Circularidade em movimento?

Dimensão analítica: Economia e Política

Título do artigo: Circularidade em movimento?

Autora: Ana Luísa Coelho

Filiação institucional: Faculdade de Economia da Universidade do Porto

E-mail: alcoelho.pt@gmail.com

Palavras-chave: Sustentabilidade, Economia Circular, Participação das empresas.

O ser humano explora o planeta sem considerar as suas limitações, e o deteriorar do meio ambiente tem efeitos devastadores para a saúde do ser humano e, consequentemente, para a economia. Os efeitos negativos causados pelo modelo económico dominante estão a ameaçar a estabilidade das economias e a integridade dos ecossistemas naturais essenciais para a sobrevivência da humanidade. Qual o contributo da Economia Circular para a nossa sustentabilidade?

Para falar sobre Economia Circular (EC) é importante distinguir entre modelo económico linear e modelo económico circular. O linear assenta numa cadeia tradicional que “extrai recursos – produz bens – deposita resíduos” com perda potencial de valor económico e ambiental. O circular procura abandonar este conceito linear de produção ao incluir as externalidades socio-ambientais que o processo produtivo constrói e ao reduzir a utilização de recursos naturais e produção de resíduos, e representar economia para as empresas [1] [2] [3].

Todo o trabalho, enraizado em inúmeras escolas de pensamento [4] [7] [8], da Fundação Ellen MacArthur [3] é usado como base nuclear para definir a EC, sendo este um conceito muito amplo. A EC refere-se a uma economia industrial que é restauradora por natureza; conta com as energias renováveis; diminui, rastreia, e elimina o uso de químicos tóxicos; e erradica os resíduos através do design. Este conceito vai além da produção e consumo de bens e serviços (exemplos incluem reconstruir capital incluindo o social e o natural, e a mudança de consumidor para utilizador). Fundamenta-se no estudo dos sistemas vivos não lineares, pretendendo acabar com problemas do actual sistema como 80% das matérias-primas terem um fim de vida como resíduo, a volatilidade dos preços das matérias-primas e o facto de materiais como o ouro, a prata, o índio e o volfrâmio (vitais para o setor da indústria e da saúde) poderem esgotar-se [3].

EC tem duas vertentes: (a) maior eficiência dos processos produtivos procurando total utilização dos recursos naturais e (b) redução de geração de resíduos sustentadas por medidas como a concepção ecológica; a reparabilidade; a reutilização; a durabilidade; a biodegrabilidade e a reciclabilidade dos produtos. Trata-se de uma teia complexa de análise do processo produtivo com todas as suas relações e parcerias.

Ao nível da Comissão Europeia pode dizer-se que a EC tem o seu início em 2012 com o Manifesto por uma Europa Eficiente em Recursos em que se afirma que a EC conduziria a crescimento económico estável com grandes oportunidades de negócio [2]. Mas um dos desenvolvimentos mais significativos na EC apenas acontece em 2015 com a adopção do Pacote Europeu para a EC pela Comissão Europeia que visa estimular e facilitar a transição para uma EC para reforçar a competitividade a nível mundial, promover o crescimento económico sustentável e criar novos postos de trabalho. A EC inclui diversas estratégias e ferramentas como a Ecologia Industrial (métodos de produção industrial com menor impacto ambiental) [4]; a Simbiose Industrial (relação entre empresas, onde se permutam resíduos e subprodutos, resultando em vantagens económicas competitivas [5]), o Eco-design (concepção ecológica que visa a melhoria ambiental dos produtos [6]), o Design regenerativo (sistema que repõe locais anteriormente poluídos ou degradados em locais saudáveis através de intervenção humana [7]) e o Design Cradle to Cradle (elimina o conceito de resíduo, pois o produto e o seu processo produtivo são pensados como componentes e matérias primas para serem totalmente reutilizados em novos processos produtivos [8]).

De acordo com este pacote europeu os benefícios da EC são diversos. Pode significar (i) criação de 580 000 empregos até 2035, (ii) redução das emissões de carbono na UE em 450 milhões toneladas/ano e (iii) poupança de 600 mil milhões de euros para as atividades económicas na EU, equivalente a 8% do seu volume de negócios anual [6] já que prima pela produção sustentável mesmo perante limitações como a escassez de recursos, a volatilidade de preços das matérias-primas, a produção de resíduos, a degradação do ambiente e as alterações climáticas.

A EC é uma abordagem sistémica em que se procura (i) zero resíduos; (ii) criar resiliência; (iii) usar energias provenientes de fontes renováveis; (iv) compreender como as partes se relacionam dentro de um todo e o todo com as partes e (v) extrair valor adicional de produtos e materiais em cascata [3].

Analisar a cadeia de valor clarifica a natureza de riscos existentes e passíveis de existir e facilita o avaliar das potencialidades de sinergias ou de alterações no processo produtivo. Conhecer várias práticas de EC permite uma compreensão mais abrangente de como operacionalizar EC. Através do projecto LOWaste (Local waste market for second life products), o município de Ferrara, em Itália, está a testar um padrão de EC baseado em não gerar resíduos, reutilizar produtos e reciclar material apoiado por uma parceria público-privada [9]. No município de Kalundborg na Dinamarca, a Simbiose de Kalundborg é um ecossistema industrial, em que o subproduto de uma empresa é usado como recurso por outra num ciclo fechado. É através desta simbiose industrial que, com a colaboração local entre empresas públicas e privadas, se compram e vendem subprodutos, resultando em benefícios ambientais e económicos para ambas [5]. A indústria, nestes exemplos, procurou não ameaçar aspectos-chave da sustentabilidade do planeta (recursos limitados, sobre-exploração de recursos e sobre-população), visou uma abordagem de desenvolvimento económico dissociada dos recursos limitados com vantagens para todos, exemplificando o passar do conceito à prática através da participação de empresas.

A EC é uma abordagem alternativa para a cadeia de valor, um elemento chave na mudança para melhoria das realidades industriais complexas e poluidoras. O crescimento da EC tem de ser entendido dentro do contexto económico e político de mudanças significativas nas práticas de negócio e de mentalidade.

Notas

[1] Sachs, I. (2007), Rumo à Ecossocioeconomia: Teoria e Prática do Desenvolvimento, São Paulo: Cortez.

[2] European Commission (2014), MEMO, Questions and Answers on the Commission Communication “Towards a Circular Economy” and the Waste Targets Review, Disponível em URL [Consult. 11 Mai 2016]: <http://europa.eu/rapid/press-release_MEMO-14-450_en.htm>.

[3] Ellen MacArthur Foundation (2012), Towards the Circular Economy, Disponível em URL [Consult. 11 Mai 2016]: <http:// www.ellenmacarthurfoundation.org/business/reports>.

[4] Frosch, R.; Gallopoulos, N. (1989), Strategies for Manufacturing, Scientific American 261, 144-152.

[5] Kalundborg Symbiosis (http://www.symbiosis.dk/en).

[6] COM(2015) 614 final “Fechar o ciclo – plano de ação da UE para a economia circular”, Disponível em URL [Consult. 13 Mai 2016]: <https://ec.europa.eu/transparency/regdoc/rep/1/2015/PT/1-2015-614-PT-F1-1.PDF>.

[7] Lyle, J. (1994), Regenerative design for sustainable development, John Wiley & Sons, Hoboken

[8] McDonough, W.; Braungart, M. (2005), Cradle to Cradle. Remaking the way we make things, 188.

[9] LOWaste (http://www.lowaste.it/).

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