A centralidade das pessoas para uma reorientação ecocênctrica do desenvolvimento sustentável

Dimensão analítica: Ambiente, Espaço e Território

Título do artigo: A centralidade das pessoas para uma reorientação ecocênctrica do desenvolvimento sustentável

Autora: Rita Campos

Filiação institucional: Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra

E-mail: ritacampos@ces.uc.pt

Palavras-chave: desenvolvimento sustentável, envolvimento das/os cidadãs/ãos, alternativas sustentáveis.

A sustentabilidade tornou-se no conceito-chave em vários contextos, como política, economia, educação ou conservação. Mas tem também sido demasiado utilizada para cunhar iniciativas nem sempre associadas a princípios basilares da protecção e respeito pelos sistemas sociais ou naturais, ou a inclusão das/os cidadãs/ãos [1][2].

Apesar de resultar de negociações políticas a nível nacional, a implementação da actual Agenda para o Desenvolvimento Sustentável é também uma questão de apropriação do discurso do desenvolvimento sustentável pela população, e por grupos da sociedade civil que podem exercer pressão sobre os governos para garantir o seu sucesso. Um discurso sobre um conceito que reúne o que pode ser intrinsecamente antagónico – desenvolvimento e sustentabilidade, ou capitalismo e ecologia. Abandonar a ideia de um desenvolvimento orientado para o crescimento e contemplar a diversidade das sociedades mundiais será um passo vital para a promoção de acções visando o bem-estar humano e a protecção ambiental [3].

O desenvolvimento sustentável é um sistema duplo, considerando a relação entre ser humano e natureza e enraizando a sua reformulação numa reflexão crítica sobre o debate dicotómico em torno da relação entre natureza e sociedade, ou entre diferentes visões da humanidade e do ambiente: o ser humano como ser cultural e tecnológico, desligado da natureza; ou o ser humano como parte da natureza, apesar de ter cultura e tecnologia [4]. O antropocentrismo reduz a natureza à condição de fornecedor de bens e serviços e coloca limites à sua protecção [4][5]. Integrar pessoas, tempo e espaço – físico, geográfico e cultural – como dimensões centrais da sustentabilidade e mudar o foco para uma lógica ecocêntrica é fundamental para repensar o impacto da actual crise ambiental e os impactos locais e globais das alterações climáticas [4][5]. Como tal, políticas e acções para proteger o ambiente e os recursos naturais devem ser consideradas como estando interligadas com a promoção da justiça social. Ou seja, ainda que na sua essência o desenvolvimento sustentável seja orientado para o ser humano, deve orientar as acções humanas para considerar simultaneamente a justiça social e a protecção ambiental.

A ideia de sustentabilidade ambiental, apesar de mais associada à biodiversidade e aos serviços dos ecossistemas, foi inicialmente apresentada em estreita relação com o conceito de sustentabilidade social [6], salientando a interdependência entre o ambiente e as sociedades humanas. De facto, como parte intrínseca da biodiversidade, todos os esforços humanos utilizam e/ou dependem da biodiversidade e estão directa ou indirectamente relacionados com a dimensão ambiental da sustentabilidade. Para continuar a habitar este planeta, a humanidade deve enfrentar os limites do ambiente biofísico e reconhecer as complexas relações entre biodiversidade e ambiente com todos os outros aspectos da vida humana.

Reorientar a agenda política, e particularmente os modos de produção e consumo, para a sustentabilidade ambiental e a protecção do equilíbrio dos ecossistemas é um dos maiores desafios dos tempos actuais. As preferências dos consumidores estão a incentivar a transformação dos sistemas de produção [7]. A sustentabilidade ambiental também está a influenciar uma transformação económica com impactos na sustentabilidade social. As economias solidária e social trazem um modelo alternativo, onde os movimentos sociais e a cooperação desempenham um papel central. Comunidades de todo o mundo estão a encontrar estes modelos alternativos de produção e consumo para melhorar o seu bem-estar, qualidade de vida e preservação ambiental. A economia solidária depende de responsabilidades sociais e ambientais, passando de uma lógica orientada para o mercado para uma perspectiva social, colectiva e cooperativa, olhando principalmente para os recursos naturais locais, construindo comunidades e redes para encorajar e facilitar a participação activa e a diversificação dos produtos produzidos [8].

As alterações climáticas, a perda massiva de biodiversidade e a degradação dos ecossistemas estão entre as ameaças mais graves que o planeta e a população humana enfrentam actualmente. A recente pandemia COVID-19 é uma dura manifestação de como o sistema económico dominante, principalmente associado a práticas extrativistas, está relacionado com uma crise ambiental de proporções planetárias capaz de perturbar os sistemas e valores socioculturais. A participação pública nas decisões relacionadas com o ambiente é vital para acções políticas e sociais eficazes [1][4]. Envolver o(s) público(s) significa estabelecer um diálogo que combina o acesso à informação científica e de riscos e a integração dos conhecimentos e experiências das pessoas nos processos de tomada de decisão.

As pessoas devem ser incluídas no processo de tomada de decisão e o seu conhecimento integrado nas políticas locais e nacionais [1]. Tais formas de democratização do conhecimento e de colaboração deveriam conduzir a acções mais eficazes nos actuais cenários de risco ecológico e emergência climática. Abordagens dialógicas adaptadas a públicos e contextos específicos podem alimentar novas visões sociais visando o compromisso a longo prazo da comunidade com a sustentabilidade. O papel crucial da educação na mudança transformadora dos actuais sistemas de desenvolvimento deve ser valorizado e visibilizado. Existem em Portugal diversos exemplos de alternativas no campo da economia solidária, sendo talvez a Cooperativa Integral Minga, em Montemor-o-Novo, o exemplo a destacar pelo seu carácter multissectorial, faltando, no entanto, um amplo reconhecimento do seu impacto no desenvolvimento sustentável, autonomia e soberania das comunidades e gestão eficaz dos recursos [9].

As escolas devem ser vistas como inseparáveis das comunidades em que estão inseridas, como lugares onde a aprendizagem deve ser significativa, promovendo a educação emancipatória e capacitando toda a comunidade escolar a pensar e agir sobre questões que a afectam directa ou indirectamente. Também neste campo se encontram em Portugal algumas propostas que promovem uma educação no exterior, em contacto directo e regular com o meio ambiente envolvente, e centrada em redes com as famílias e as comunidades locais, como o projecto Limites Invisíveis em Coimbra [10] ou a Escola da Ponte na Vila da Aves [11], bem como oportunidades para replicar estes formatos noutros espaços educativos, conforme previsto no Despacho n.º 5908/2017, de 5 de Julho, que regula o projecto de autonomia e flexibilidade curricular dos ensinos básico e secundário.

É possível criar alternativas sustentáveis, e estas devem ser consideradas respeitando os conhecimentos das experiências das comunidades, numa perspectiva de definição de políticas e práticas num quadro da base para o topo que incorpora as especificidades e as complexidades dos locais afectados.

Notas

[1] Texto adaptado de: Campos, R. (2021), Exploring different forms of engaging different publics with environmental sustainability, In L. Oliveira; A. Amaro; A. Melro (org.) – Handbook of research on cultural heritage and its impact on territory innovation and development. Hershey, PA: IGI Global, pp. 233-258.

[2] WCED – World Commission on Environment and Development. (1987), Our Common Future. Oxford, NY: Oxford University Press.

[3] Sneddon, C.; Howarth, R., & Norgaard, R. (2006), Sustainable development in a post-Brundtland world, Ecological Economics, 57, pp. 253–268.

[4] Seghezzo, L. (2009), The five dimensions of sustainability, Environmental Politics, 18(4), pp. 539–556.

[5] Imran S.; Khorshed, A., & Narelle, B. (2011), Reinterpreting the definition of sustainable development for a more ecocentric reorientation, Sustainable Development, 22, pp. 134–144.

[6] Goodland, R. (1995), The concept of environmental sustainability. Annual Review of Ecology and Systematics, 26, pp. 1–24.

[7] Hanss, D. & Böhm, G. (2012), Sustainability seen from the perspective of consumers. International Journal of Consumer Studies, 36(6), pp. 678–687.

[8] Barkin, D. & Lemus, B. (2014), Rethinking the Social and Solidarity Society in light of community practice, Sustainability, 6(9), pp. 6432–6445.

[9] Hespanha, P. (2019). Why is solidarity-type social enterprise invisible in Portugal? In P. Eynaud; J.-L. Laville; L. Lucas dos Santos; S. Banerjee; F. Avelino; L. Hulgård (eds.) – Theory of Social Enterprise and Pluralism: Social Movements, Solidarity Economy, and Global South.  New York: Routledge, pp. 173–192.

[10] Figueiredo, A.; Coelho, A.; Duque, I.; Bigotte, E.; Migueis, M., & Vale, V. (2018), Projeto Limites Invisíveis: Programas Casa da Mata (PCM). In: M. H. Araújo e Sá (eds.) – II Fórum CIDTFF: construindo um compromisso com a Ciência Aberta. Aveiro, Portugal: UA-Editora, pp. 61.

[11] Pacheco, J. & Pacheco, M.F. (2015). Escola da Ponte: uma escola pública em debate. S. Paulo: Cortez.

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