Reflexões sobre os Festivais de Luz em Portugal

Dimensão analítica: Cultura, Arte e Públicos

Título do artigo: Reflexões sobre os Festivais de Luz em Portugal

Autor: Manuel Garcia-Ruiz

Filiação institucional: Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE), CIES-IUL. Bolseiro FCT.

E-mail: urbiteit@gmail.com | vanhoben@gmail.com

Palavras-chave: Festivais de luz, políticas públicas, indústrias criativas.

É difícil identificar o primeiro festival de luz da história, muitos apontam para o Festival de Luz de Lyon (França), mas a verdade é que podemos encontrar outros mais antigos – mesmo que seja uma diferença de alguns anos. O que é certo é que, em Portugal, por serem poucos e por terem surpreendido, na altura, um público não acostumado a encontrar arte no espaço urbano, é mais fácil de rastrear o histórico desse tipo de programa.

O primeiro evento que responderia a esse tipo de projeto com curadoria seria o Luzboa, Bienal de la Luz, que veria apenas duas edições (2004 e 2006). Este trabalho nasceu como herdeiro do Lisboa Capital do Nada, um projeto de urbanismo tático que causou reações contraditórias entre as equipes do governo local da época, que – a priori – expressaram sua oposição devido à aparente negatividade que promovia o título desta atividade. Não demorou muito para perceberam que os diretores do programa apelavam para a possibilidade de que tudo pudesse acontecer, contentando-se os autarcas com a atividade somente depois de que os médios de comunicação social se fizeram eco e elogiaram a ação no bairro. É importante mencionar que, nesta altura, o Porto detinha o título de Capital Europeia da Cultura, enquanto Lisboa procurava o seu emblema de diferenciação, algo a que se agarrar em termos de marketing urbano, capaz de atrair turistas ou manter a sua posição internacional após a EXPO98. .

As edições da Luzboa foram um sucesso. Ambas trouxeram renomados artistas, profissionais de iluminação, pesquisadores, arquitetos… O festival tornou-se um espaço de troca de conhecimentos, experiências e propulsou muitos profissionais, que hoje estão espalhados pelo mundo (a inevitável mobilidade da classe criativa). Luzboa colocou Lisboa no olhar internacional novamente; no entanto, a segunda edição sofreu grandes reduções de orçamento, que, entre outros fatores, causou a cessação das edições deste festival.

A nível internacional, estes festivais foram bem recebidos pelas diferentes administrações durante os últimos vinte anos, criando-se aproximadamente um festival de luz por cada capital. As autarquias encontram neste tipo de programa cultural uma espécie de panaceia contemporânea para a reativação territorial por meio da implantação da arte na rua, sobretudo a partir de uma perspetiva de incitação ao turismo em baixa temporada, ou como estímulo à economia noturna. Muitos munícipes têm vindo a utilizar estes eventos para iniciar o grande público na frequência de museus, ou romper com a parede de vidro que os distancia da chamada arte erudita, ou seja, desenvolveram ações de democratização das artes e da cultura. De facto, existem muitas políticas públicas que foram lançadas com base nos excelentes resultados destes festivais, pois os resultados sempre foram positivos.

O Lumina Light Festival é talvez um dos melhores exemplos de sucesso nacional. Não só ele é capaz de atrair 400 000 pessoas durante os seus três dias de realização, e a consequente ativação econômica; mas conseguiu integrar redes internacionais, garantindo a circulação de artistas, curadores, profissionais de iluminação, etc. sem deixar de promover o intercâmbio de conhecimentos e as boas práticas. A cidade de Cascais, durante a realização do festival, torna-se um nó importante para os profissionais desta indústria cultural, bem como para os profissionais da indústria fotónica e adjacentes. Devemos ressaltar que a posição deste festival como um dos fundadores da Organização Internacional de Festivais de Luz (ILO em sua sigla em inglês) garante uma excelente posição, além de destacar sua liderança internacional no circuito especializado destes festivais. Por outro lado, é um motor de emprego (direto e indireto), e tem sido capaz de projetar o município internacionalmente, rejuvenescendo sua imagem – especialmente depois de ser considerado um dos melhores festivais de luz pelo jornal britânico The Guardian em 2014 [1].

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Figura 1. Ruas de Cascais durante o Lumina Light Festival em Cascais. Sept 2018. Manuel Garcia-Ruiz

Em 2017 e sob a tutela do programa Algarve 365, surgiu o festival Luza, que viria responder a uma necessidade latente de reposicionar o sul de Portugal como destino de férias para além do turismo de sol e praia. O objetivo era inserir Loulé no circuito de turismo cultural internacional. Hoje, duas edições mais tarde, está ainda em estágio embrionário, mas talvez consiga atingir seu propósito, de continuar o investimento e o compromisso assumido pela camara municipal e os investidores públicos e privado.

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Figura 2. Instalação interativa de Katja Heitmann. Ruas de Loulé. Nov 2018. Manuel Garcia-Ruiz

Obviamente, existem outros festivais em território nacional que poderiam, da mesma forma, ilustrar as oportunidades, desafios e barreiras na produção deste tipo de programas; assim como os benefícios diretos ou indiretos que têm para as cidades que os hospedam, seja na sua dimensão simbólica, urbana, cultural ou de promoção econômica. Devemos prestar atenção ao papel da cultura e das artes no espaço público, muitas vezes usando o patrimônio material como suporte nestes festivais, e em especialmente quando é usado com o intuito de mediar com comunidades, e trabalhar as suas relações de forma simbólica. Em qualquer caso, refletir sobre os contextos de criação, de mobilidade e construção de carreira dos atores, e retratar os públicos destes festivais se impõe na agenda de pesquisa imediata, porque estão aqui para ficar.

Nota:

[1] Beanland, C. (2014, 2 de setembro de 2014). Os 10 principais festivais de arte ligeira da Europa. The Guardian. Obtido em https://www.theguardian.com/travel/2014/sep/02/-sp-europe-top-10-light-art-shows

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