Dimensão analítica: Mercado e condições de trabalho
Título do artigo: Centros comerciais (I)
Autora: Sofia Alexandra Cruz
Filiação Institucional: Faculdade de Economia da Universidade do Porto e Instituto de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto
E-mail: sacruz@fep.up.pt
Palavras-chave: Centros comerciais; História; Organização.
Este artigo de opinião procura enquadrar o surgimento dos centros comerciais e algumas das suas particularidades. Com estruturas arquitectónicas projectadas ao pormenor, estes espaços comerciais representam uma modalidade de organização funcional e espacial das actividades orientada pela necessidade de responder a imperativos característicos das economias de mercado.
A génese dos centros comerciais não é fácil de apurar. Com efeito, há várias narrativas sobre o seu aparecimento que, ora imputam a sua criação aos EUA, ora à Europa, designadamente às galerias italianas, belgas, francesas e às arcadas comerciais britânicas do século XVIII [1]. Estas galerias com naves cujo formato foi importado das catedrais renascentistas tinham como objectivo a criação de passagens cobertas, nas quais a “ […] a burguesia sob a protecção de uma elevada abóboda cilíndrica envidraçada podia passear confortavelmente em frente de luxuosas lojas e sempre que quisesse fazer uso delas para realizar as suas compras” [2]. Dawson [3], por exemplo, considera que as galerias e arcadas europeias terão influenciado o surgimento dos centros comerciais nos EUA. Refere três datas que marcaram a história dos centros comerciais norte-americanos: 1907, ano em que foi inaugurado o primeiro centro comercial moderno, o Roland Park, em Baltimore; 1923, momento da abertura do Country Club Plaza, no Kansas City e 1931, data da instalação do Highland Park Centre, em Dallas.
Sejam quais forem as raízes mais longínquas, certo é que os centros comerciais, enquanto realidade urbanística verdadeiramente planeada, surgem nos EUA em meados de 1950 e na Europa nos anos de 1960. Os EUA conseguiram atravessar a segunda guerra mundial sem sofrerem consequências gravosas, obtendo níveis de consumo consideráveis, associados quer ao crescimento económico quer à expansão urbana. Se o crescimento económico estimulou investimentos na promoção deste tipo de formato comercial, também a expansão urbana possibilitou a constituição de aglomerados populacionais que justificaram a sua emergência e consolidação. Já a Europa apenas no período pós-segunda guerra mundial é que se reconstruiu em termos económicos, demográficos e sociais. Trata-se de uma reconstrução absolutamente fundamental para o acréscimo dos níveis de consumo e surgimento dos centros comerciais.
É relativamente consensual afirmar que os centros comerciais consubstanciam um dos fenómenos que tem marcado profundamente a realidade comercial portuguesa nas últimas décadas. A expressão “centro comercial” é definida pela Portaria nº424/85 de 5 de Julho, e remete para todo o empreendimento que preencha cumulativamente as seguintes condições: 1) área mínima bruta de 500 m2 e número mínimo de lojas de venda a retalho e prestação de serviços, devendo estas, na sua maioria, prosseguir actividades diversificadas e especializadas; 2) as lojas deverão ser instaladas com continuidade num único edifício ou em edifícios ou pisos contíguos e interligados, para que todas usufruam de zonas comuns pelas quais prioritariamente o público tenha acesso às lojas implantadas; 3) o conjunto do empreendimento terá de possuir unidade de gestão própria, entendendo-se por esta a implementação, direcção e coordenação dos serviços comuns, bem como a fiscalização do cumprimento de toda a regulação interna; 4) o período de funcionamento (abertura e encerramento) das diversas lojas deverá ser comum, com excepção das que pela sua especificidade se afastem do funcionamento usual das outras actividades instaladas.
A análise do processo de implantação e desenvolvimento dos centros comerciais em Portugal sugere diferentes momentos de uma história relativamente jovem, mas atravessada por um ritmo intenso de mudanças e singularidades várias. É este assunto que ocupará o próximo artigo de opinião sobre os centros comerciais.
Notas
[1] Gardner, Sheppard, 1989; O’Brian, Harris, 1991, citado por H. Cachinho, (coord.) (2000), Centros Comerciais em Portugal – conceito, tipologias e dinâmicas de evolução, Observatório do Comércio, p.170.
[2] Idem, ibidem.
[3] J. Dawson (1983), Shopping Centre Development, USA, Longman.
Tema interessante e relevante sob diferentes perspectivas. Como se refere no artigo, os centros comerciais vieram alterar a realidade comercial em Portugal, os hábitos e rotinas de consumo e lazer, mas também a própria paisagem e planeamento urbano, em especial das periferias. Sob a perspectiva do trabalho, na qual a autora se posiciona, veio introduzir lógicas de organização dos tempos de trabalho e de vida, quer para quem protagoniza o trabalho nestes estabelecimentos, quer para clientes (fora de horas), que devem merecer uma atenção particular pelos impactos na organização e condições de trabalho.