Dimensão analítica: Cidadania, Desigualdades e Participação Social
Título do artigo: O envelhecimento digno e o bem-estar: planeamento comunitário e individual a partir de uma experiência em Vila Flor
Autora: Ana Correia
Filiação institucional: UTAD /ATPD
E-mail: amgcorreia@gmail.com
Palavras-chave: envelhecimento individual e comunitário, dignidade, políticas.
O envelhecimento da população constitui um desafio global que exige a criação de políticas públicas e iniciativas locais adaptadas às necessidades das diferentes comunidades. Em Vila Flor, um concelho do distrito de Bragança, no interior do país, o envelhecimento da população é uma realidade crescente. Segundo os dados dos últimos Censos [1], em 2021, a população idosa (65 e mais anos) representava 23,4% da população portuguesa, enquanto os jovens (até aos 14 anos) eram apenas 12,9%. O índice de envelhecimento (idosos por 100 jovens) passou dos 128 em 2011, para 182 em 2021. Em Vila Flor, o índice de envelhecimento estava, em 2021, nos 400, sendo que 35,4% dos residentes no concelho tinham 65 ou mais anos. Estes dados alertam-nos para importância da consciencialização sobre o envelhecimento e tornam essencial promover esta fase da vida – o envelhecimento, como um projeto global e de forma integrada, permitindo que, da análise das situações com as pessoas mais velhas, possamos coletiva e individualmente tomar decisões de forma consciente para o nosso futuro.
Segundo Antunes [2], “da perspetiva em que nos colocamos face à questão do envelhecimento entendemos que se envelhecer é um processo natural, envelhecer com qualidade de vida é uma questão de educação” pelo que a preparação desta fase da vida, de forma bem-sucedida, deve ser um processo ao longo da vida. Neste sentido, torna-se fundamental planear o envelhecimento individual e comunitário, ouvindo as pessoas mais velhas: O que gostariam de ter sabido? Como se tinham preparado para esta fase se soubessem o que sabem agora? Como podem aconselhar as gerações mais novas? Ouvir as pessoas e convidá-las a participar ativamente nas decisões que possam contribuir para um futuro mais digno de toda as pessoas e da comunidade, é fundamental e democrático. A consciencialização e o planeamento comunitário do envelhecimento são componentes cruciais para a construção de uma sociedade mais inclusiva e sustentável. O envelhecimento populacional é uma tendência global e a sua abordagem nas comunidades deve ser estratégica, envolvendo a consciencialização da população sobre os desafios e oportunidades do envelhecimento e a criação de políticas e práticas que promovam a qualidade de vida de todos, independentemente da idade.
O processo educativo de preparação do envelhecimento [3] deve promover e incentivar uma narrativa pública mais produtiva sobre as pessoas mais velhas e sobre os benefícios positivos de uma vida mais longa em qualidade, assim como garantir o conhecimento jurídico adequado para combater a discriminação etária em diversos contextos, incluindo cuidados de saúde, emprego, educação e justiça penal. De forma a garantir ou contribuir para um envelhecimento digno e criar as necessidades que permitam o envelhecimento com qualidade, a sociedade deverá promover e fomentar a preparação dessa fase – envelhecimento, ao longo de toda a vida, com informação e formação em temas como:
– Reforma (como gerir a nova fase, como preparar a chegada, o desligar faseado da vida ativa, soluções futuras, entre outros);
– Testamento vital (em que consiste, como fazer e quando);
– Preparar a casa (acessibilidades e iluminação, nomeadamente na casa de banho e cozinha, alternativas às escadas ou adaptação das mesmas – corrimão e barras de apoio, entre outros);
– Alimentação e vida saudável;
– Rede social, nomeadamente na vizinhança;
– Apresentação de soluções para a velhice (gestão do património, manter atividade intelectual, manter vida ativa com a família, passear, participar em grupos de atividades, planear emergências, analisar opções de apoio – envelhecimento em casa, centro de dia, apoio domiciliário);
– Formação para os direitos humanos (promover o conhecimento dos direitos e a literacia jurídica, nomeadamente para análise e compreensão dos contratos a elaborar com as estruturas de apoio ao mais velho; como ser tratado como pessoa mais velha, informação sobre direitos associados à intimidade, à cidadania; à identidade, etc.);
– Fim de vida (direito à dignidade e à escolha).
Cumpre aos Estados criar as estruturas políticas, legais e sociais adequadas que potenciem o envelhecimento ativo e saudável, mas cumpre a cada um de nós analisar e decidir sobre as hipóteses que mais se adequam à nossa vontade. Para tal, temos de ser detentores de conhecimento e de informação.
A interiorização e compreensão sobre o envelhecimento envolve educar a população para uma visão mais positiva e realista da velhice, combatendo estigmas e preconceitos relacionados com os mais velhos. Esse processo também implica a disseminação de informações sobre os direitos, necessidades e capacidades dos mais velhos, além da promoção de uma compreensão profunda sobre o envelhecimento como um processo contínuo, que começa na infância e se estende até à velhice.
Neste contexto, é necessário ouvirmos as pessoas mais velhas, respeitando os seus tempos e necessidades, de modo a estruturarmos as sociedades futuras. O planeamento comunitário para o envelhecimento é um processo que visa garantir que os espaços e os serviços da comunidade atendam às necessidades de uma população que está a envelhecer. Essa preparação poderá ser estruturada de forma participativa recorrendo aos mais velhos, aos que estão atualmente nessa fase, permitindo assim construir políticas e campanhas orientadoras para as gerações em envelhecimento.
Uma comunidade que planeia o envelhecimento, de forma integrada, com medidas específicas, adaptadas à sua realidade e necessidades, respeita o indivíduo e as suas especificidades e contribui para a dignidade no envelhecimento. Em Portugal temos em vigor o Plano de Ação do Envelhecimento Ativo e Saudável [4], que apresentas diferentes níveis de implementação, quer em termos geográficos quer temporais e que é um plano basilar, mas é fundamental estruturamos o Plano de preparação para o Envelhecimento, que seja efetivo e transversal à nossa sociedade.
Notas:
[1] INE – Instituto Nacional de Estatística. (2021). Censos 2021.
[2] Antunes, M. C. (2015). Educar para um envelhecimento bem sucedido: reflexões e propostas de ação. Teoría de la Educación. Revista Interuniversitaria, 27(2), 185-201.
[3] McGuire, S. L (2017). Aging Education: A Worldwide Imperative. Creative Education. Scientific Research, 8, 1878-1891.
[4] Plano de Ação do Envelhecimento Ativo e Saudável 2023-2026, Resolução do Conselho de Ministros n.º 14/202
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