Acolhimento Familiar em Portugal

Dimensão analítica: Saúde e Condições e Estilos de vida

Título do artigo: Acolhimento Familiar em Portugal

Autora: Margarida Mesquita

Filiação institucional: Professora Auxiliar no Instituto Superior de Ciências Sociais e Politicas – Universidade de Lisboa e Colaboradora no Centro de Administração e Politicas Públicas

E-mail: mmesquita@iscsp.ulisboa.pt

Palavras-chave: acolhimento familiar, crianças em perigo, proteção de crianças e jovens.

As crianças são contemporaneamente reconhecidas enquanto sujeitos de direitos e os progenitores deixaram de ser socialmente aceites como “proprietários” dos seus filhos para passarem a ser fundamentalmente vistos como sujeitos a quem incumbem responsabilidades sobre os seus filhos.

No Preâmbulo da Convenção sobre os Direitos das Crianças afirma-se que a família é o “elemento natural e fundamental da sociedade e meio natural para o crescimento e bem-estar de todos os seus membros, e em particular das crianças” e reconhece-se “que a criança, para o desenvolvimento harmonioso da sua personalidade, deve crescer num ambiente familiar, em clima de felicidade, amor e compreensão”.

Contudo, nem sempre a família constitui um “porto seguro de desenvolvimento” sendo, nesses casos, legitima a intervenção que vise proteger os direitos da criança. Sempre que possível, esta intervenção deve privilegiar a manutenção da criança na família. No entanto, nalgumas situações não é possível e/ou recomendável manter a criança na família. Nestes casos, o Acolhimento Familiar, enquanto medida de promoção e proteção, pode constituir uma alternativa no sentido de a criança ser acolhida numa família que lhe irá dar guarida, recebe-la e protege-la, conforme o significado de acolher [1].

Considerando a opinião de vários especialistas e os resultados de alguns estudos, o Acolhimento Familiar constitui uma alternativa com algumas vantagens relativas, entre as quais: tratar-se de um contexto de vida mais próximo do que devia ser o ambiente natural de vida de uma criança, ou seja, viver em família; constituir uma oportunidade da criança desenvolver relações estáveis e seguras com os membros da família de acolhimento; e, os efeitos positivos no desenvolvimento da criança.

Em 2013, uma Recomendação da Comissão Europeia (2013/112/UE) preconiza, como uma das estratégias para “melhorar os serviços de apoio às famílias e a qualidade dos serviços de cuidados alternativos”, “pôr termo à multiplicação das instituições destinadas a crianças privadas de cuidados parentais, privilegiando soluções de qualidade no âmbito de estruturas de proximidade e junto de famílias de acolhimento, tendo em conta a voz das crianças”.

Em Portugal, a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP), na sua versão revista em 2015 (Lei n.º 142/2015), passou a estipular (artigo 46.º, 4 a) e b)) que se deveria privilegiar a aplicação da medida de acolhimento familiar sobre a de acolhimento residencial, “em especial relativamente a crianças até aos seis anos de idade”, salvo: “a) Quando a consideração da excecional e específica situação da criança ou jovem carecidos de proteção imponha a aplicação da medida de acolhimento residencial; b) Quando se constate impossibilidade de facto”.

Não obstante a alteração à lei, entre 2015 e 2017 a proporção de crianças e jovens em acolhimento familiar, em relação à proporção de crianças e jovens em casas de acolhimento residencial generalista, manteve-se praticamente inalterada (4% versus entre 96% a 96,5%) e em números absolutos continuou a decrescer, tal como já vinha ocorrendo desde 2009 [2]. Embora se note uma descida, entre 2015 e 2017, em termos de números absolutos de crianças e jovens acolhidos em ambos os sistemas.

Tabela 1. Evolução do número de crianças e jovens em famílias de acolhimento e em casas de acolhimento residencial generalista, de 2015 a 2017.

 

 

2015 2016 2017
F % F % F %
Crianças e jovens em famílias de acolhimento 303 3,8 261 3,5 246 3,6
Crianças e jovens em acolhimento residencial generalista 7617 96,2 7203 96,5 6583 96,4
Total 7920 100 7464 100 6829 100

Fonte de dados: Instituto da Segurança Social, I.P. (2018). CASA 2017 – Relatório de Caracterização Anual da Situação de Acolhimento das Crianças e Jovens

No que diz respeito à idade das crianças e jovens em acolhimento familiar, é de realçar que o número de crianças dentro do grupo etário relativamente ao qual a LPCJP considera que se deve privilegiar a aplicação da medida de acolhimento familiar, representa apenas 7% do total de crianças e jovens em acolhimento familiar, tanto em 2016 como em 2017. Contudo, embora o número de crianças, em acolhimento familiar, com idades compreendidas entre os 0 e os 3 anos tenha diminuído tal como sucedeu com o grupo de crianças com mais de 6 anos, verificou-se um aumento do número de crianças dos 4 aos 5 anos em situação de acolhimento familiar. Embora o número diminuto de crianças a que é aplicada esta medida e o pouco tempo decorrido desde a revisão da Lei não permitam uma análise mais aprofundada será interessante continuar a acompanhar a sua evolução.

Tabela 2. Crianças e Jovens em Acolhimento Familiar por grupo etário, de 2016 a 2017

2016 2017
F % F %
0-3 anos 14 5,4 8 3,3
4-5 anos 4 1,5 10 4,1
Total 18 6,9 18 7,3
6-20 anos 243 93,1 228 92,7
Total 261 100 246 100

Fonte de dados: Instituto da Segurança Social, I.P. (2018). CASA 2017 – Relatório de Caracterização Anual da Situação de Acolhimento das Crianças e Jovens

Não obstante o número reduzido de crianças a quem foi aplicada a medida de acolhimento familiar, um estudo realizado com uma amostra da população portuguesa [3] concluiu que apesar de existirem “poucos conhecimentos” acerca da realidade do acolhimento se verificava “uma atitude favorável face ao acolhimento familiar e uma elevada disponibilidade dos inquiridos para se tornarem família de acolhimento” [4].

Por outro lado, Paulo Delgado e Eliana Gersão [5] numa análise explicativa e crítica das novas disposições legais introduzidas pela revisão da LPCJ, concluem “que as alterações legais, mesmo sendo globalmente positivas, só produzirão resultados concretos combinadas com estratégias de intervenção que divulguem, apoiem e financiem de modo justo o acolhimento familiar, devendo adotar-se de imediato os procedimentos necessários à seleção e formação de novas famílias de acolhimento”.

Donde, importa compreender melhor as razões (legais, relacionadas com o próprio sistema de promoção e proteção de crianças e jovens e/ou, ainda, relacionadas com as potenciais famílias de acolhimento) que em Portugal podem dificultar a aplicação da medida de acolhimento familiar sempre que uma criança se encontra em perigo e com base no diagnóstico social se recomenda a sua retirada à família.

Notas

[1] Dicionário de Língua Portuguesa, Porto Editora.

[2] “O universo das crianças e jovens em famílias de acolhimento tem vindo a sofrer uma diminuição progressiva desde 2009, do que resulta um acentuado desequilíbrio entre os elevados números de medidas de acolhimento em Casas de Acolhimento- CAT ou LIJ e os baixos números das medidas de acolhimento familiar” Relatório CASA 2015 ISS – DDSP/UIJ Pág. 34-35.

[3] Constituída por 270 indivíduos, com idades compreendidas entre os 19 e os 65 anos de idade.

[4] Negrão, Mariana, Moreira, Marina, Veríssimo, Lurdes, & Veiga, Elisa. (2019). Conhecimentos e perceções públicas acerca do acolhimento familiar: Contributos para o desenvolvimento da medida. Análise Psicológica37(1), 81-92. https://dx.doi.org/10.14417/ap.1564

[5] Delgado, Paulo, & Gersão, Eliana. (2018). Foster care in the new legal framework: New speeches, new practices?. Análise Social, (226), 112-134. https://dx.doi.org/10.31447/AS00032573.2018226.05

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