Degradação dos rios: um problema multidimensional

Dimensão analítica: Ambiente, Espaço e Território

Título do artigo: Degradação dos rios: um problema multidimensional

Autor: José Pedro Silva

Filiação institucional: Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa

E-mail: jose.silva@ics.ul.pt

Palavras-chave: Rios, poluição, conectividade da água

 

A degradação dos rios que correm pelo território português é um fenómeno que se prolonga há várias décadas. Nos anos 1970, Afonso Cautela (1977) [1] apresentava um retrato do Alviela no qual este curso de água já surgia extremamente degradado, contribuindo para a diminuição da qualidade de vida das populações das suas margens e estimulando o seu protesto. No entanto, este é apenas um de vários rios que se podem facilmente associar a longas histórias de poluição: o Lis, o Leça e o Ave serão certamente outros dos casos que facilmente se recordam quando se pensa sobre este tema. Hoje, muitos rios portugueses, uns grandes e outros pequenos, uns pouco conhecidos e outros facilmente reconhecíveis, estão mais poluídos do que aquilo será desejável ou mesmo aceitável. Este é um problema ambiental que, muitas vezes, pode ser directamente apreendido pelos sentidos (basta pensar nas alterações da cor da água, ou nos odores intensos e desagradáveis que dela emanam), e esta visibilidade tem sido significativamente ampliada pela atenção que os meios de comunicação social nacionais lhe têm dedicado desde as décadas de 1970 e, principalmente, de 1980 [2]. No plano europeu, a Comunidade Europeia reconheceu há muito a necessidade de proteger a sustentabilidade da água e os ecossistemas aquáticos face às pressões crescentes que se fazem sentir. A Directiva-Quadro da água, que foi adoptada no ano 2000 [3], confere uma importância elevada à protecção dos ecossistemas aquáticos e estabelece que as águas de superfície dos vários estados-membros – com a excepção das massas de água artificiais e fortemente transformadas pela actividade humana, para as quais os objectivos são menos ambiciosos – deverão alcançar um bom estado ecológico até 2015.

De acordo com Orlove e Caton [4], a água pode ser pensada para lá da sua dimensão biofísica: é uma substância dotada de uma conectividade que articula vários domínios do social. Arrojo-Agudo [5] considera que a água possui um valor que é simultaneamente económico, social e cultural. De acordo com a sua perspectiva, um rio é, simultaneamente, um ecossistema complexo, um recurso económico, um local de lazer e de fruição, um elemento paisagístico de elevado valor estético e simbólico e um importante marco para a construção da identidade dos lugares.

Se os rios e outras massas de água são fenómenos complexos e multidimensionais, a sua degradação é, igualmente, um problema que toca vários domínios. Quando colocado a partir de uma perspectiva ambiental, ela não é, seguramente, um problema menor. É sabido que a água é um elemento fundamental para a vida. A contaminação das águas de superfície ameaça os ecossistemas e pode colocar em causa a qualidade e mesmo a sustentabilidade dos recursos hídricos; o que, de um ponto de vista social, poderá gerar desigualdades no acesso à água. Para além disso, contribui para a redução da qualidade de vida das populações, e pode mesmo traduzir-se numa ameaça à saúde pública, que pode ser afectada através do consumo de água ou de alimentos contaminados, bem como através das actividades recreativas que têm lugar no meio hídrico (Agência Europeia para o Ambiente, 2010). Mas a poluição da água também tem consequências económicas: ela acarreta custos, prejudica ou inviabiliza certas actividades económicas – pense-se, por exemplo, no turismo – e o tratamento da água tem custos avultados. A degradação dos rios implica ainda que estes deixem de ser espaços de fruição e de recreio, esvazia-os do seu “encanto”, do seu valor estético e simbólico, e despromove-os a “esgotos a céu aberto”. A memória dos rios enquanto locais de prazer mantém-se bem presente no imaginário dos portugueses [2]; não surpreende, por isso, que este seja um dos problemas ambientais que mais os inquietam, como revelaram os dois Inquéritos Nacionais às Representações e Práticas dos Portugueses Sobre o Ambiente, realizados pelo Observa [6] [7]. Estamos perante um problema ambiental grave, que se reveste ainda de uma dimensão social e cultural que, decerto, contribuirá também para que se verifique essa sensibilidade assinalada pelos estudos referidos.

Notas

[1] Cautela, Afonso (1977), Ecologia e Luta de Classes em Portugal, Lisboa, Sociocultur.

[2] Schmidt, Luísa; Valente, Susana (2003), As dimensões mediáticas da água, evolução e tendências, Actas do III Congreso Ibérico sobre Géstion e Planificación del agua.

[3] Comissão Europeia (2000), Directiva 2000/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 23 de Outubro de 2000 que Estabelece um Quadro de Acção Comunitária no Domínio da Política da Água, Jornal Oficial das Comunidades Europeias, 22 de Dezembro de 2000.

[4] Orlove, Ben; Caton, Steven C. (2010), Water Sustainability: Anthropological Approaches and Prospects, Annual Review of Anthropology, 39, pp 401-415.

[5] Arrojo-Agudo, Pedro (1999), El valor Economico del Agua, Afers Internacionals, 45-46, pp 145-167.

[6] Almeida, João Ferreira (Org.) (2000), Os Portugueses e o Ambiente; I Inquérito Nacional às Representações e Práticas dos Portugueses sobre o Ambiente, Oeiras, Celta Editora.

[7] Almeida, João Ferreira (Org.) (2004), Os Portugueses e o Ambiente; II Inquérito Nacional às Representações e Práticas dos Portugueses sobre o Ambiente, Oeiras, Celta Editora.

Esta entrada foi publicada em Ambiente, Espaço e Território com as tags , , . ligação permanente.