A controvérsia em torno de Almaraz

Dimensão analítica: Ambiente, Espaço e Território

Título do artigo: A controvérsia em torno de Almaraz

Autor: José Pedro Silva

Filiação institucional: Instituto de Sociologia da Universidade do Porto

E-mail: j.silva.pedro@gmail.com

Palavras-chave: Almaraz, energia nuclear, controvérsia.

Nos últimos meses, uma central nuclear espanhola, construída em 1981 na margem do Tejo a cerca de cem quilómetros da fronteira com Portugal, tem estado em foco na comunicação social portuguesa. Tal facto deve-se em boa parte à decisão do governo Espanhol no sentido de instalar um armazém de resíduos nucleares em Almaraz, indiciando assim o prolongamento da vida da central aí existente. Esta resolução foi contestada pelo Estado português que, alegando não terem sido devidamente avaliados os impactos transfronteiriços, apresentou, em Janeiro passado, uma queixa contra Espanha na Comissão Europeia. Os dois Estados chegaram entretanto a um acordo: Portugal retirou a referida queixa e Espanha comprometeu-se a não licenciar o armazém nem avançar com o projeto de forma irreversível sem um processo de consulta prévio que envolva as autoridades portuguesas. Entre o momento em que a decisão do Governo espanhol que confirmou a construção deste armazém foi tornada conhecida, em Dezembro de 2016, e o anúncio do acordo entre os dois países ibéricos, em finais de Fevereiro de 2017, assistimos a uma multiplicação de notícias, artigos de opinião e comentários sobre a central nuclear de Almaraz, revelando-se e mediatizando-se uma certa inquietação de muitos ambientalistas, políticos e especialistas dos dois lados da fronteira.

Esta controvérsia recente em torno de Almaraz recorda-nos que, apesar de Portugal não ser um país produtor de energia nuclear, o tema não está tão distante da realidade nacional quanto se poderia à partida pensar. De facto, não foi esta a primeira vez que aquela estrutura surgiu nos media nacionais. Para além disso, a construção de uma central nuclear em solo português já foi por várias vezes discutida ao longo do tempo. Assim, a atividade do movimento ambientalista português foi marcada, sobretudo na segunda metade dos anos de 1970, mas também no início da década seguinte, pela oposição ao nuclear, caracterizada, primeiro, pela luta contra a introdução da produção deste tipo de energia em Portugal e, depois, também pela contestação às centrais espanholas mais próximas da fronteira [1], como é o caso de Almaraz. E lembramos que, na década passada, um grupo de investidores anunciou a intenção de construir uma central nuclear em Portugal, reanimando assim a discussão por algum tempo.

São muitas as vozes críticas deste tipo de energia, chamando a atenção para aspetos como os custos e os riscos associados, a dificuldade em gerir os resíduos radioativos [2] e a elevada quantidade de água necessária para arrefecer os reatores, bem como para as consequências negativas desse processo junto dos ecossistemas aquáticos [3]. No entanto, num tempo em que existe um consenso científico alargado sobre a necessidade de procurar alternativas ao paradigma dos combustíveis fósseis, ela é por vezes apontada como uma alternativa a considerar. Neste sentido, a defesa da energia nuclear foi feita, entre outros, pelo célebre cientista independente James Lovelock, para quem ela é segura e fiável, isto apesar de estar associada a um sentimento de medo que, na sua opinião, é irracional e tem sido alimentado pelo movimento ambientalista, pelos media e por uma certa ficção ao estilo de Hollywood. [4].

Mas a preocupação que a instalação de um depósito de resíduos nucleares, e, sobretudo, o eventual prolongamento da existência da central nuclear de Almaraz têm gerado no nosso país não é de todo irracional. Em primeiro lugar, é fácil recolher um amplo conjunto de informações pouco ou nada tranquilizadoras sobre esta estrutura através de uma breve pesquisa em sites de televisões, rádios e jornais portugueses. Inicialmente, o desmantelamento desta central nuclear estava previsto para o ano de 2010, tendo esse prazo sido depois adiado para 2020. Teme-se que o novo armazém de resíduos esteja associado a uma nova extensão da sua vida. A idade da central, bem como a tecnologia que utiliza, preocupam vários comentadores, sentimento que é agravado pelo número de avarias registado, que tem sido considerado elevado, e por dúvidas em relação à qualidade das peças utilizadas. A tudo isto acrescem os efeitos negativos do arrefecimento dos reatores para os ecossistemas do Tejo.

Acresce ainda que a energia nuclear é um exemplo paradigmático dos riscos da modernidade, tal como o sociólogo Ulrich Beck os definiu poucos anos depois do desastre de Chernobyl. Consequência do crescimento das forças produtivas, eles consistem na ameaça de desastres de consequências imprevisíveis que tanto poderão concretizar-se num momento indeterminado como nunca chegar a acontecer. Assim, tais riscos são incalculáveis e tremendamente imprevisíveis, estando por isso sempre sujeitos a debate e controvérsia, como tão bem mostra este caso. São também universais, invisíveis e latentes, apresentando muitas vezes um potencial de destruição maciço [6]. Nesta perspetiva, torna-se mais difícil a defesa da energia nuclear como alternativa aos combustíveis fósseis, mesmo tendo em conta a urgência de que se reveste a redução das emissões de carbono. E torna-se também difícil entender e aceitar que a vida de uma central nuclear com as especificidades que têm sido reveladas sobre Almaraz possa ser prolongada.

Notas

[1] Guimarães, Paulo E.; Fernandes, Francisco R. Chaves (2016), Os conflitos ambientais em Portugal (1974-2015): uma breve retrospetiva, In Paulo E. Guimarães e Juan D. Pérez Cebada (Eds.) – Conflitos Ambientais na Indústria Mineira e Metalúrgica: o Passado e o Presente, Évora e Rio de Janeiro: Centro de Investigação em Ciência Política – Universidade de Évora e Centro Tecnologia Mineral, Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.

[2] Haverkamp, Jan (2015), Nuclear power and climate change: arisky and dangerous diversion from solutions, disponível em URL [Consult. 04 Mar 2017] www.greenpeace.org/international/Global/international/briefings/climate/COP21/Nuclear-Power-and-Climate-Change.pdf

[3] Sierra Club (s.d.), How nuclear power worsens climate change, disponível em URL [Consult.  04 Mar 2017] <https://content.sierraclub.org/grassrootsnetwork/documents/sierra-club-nuclear-free-campaign-fact-sheet-how-nuclear-power-worsens-climate-change>

[4] Lovelock, James (2004), Nuclear power is the only green solution, Independent, 23 Mai, disponível em URL [Consult. 04 Mar 2017] <http://www.independent.co.uk/voices/commentators/james-lovelock-nuclear-power-is-the-only-green-solution-564446.html>

[5] Beck, Ulrich (1992), Risk Society. Towards a new modernity, London: Sage.

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