais. É através da arquitetura do espetáculo que esta cidade procura atrair público para os seus espaços, contribuindo para isso a sua programação – complementar à procura comercial, embora esta já inclua eventos no âmbito cultural e do lazer. Quanto à pluralidade temática, a cidade virtual possui nos espaços comuns uma programação residual com a qual destaca interesses ambientais, culturais e sociais. Inclui alguns eventos locais, mas privilegia sobretudo o global, acentuando, desse modo, a sua importância e cosmopolitismo. Quanto à mediatização, esta cidade apresenta no seu espaço um sistema interno do vídeo, onde para além, da publicitação das suas qualidades e promoções, inclui notícias e programas com destaque (ocasionalmente) para o desporto nacional e internacional (futebol) enquanto congregador de massas. Finalmente, relativamente à segurança, a cidade virtual constitui-se como aquela que é a mais segura em virtude da vigilância eletrónica e física disponível. Por outro lado, trata-se de um espaço cujo acesso não é facilitado para as “classes desfavorecidas”, quer por ser necessário normalmente transporte próprio, quer pela própria existência de segurança física que nesta cidade temática procura afastar discretamente os elementos “indesejáveis”.

Fotografia 2 – Cinemas do Arrábida Shopping (28 de Abril de 2011)

Notas

[1] Soja, Edward W. (2004), Postmetropolis: critical studies of cities and regions. Oxford: Blackwell Publishing.

[2] Arrábida Shopping (2010), História,DisponívelemURL [Consult. 30 abril 2009]:<http://www.arrabidashopping.com>.

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