Comércio Justo em Portugal e Serviço Voluntário Europeu: caminhos cruzados

Dimensão analítica: Cidadania, Desigualdades e Participação Social

Título do artigo: Comércio Justo em Portugal e Serviço Voluntário Europeu: caminhos cruzados

Autora: Sandra Lima Coelho

Filiação institucional: Instituto de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto

E-mail: sandralimacoelho@gmail.com

Palavras-chave: voluntariado, organizações, Comércio Justo

Um olhar sociológico sobre as organizações de promoção de Comércio Justo portuguesas revela-nos que estas estruturas se apoiam na acção voluntária como sustentáculo da sua actividade, face à fragilidade da sua dimensão profissional. Nestas organizações, os voluntários são fulcrais, a sua acção é indispensável à manutenção, sobrevivência e continuidade no tempo.

Nas lojas de Comércio Justo de Amarante e Porto, o recurso sucessivo a voluntários do Serviço Voluntário Europeu, um projecto destinado à mobilização de jovens, que lhes permite efectivar serviço de voluntariado fora do seu país, com o objectivo de proporcionar a estes jovens o desenvolvimento de competências ao nível da solidariedade e cidadania activa, tem sido, nos últimos anos, uma variável constante. Efectivamente, em Portugal este projecto tem funcionado como uma plataforma de combate à escassa fileira de voluntários envolvidos no movimento. À medida que aumentam as dificuldades económicas destas organizações, diminui o número dos seus trabalhadores remunerados, e a integração de jovens voluntários europeus nas suas fileiras amplifica-se.

Os jovens voluntários provenientes do Serviço Voluntário Europeu operam como uma espécie de exército de reserva, como diria Karl Marx, pronto a colmatar não só a insuficiência de trabalhadores remunerados (nas organizações portuguesas de Comércio Justo que integram uma pesquisa em curso, subsistem apenas trabalhadores em regime de part-time), como a míngua de voluntários portugueses dispostos a exercer uma actividade voluntária regular.

Se atendermos a que “o resultado organizacional é função de uma elevada motivação e desempenho dos seus colaboradores” (Neves, 1996: 316), e considerando que as associações de promoção de Comércio Justo revelam, confessadamente, dificuldades em motivar os seus voluntários, é possível asseverar que o sucesso destas organizações pode ser afectado pela fraca mobilização de parte de uma fatia significativa do seu centro operacional, a rede de voluntários. O recurso ao Serviço Voluntário Europeu aparenta contribuir para minimizar este impacto negativo.

A relação de dependência do trabalho voluntário, por parte de organizações que têm por finalidade promover a divulgação de um movimento que defende melhores condições de trabalho para os pequenos produtores, parece subverter um dos pilares fundamentais do Comércio Justo. Em Portugal, a necessidade de preservação do movimento aparenta colidir com uma das razões da sua existência, o que se afigura como uma contradição entre os pressupostos em que assenta o movimento, e a efectividade da prática: o Comércio Justo mobiliza-se para proteger os direitos dos trabalhadores marginalizados dos países do hemisfério sul. No entanto, num cenário económico desfavorável, em que a própria subsistência e continuidade do movimento está em causa, as organizações portuguesas que o sustentam subvertem este princípio, funcionando quase exclusivamente com trabalho voluntário. A racionalidade económica parece imperar, em detrimento da máxima que caracteriza o Comércio Justo, “as pessoas acima do lucro”.

O enaltecimento do respeito pelos direitos dos trabalhadores, a primazia dos critérios sociais em prejuízo do critério puramente económico, princípios enunciados pelas entidades internacionais que suportam o Comércio Justo aparentam ser, nas condições actuais, incompatíveis com a debilidade estrutural que se faz sentir nas suas congéneres portuguesas, e o recurso ao trabalho voluntário de jovens europeus surge como um balão de oxigénio que vai permitindo a sustentabilidade destas organizações.

Referências Bibliográficas:

Coelho, Sandra Lima (2011), “Comércio Justo: processos de activismo e participação na (re)configuração de uma modalidade de consumo alternativa”, Actas de SICyurb, Second International Conference of Young Urban Researchers, ISCTE, Lisboa.

Coelho, Sandra Lima (2007), (N)o Mundo (d)a (Revira)volta – formas alternativas de distribuição numa era de globalização: o Comércio Justo, tese de mestrado, policopiado.

Neves, José (1996) et al, Psicossociologia das Organizações, McGraw Hill.

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Uma Resposta a Comércio Justo em Portugal e Serviço Voluntário Europeu: caminhos cruzados

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