Património da Humanidade e Turismo no Centro Histórico do Porto

Dimensão analítica: Cultura, Artes e Públicos

Título do artigo: Património da Humanidade e Turismo no Centro Histórico do Porto

Autor: Fernando Manuel Rocha da Cruz

Filiação institucional: Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD)

E-mail: fmrcruz@gmail.com

Palavras-chave: património cultural, património da humanidade, turismo.

Em 1972, a UNESCO [1] adotou a Convenção do Património Mundial, Cultural e Natural procurando, dessa forma, proteger os bens patrimoniais dotados de um valor universal excecional. A partir de 1979, três anos após a criação do Comité do Património Mundial e do Fundo do Património Mundial, foram inscritos os primeiros bens na Lista do Património Mundial. Atualmente, essa Lista conta com 1121 bens, em 167 países, dos quais Portugal tem classificado dezasseis bens culturais. Se o Centro Histórico de Angra do Heroísmo (Açores), o Mosteiro dos Jerónimos e a Torre de Belém, em Lisboa, o Mosteiro da Batalha e o Convento de Cristo, em Tomar, foram os primeiros classificados, em 1983, já a 7 de julho de 2019, foram inscritos mais dois bens culturais, nomeadamente o Conjunto do Real Edifício de Mafra e o Santuário do Bom Jesus de Braga [1].

Este interesse sobre o passado e sobre o património cultural funda-se no pós-Segunda Guerra Mundial, uma vez que a partir daí, foram criados 95% dos museus e classificados milhares de sítios históricos, quer nacional, quer internacionalmente, sob a influência da UNESCO, tornando o passado fator de desenvolvimento social e económico. Desse modo, os bens culturais e históricos são identificados, classificados, restaurados, expostos, protegidos e musealizados [7].

Em termos conceituais, importa distinguir património cultural de cultura. Caria [1], dá conta da polissemia conceitual da cultura que, nas suas palavras, pode ser interpretada como: “construção social e histórica capaz de produzir uma identidade colectiva; […] prática social indissociável da análise das dimensões simbólicas do social; […] reflexividade que começa por se expressar no uso de saberes práticos na interacção social”.

Quanto ao conceito de património cultural, este diz respeito aos processos de seleção, negociação e delimitação dos significados, ou seja, à representação simbólica da cultura. Neste caso, está subjacente a promoção da conservação e revalorização dos elementos culturais, estabelecendo-se como princípio a impossibilidade de patrimonializar e conservar toda a cultura [2] [6].

Assim, reconhece-se, por um lado, que os recursos económicos que a sociedade pode disponibilizar para a conservação e a patrimonialização da cultura são escassos embora, por outro lado, se permita estabelecer uma hierarquia no âmbito do património cultural, elegendo-o de acordo com o interesse local, regional, nacional e internacional (mundial). Desse modo, se estabelece uma competição pelos recursos económicos para a referida conservação, manutenção e promoção do património cultural, a qual se estende igualmente aos públicos (consumidores), nas referidas escalas.

A musealização do património cultural ultrapassou a esfera dos museus, alargando-se aos centros históricos com todas as suas edificações e espaços públicos, a partir da década de 1970. Com isso, se promoveu o turismo cultural, a partir da requalificação urbana e a patrimonialização desses centros urbanos [8]. Contudo, como reconhece Tamaso [7], os laços sociais e de vizinhança tornaram-se irrelevantes perante os poderes, político e económico, que passaram a administrar os mesmos. Para esta autora, a propriedade e a posse do património material é limitado a alguns, destacando-se neste aspeto, o Estado e os seus entes públicos e as classes altas, enquanto o património imaterial continuou a ser detido pela classe social que o produziu, ou seja, a cultura popular mantém-se “com relativa autonomia, no que concerne à ação dos realizadores e participantes locais” [7].

Aplicando este quadro teórico ao Centro Histórico do Porto, a cidade ganhou visibilidade com a sua inscrição na Lista do Património Mundial da UNESCO, em 1996, bem como, com a sua classificação como Monumento nacional (Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro). Visibilidade reforçada em 2012, 2014 e 2017, com o título de “Melhor Destino Europeu” atribuído pelo European Best Destinations, devido à sua história, arquitetura, cultura, gastronomia, comércio [4], assim como, pela sua eleição como melhor destino europeu – e segundo melhor destino mundial –, de acordo com a Culture Trip [3].

Contudo, se as oportunidades de negócio e turismo na cidade são cada vez maiores e mais apetecíveis, o que dizer sobre os residentes da cidade e a sua população mais carenciada em termos de habitação e acesso a todo um conjunto de serviços? Se o património imaterial tem por base a cultura local como se pode protegê-lo se os residentes são cada vez mais uma minoria e os vizinhos, a partir do alojamento local, se alojam por curtos períodos de tempo? Que ideia de património cultural imaterial deve ser valorizado? Qual o passado a preservar? Quem o determina? Qual a participação social neste processo de preservação?

Não há cultura, nem sociedade, sem mudança. Porém, a crescente exposição mundial e os “desejos” desenfreados do turismo e do mercado poderão contribuir para a  subversão e plasticidade do património imaterial, sem qualquer valor ético e reduzido a recriações teatrais, históricas e culturais. Os usos do título de património mundial precisam de ser acautelados face aos efeitos nefastos que a exposição deste, pode provocar social e culturalmente.

Notas

[1] Caria, Telmo (2008), O uso do conceito de cultura na investigação sobre profissões, Análise Social, XLIII (4), pp. 749-773.

[2] Cruz, Fernando Manuel Rocha (2018), Turismo y Carnaval: estudio sobre los impactos en el patrimonio cultural de la ciudad de Natal/RN (Brasil), Revista Andaluza de Antropología, 15, pp. 3-21.

[3] Culture Trip (2019), Culture Trip Wishlist: The 12 Cities To Visit in 2019, Ranked. [Consult. 17 Mai 2019]: <https://theculturetrip.com/europe/articles/culture-trip-wishlist-destinations-2019/>.

[4] European Best Destinations (2017), European Best Destinations 2017. Disponível em URL [Consult. 17 Mai 2019]: <https://www.europeanbestdestinations.com/best-of-europe/european-best-destinations-2017/>.

[5] Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (http://whc.unesco.org/fr/list/)

[6] Pérez, Xerardo Pereiro (2003), Patrimonialização e transformação das identidades culturais. In: J. Portela, J. Caldas e J. Castro (Coords), Portugal Chão, Oeiras: Celta editora, pp. 231-247.

[7] Tamaso, Isabela (2005), A expansão do patrimônio: novos olhares sobre velhos objetos, outros desafios…, Sociedade e Cultura, 8 (2), pp. 13-36.

[8] Zukin, Sharon (2006), The cultures of cities, Cambridge: Blackwell Publishers.

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