A mulher chega à frente: negócios informais em contexto de crise

Dimensão analítica: Economia e Política

Título do artigo: A mulher chega à frente: negócios informais em contexto de crise

Autora: Joana Serpa

Filiação institucional: Técnica Serviço Social /Coordenação de Projetos

E-mail: j.cruz.serpa@gmail.com

Palavras-chave: Mulheres, Crise económica e social, Negócios informais.

No contexto de crise e de austeridade dos últimos anos, algumas mulheres têm vindo a encontrar soluções com o objetivo de enfrentar a redução de rendimentos e das condições de vida das suas famílias. A emergência de negócios informais, de base doméstica, liderados por mulheres surge como uma face oculta do empreendedorismo tão em voga.

Esta perspetiva feminina de resposta à crise e a sua relação com o bem-estar das suas famílias pode ser analisada à luz de diferentes enquadramentos teórico-conceptuais, tais como o abrangente e pouco consensual, conceito de estratégia. Num olhar mais real e individualizado, encontramos mulheres que empregam o seu tempo e as suas competências iniciando pequenos negócios informais, discretamente exercidos em casa, relacionados com a produção alimentar e com o fabrico de artesanato.

A venda dos produtos depende fortemente das redes de contactos estabelecida entre família, amigos e vizinhança: o passar da palavra permite alcançar novos clientes. A palavra passa de boca-a-boca, mas também através das redes sociais.

Feiras e pequenos mercados costumavam ser locais privilegiados de venda, porém o início da crise levou a um aumento do número de vendedores e a um aumento do número e da dimensão das feiras, que consequentemente conduziu a um acréscimo da fiscalização. Vender numa feira sem estar coletada nas finanças e sem licença é um risco que algumas destas mulheres encaram semanalmente, enquanto outras procuram evitar.

As motivações e objetivos que movem estas mulheres podem divergir, contudo, a origem destes pequenos negócios está, de uma forma geral, relacionada com o impacto da crise económica e das medidas de austeridade nas condições de vida destas mulheres e das suas famílias.

Fatores não económicos são igualmente importantes para avançar com um pequeno negócio, tais como a possibilidade futura de autonomização face a uma entidade patronal, a criatividade e, principalmente, a possibilidade de dedicar-se a uma atividade de que se gosta e de rentabilizar competências e conhecimentos adquiridos recentemente ou transmitidos pela família. São mulheres com determinação e capacidade de identificar as suas potencialidades e utilizá-las a favor do seu bem-estar e do das suas famílias num contexto socioeconómico pouco favorável. As competências que aplicam no seu negócio dificilmente são reconhecidas e otimizadas no mercado de trabalho formal. Constata-se nestas mulheres a satisfação, não apenas pelo contributo no rendimento, mas também pelo reconhecimento das suas capacidades.

Os custos envolvidos nestas produções domésticas são, na sua maioria, os das matérias-primas, pois o valor da mão-de-obra nunca é considerado e refletido no preço de venda.

Os rendimentos auferidos não são elevados e variam mensalmente. Na maioria dos casos os rendimentos são colocados à disposição da família, permitindo pagar as despesas fixas (água, eletricidade e gás), compras de mercearia do dia-a-dia e a aquisição de tablets ou roupa e calçado de marca para os seus filhos. A compra destes bens não essenciais permite aos filhos um melhor enquadramento nos seus grupos de pares.

Quando as condições económicas das famílias asseguram as despesas básicas, o dinheiro obtido é utilizado em atividades extraordinárias, garantindo a manutenção do padrão de vida anterior à crise.

Os pequenos negócios implementados por estas mulheres enquadram-se na economia não registada, ou na economia informal. Apesar da conotação negativa dos termos referidos, estes negócios domésticos não perdem a sua legitimidade pelo seu contributo para a dignidade destas mulheres e para o bem-estar das suas famílias.

O Estado constituiu os cidadãos como os principais controladores fiscais das atividades económicas. Independentemente do sucesso desta medida, as pessoas mantêm a predisposição para participar em circuitos informais e de proximidade, onde a genuinidade e unicidade se substituem às regras estipuladas relativamente a segurança, a higiene e a retenção de impostos.

As características dos negócios aqui abordados expõem a discrepância entre a legislação fiscal e a realidade de grande parte das famílias portuguesas. Nesta situação específica, os montantes obtidos dificilmente permitiriam cobrir os custos das obrigações legais às finanças e à segurança social, associados à formalização destes pequenos negócios.

Coloca-se, então, a questão: Estes pequenos negócios domésticos deverão ter um enquadramento legal ajustado, ou serão atividades próprias da esfera doméstica, nas quais o Estado não deverá intervir?

Por fim, estas atividades revelam-se ainda circuitos de dádiva e de reciprocidade, através da partilha de produtos, da prática de oferendas e contra oferendas. Mantêm, entre outras, a possibilidade de fazer ofertas de gratidão às educadoras dos filhos, assim como a amigos e familiares em datas especiais. São ações que reconhecem a valorização das relações interpessoais e do bem-estar em detrimento do lucro.

Os elementos femininos suportam os efeitos da crise e da austeridade direta e indiretamente através dos constrangimentos dos restantes elementos das suas famílias, sendo um dos grupos mais afetados pela crise [2]. Ao mesmo tempo, as mulheres desempenham um papel importante de resistência à crise, sendo muitas vezes consideradas como elementos amortecedores ao choque das crises económicas pelo seu papel fundamental nas estratégias implementadas, não apenas para a manutenção dos padrões de vida anteriores à crise, mas principalmente com vista à melhoria das suas condições de vida [3].

O que resolve qualquer coisa, solução, decisão” [4] é um dos significados etimológicos da palavra Crise. Estes pequenos negócios, de base doméstica, liderados por mulheres constituem-se como pequenas soluções para o quotidiano das suas famílias.

Notas

[1] Texto baseado em: Serpa, J. (2015), Negócios informais implementados por mulheres em contexto de crise – contributo para um estudo na região de Lisboa, Mestrado em Economia Social e Solidária, Lisboa, ISCTE-IUL.

[2] Comissão dos Direitos da Mulher e da Igualdade dos Géneros (2013) Relatório sobre o impacto da crise económica na igualdade de géneros e nos direitos da mulher, Parlamento Europeu. Disponível em URL [Consult. 10 março 2015]: <http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?type=TA&reference=P7-TA-2013-0073&language=PT&ring=A7-2013-0048>.

[3] Frias, S. (2006), Mulheres na Esteira, Homens na Cadeira?, Lisboa, ISCSP – UTL.

[4] Machado, J. P. (1977), Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, Lisboa, Livros Horizonte.

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