Dimensão analítica: Educação, Ciência e Tecnologia
Título do artigo: O processo do projecto e o projecto do processo – Dialécticas entre síntese e análise em metodologias de investigação em Arquitectura, na FAUP
Autor: Mário João Mesquita
Filiação institucional: Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto
E-mail: mmesquita@arq.up.pt
Palavras-chave: Arquitectura/Escola do Porto, Metodologias de investigação, Ensino/aprendizagem
Um dos traços comuns às metodologias de investigação em Arquitectura, na FAUP, é a precedência das sínteses relativamente às análises. Esta relação, essencial na compreensão da importância da componente processual na singularidade do seu método de ensino, prossegue, numa afirmação contemporânea, o legado da “Escola do Porto”.
A sobrevivência desta forma de trabalho intelectual no período pós-adaptação a Bolonha tornou-se possível pela realização de uma adequação tranquila da herança dessa “Escola” que projectara os seus métodos para a relevância de paradigma internacional.
Todavia, com o desvio do ambiente de pensamento, trabalho e produção em Arquitectura do analógico para o digital, muito dessa praxis ameaça perder-se, questionando a continuidade do carácter distintivo na relação ensino/aprendizagem que lhe reconhecemos.
Nesse sentido, esta “nova Escola do Porto”, por contingência e conjuntura, mais centrada na urgência da afirmação dos seus processos científicos/pedagógicos/didácticos (e menos na obra dos seus profissionais), para se continuar a distinguir, terá de construir novos compromissos metodológicos. O crescente desenvolvimento de relações de trans/interdisciplinaridade com outras áreas afins tem-se demonstrado essencial para essa afirmação – demonstra-o parte substancial da crítica aos projectos e às dissertações apresentadas, hoje, pelos estudantes no final dos ciclos de estudos.
O processo do projecto e o projecto do processo são dois momentos de uma só realidade: o acto criador. Coincidentes no tempo, não só propiciam um contínuo de reflexão sobre as diferentes problemáticas associadas à criação científico-artística como possibilitam uma circunferência em permanente movimento (centrípeto/centrífugo) que assimila, no seu curso/discurso, pela sua natureza excêntrica/concêntrica, novos/diferentes/diversos campos de percepção, onde tempo e espaço se cruzam e são uma e a mesma coisa.
Presente na produção em Arte e Arquitectura, a necessidade de se documentar o processo, mas também de o transformar num documento, encerra a urgência (pertinente para o criador) da consideração constante da dúvida e do erro na afinação do produto final, o qual se espera que abandone a invisibilidade, que se realize no contexto da comunidade, num acto comprometido do sujeito. De contrário, a tradução de uma ideia ou pensamento, caso não encontre forma de expressão, enfrenta a possibilidade de nunca se tornar pública, frustrando autor e destinatários da mensagem de ciência e arte que se imaginou, um dia, ser possível de se libertar da esfera do “eu”.
Em Arquitectura, a divergência pós-Bolonha entre prática académica e profissional contribuiu fortemente para a desagregação da praxis consolidada durante décadas do arquitecto-mestre versus arquitecto-aprendiz. A menorização do trabalho laboratorial – em “atelier” – afastou os formandos da realidade da obra e fomentou a ampliação da burocracia, com reflexos negativos na profissão e na Academia. Já não falamos mais do tempo em que o “quase arquitecto” passava por um período experimental de contacto com a realidade extra-escolar e depois regressava para realizar a sua dissertação. No presente, tal só é possível no pós-licenciatura/mestrado para os que, passado anos, retomam os estudos frequentando cursos de pós-graduação.
De que forma os actuais planos curriculares dos cursos científico-artísticos contemplam as condições necessárias para, além dos tempos de contacto, desenvolver a qualidade dos tempos sem contacto, de aprofundamento, tempo real de estudo?
O excessivo pendor tarefeiro dos currículos dos cursos transformou os tempos de estudo em tempos de resposta automática aos pedidos. A reflexão (necessária à invenção e à descoberta), com a proliferação de plataformas electrónicas de produção e de replicação de pensamento, resulta condicionada à partida.
Se a isto somarmos tempos e modos de produção diferentes, a alteração do ambiente de trabalho analógico para digital (que mudou radicalmente parte substancial do processo de concepção), ao não se proceder a uma adequada transferência de suportes do estudo/trabalho, poder-se-ão perder séculos de sedimentação do saber.
Contudo, essa variação de procedimentos apenas sublinha a premência da adaptação do processo a outras ferramentas e plataformas – passo decisivo, se se considerar haver uma novíssima geração de estudantes e profissionais que já cresceram intelectualmente em ambiente digital. Perante tal cenário (que interessa avaliar/afinar), a atitude dos docentes (maioritariamente analógicos) terá de ser inclusiva, moderadora e aberta à renovação da sua aprendizagem para que não se torne insuperável o fosso geracional, resgatando as potencialidades dos processos de pensamento e produção analógicos, assimilando-os/transformando-os, permitindo-lhes a sobrevivência, para além de qualquer tipo de imposição ou abnegação.
Ao longo do curso de Arquitectura (licenciatura/mestrado) estamos perante permanentes e contínuos tempos de pesquisa e investigação. As ferramentas de trabalho, que vão propiciando a evolução da autonomia do estudante até ao último ano, ajudam à construção de uma metodologia de pensamento e prática a que chamamos de processo, longo por natureza.
Mais instrumental no início e quase só conceptual no final, esse processo induz à progressiva aproximação às matérias do abstracto, a qual reclama formação teórica forte e multidisciplinar bem como, paradoxalmente, a compreensão da complexa teia imbricada da contemporaneidade. Nesse sentido, a transversalidade disciplinar constitui um factor estruturante desse sujeito em formação, pelo que não podemos encarar tranquilamente as derivas que, tendencialmente, o reduzem à condição de técnico executante.
Seguindo processos de pensamento que valorizam a construção de sínteses prévias, permitimo-nos evidenciar as ideias, criando ambientes tendencialmente mais livres de criação.
Longe de um curso linear (pois os avanços e recuos são cíclicos e recorrentes), a definição de objecto, objectivo e estratégias a adoptar tornam o desenho das acções que consumam o projecto mais claro e, em convergência com as sínteses e análises, valorizam aquilo que chamamos “ideia”.
O formado, fruto desse binómio de geometria variável entre ensino e aprendizagem, ganha espessura intelectual, realizando-se naquilo para que foi “treinado” (num meio extremamente exigente): pensar. Todavia, com a actual simplificação e banalização dessa mesma exigência (oferecida pelos ciclos de estudo pós-Bolonha), existe sério risco de que esse vasto património educativo em construção durante décadas de debate na Academia resulte em meros actos administrativos de concessão de graus, num vazio de significado e numa pobreza de conteúdos, gorando as legítimas expectativas da sociedade que nele investiu também.
Na perspectiva de, equacionando o futuro, se avaliar a sustentabilidade das metodologias de investigação reconhecidas como relevantes na formação em Arquitectura, na FAUP, julga-se premente uma reflexão de fundo.
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