Dimensão analítica: Cidadania, Desigualdades e Participação Social
Título do artigo: O papel do associativismo como base do funcionamento do Comércio Justo
Autora: Sandra Lima Coelho
Filiação Institucional: Instituto de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto
E-mail: sandralimacoelho@gmail.com
Palavras-chave: Associativismo; Movimentos sociais; Comércio Justo.
As organizações de tipo associativo podem constituir um eixo estruturante das políticas de desenvolvimento, na medida em que são um sustentáculo para a construção de solidariedades, enquanto expressão de uma forma de vida em comunidade, que favorece o exercício da democracia e da cidadania.
As associações revestem-se de uma significativa importância social, cultural, política e económica. O associativismo promove o exercício da democracia, constituindo assim um importante factor de construção da cidadania, e para a integração social e expressão cultural no exterior do sistema economicista dominante. Contribui para a consolidação e dinamização do tecido social, e é um factor relevante de transformação e inovação social. Reveste-se de uma forte contribuição económica, através do investimento humano voluntário, estruturando o segmento específico da economia social.
Os novos movimentos sociais privilegiam, preponderantemente, cenários da esfera pública não estatal para exibirem os seus objectivos e actividades, especialmente sob a forma de organizações associativas. As associações sem fins lucrativos parecem sublinhar valores como a “solidariedade, a ética, a democratização da política, a defesa dos direitos das minorias e o estabelecimento de condições que desafiam a humanidade, como o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável” [1], e contribuem, desta forma, para um pluralismo cultural protagonizado por estes movimentos.
O Comércio Justo (CJ) é um movimento social que pretende promover a mudança a nível institucional e a reforma das políticas que possam, de facto, alterar os actuais níveis de desigualdade que proliferam entre os países industrializados do Norte do mundo e a pobreza que impera no Sul do hemisfério, sem que a economia global entre em colapso. É, essencialmente, uma alternativa ao comércio convencional, na medida em que promove a justiça social e económica, o desenvolvimento sustentável e o respeito pelas pessoas e pelo meio ambiente, através do comércio, da sensibilização dos consumidores e de várias acções de educação e informação. Procura estabelecer uma relação paritária entre os participantes na cadeia comercial, produtores, trabalhadores, importadores, lojas do CJ e consumidores. Outras das linhas mestras que caracterizam o CJ são a promoção do bem-estar e melhoria das condições de vida dos pequenos produtores, através do aperfeiçoamento do acesso ao mercado, do fortalecimento das organizações daqueles produtores e do pagamento de um preço mais elevado pelos seus produtos, a criação de oportunidades de desenvolvimento para os mesmos, especialmente mulheres oriundas de países onde existe discriminação sexual e exploração dos povos indígenas, e protecção das crianças vítimas da exploração laboral [2].
Para que tal se concretize, é premente alertar os consumidores para os efeitos nefastos do comércio internacional sobre os produtores, para que os consumidores exerçam o seu poder de compra de um modo consciente e responsável. Esta sensibilização materializa-se na realização de campanhas sobre a necessidade de alterar as regras e a prática do comércio internacional convencional. Campanhas essas que, de um modo geral, são levadas a cabo pelas ONG, ONGD e associações sem fins lucrativos que suportam este movimento. A formação e informação da opinião pública constituem, portanto, um aspecto primordial integrante deste movimento social. A sensibilização das populações reveste-se, pois, de uma importância extrema para a sua expansão. Neste sentido, as lojas portuguesas de CJ não se limitam a vender os produtos, mas funcionam como locais de sensibilização e alerta para a situação em que vivem milhões de camponeses e pequenos produtores do Sul do Mundo. Os objectivos destas Worldshops/Lojas do Mundo passam, então, pela promoção e difusão dos ideais do CJ, assim como dos seus objectivos e potencialidades.
O CJ, dadas estas especificidades, assenta numa forte base associativa, de cariz voluntário. Por toda a Europa, as organizações que sustentam este movimento são geridas por grupos que não se mobilizam por fins lucrativos. Assim, o lucro proveniente das transacções comerciais realizadas nas lojas é reinvestido em todo o processo. Neste sentido, a existência do CJ só é possível através da acção de associações, cooperativas ou organizações não-governamentais. Portugal não é excepção: no nosso país, o movimento associativo e o Comércio Justo parecem caminhar de mãos dadas, o que alimenta as muitas teorias generalizadas de que o associativismo acompanha e, na maioria das vezes, suporta os movimentos sociais.
Notas
[1] Carvalho, Maria do Carmo (1998), “Sociedade Civil, Estado e Terceiro Setor”, São Paulo em Perspectiva, 12(4), p. 85.
[2] Krier, Jean Marie (2001), Fair Trade in Europe 2001. Facts and Figures on the Fair Trade sector in 18 European countries. EFTA – European Fair Trade Association