Dimensão analítica: Saúde e Condições e Estilos de vida
Título do artigo: A crise da habitação não tem idade: desafios e impactos no bem-estar das pessoas mais velhas em Portugal
Autora: Patrícia Marina Coelho
Filiação institucional: Faculdade de Economia da Universidade do Algarve/Centro de Investigação em Turismo, Sustentabilidade e Bem-Estar (CinTurs)
E-mail: pmcoelho@ualg.pt
Palavras-chave: Crise da Habitação, Portugal, Envelhecimento no lugar.
As pessoas mais velhas enfrentam desafios exigentes, alguns amplificados pela acumulação de vulnerabilidades ao longo do curso de vida. As fases mais avançadas da vida refletem, em grande medida, a continuidade das experiências e condições das fases anteriores, tanto nos aspetos positivos como nos negativos. Relativamente à habitação, a maioria prefere permanecer na sua casa, influenciados pelo facto de ali terem passado grande parte da vida [1]. O declínio da saúde e algumas das transições mais marcantes – a saída da vida ativa e entrada na reforma, o divórcio e a viuvez – levam, no entanto, alguns dos mais velhos a repensar a sua situação habitacional e a revelar preferência por habitações mais pequenas e também menos dispendiosas [2].
Só que o desfasamento entre o valor das reformas e os preços do setor imobiliário constitui o principal entrave para aqueles que pretendem mudar de habitação. Aliás, na sociedade portuguesa, o acesso a este recurso transformou-se num novo risco social [3]. Mas não é o único obstáculo. As pessoas mais velhas tendem a ser discriminadas pela idade quando querem arrendar ou comprar uma habitação. Muitos proprietários preferem inquilinos mais jovens. Caso optem por comprar ou fazer adaptações na sua habitação, deparam-se com obstáculos no acesso ao crédito, onde a idade é frequentemente considerada um fator de risco. O idadismo associado à habitação tem sido ignorado tanto pelos estudos sobre idadismo, quanto pelos estudos sobre habitação, apesar de ser uma das causas que impedem o “envelhecimento no lugar/ageing in place” [4].
Esta realidade faz com que algumas pessoas mais velhas se vejam quase obrigadas a permanecer na mesma habitação, não por escolha, mas por falta de alternativas. Dado o aumento da esperança de vida, este lugar pode vir a representar um período ainda mais longo de experiências negativas e ser palco de vários “danos sociais domésticos” [5]. Entre quatro paredes, muitos podem adoecer gravemente, sofrer uma queda, sentirem-se em isolamento ou solidão ou estarem expostos a más condições habitacionais, entre outros riscos.
Por vezes, as pessoas mais velhas chegam a um ponto de rutura – a chamada condição de liminaridade, de que certos autores falam – em que a incerteza passa a dominar a vida quotidiana. A permanência no mesmo lugar torna-se insustentável, o que os leva a refletir sobre as (poucas) opções que lhes restam. Mudar de casa revela-se quase uma missão impossível, restando-lhes apenas adiar ou precipitar uma eventual institucionalização – um desfecho que ainda é temido por muitos [6].
Esta realidade leva-nos a interrogar se efetivamente os mais velhos estão a “envelhecer no lugar”, nos moldes idealizados pelas políticas públicas. Embora a literatura destaque a “casa” como o espaço ideal para envelhecer, a realidade portuguesa assemelha-se mais de um ‘envelhecer aprisionado no lugar”, sem perspetivas de melhoria na qualidade de vida e bem-estar. Além disso, este “aprisionamento” pode ser agravado pelo declínio funcional e também por fatores externos, como habitações inadequadas, a fragilidade das redes de apoio informal ou a insuficiência dos cuidados [7]. É importante destacar que a crescente dificuldade no acesso à habitação em Portugal também pode agravar esta situação, sobretudo no que toca aos cuidados informais. Por exemplo, o caso dos cuidadores, quando apenas conseguem suportar a renda de uma habitação, mas distante de quem necessita dos cuidados, agravando-se este problema quando a rede de transportes é insuficiente para assegurar a proximidade e a assistência necessárias.
Em Portugal, a crise da habitação tem sido frequentemente problematizada sob a perspetiva dos mais jovens, que enfrentam dificuldades em encontrar uma habitação a preços acessíveis. As pessoas mais velhas tendem a ser esquecidas neste debate, ainda mais quando a sua própria relação com a habitação se torna cada vez mais complexa, à medida que envelhecem. Num dos países mais envelhecidos da Europa, esta questão exige uma reflexão mais aprofundada por parte das políticas públicas, de modo a garantir melhores condições para um envelhecimento digno.
Notas
[1] Abramsson, M., & Andersson, E. (2016). Changing preferences with ageing–housing choices and housing plans of older people. Housing, theory, and society, 33(2), 217-241.
[2] Forsyth, A., & Molinsky, J. (2020). What Is Aging in Place? Confusions and Contradictions. Housing Policy Debate, 31(2), 181–196. https://doi.org/10.1080/10511482.2020.1793795
[3] Xerez, R., Pereira, E., & Cardoso, F. D. (2019). Habitação própria em Portugal numa perspetiva intergeracional. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
[4] Deusdad B. (2017). Ageism in housing: challenges for ageing in place. The case of the city of Tarragona (Spain). Innov Aging. 30;1 (Suppl 1):13.
[5] Gurney, C. M. (2021). Dangerous liaisons? Applying the social harm perspective to the social inequality, housing and health trifecta during the Covid-19 pandemic. International Journal of Housing Policy, 23(2), 232–259. https://doi.org/10.1080/19491247.2021.1971033
[6] Leibing, A., Guberman, N., & Wiles, J. (2016). Liminal homes: older people, loss of capacities, and the present future of living spaces. Journal of Aging Studies, 37, 10-19.
[7] Vanleerberghe, P., De Witte, N, Claes, C, Schalock, RL & Verté, D. (2017). The quality of life of older people aging in place: a literature review. Qual Life Res. Nov; 26(11):2899-2907. doi: 10.1007/s11136-017-1651-0.
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