Dimensão analítica: Saúde
Título do artigo: A medicina aeronáutica na vanguarda da medicina preventiva
Autor: Paulo Soares
Filiação institucional: Investigador FCT e Comandante Linha Aérea
E-mail: ps.airlaw@gmail.com
Palavras-chave: medicina, aviação, aeronáutica.
Os pilotos bem como todos os tripulantes de certas aeronaves devem ter uma robustez física e mental irrepreensível, pelo que se torna importante e fundamental para a segurança aérea que os mesmos sejam submetidos a uma avaliação médica periódica de acordo com os mais altos padrões internacionais.
As funções que executam a bordo das aeronaves, em especial aquelas diretamente ligadas com a segurança do próprio voo, obrigam a que as organizações e autoridades aeronáuticas tenham um especial cuidado com a certificação destes profissionais.
Os diferentes certificados médicos aeronáuticos, tanto para pilotos, engenheiros de voo, como controladores de tráfico aéreo e tripulantes de cabine, são diretamente proporcionais ao grau de exigência a que estão sujeitos no respetivo ambiente de trabalho, bem como as condições de emissão, manutenção, alteração, restrição, suspensão ou revogação desses mesmos certificados têm que obedecer a critérios muito apertados do ponto de vista clinico.
Ora, para critérios tão exigentes é exigido que os profissionais de saúde envolvidos nos exames específicos tenham no mínimo sensibilidade para esta área tão singular da medicina, mas em especial formação, formação essa que tem que ser reconhecida nacional e internacionalmente, tornando-os assim examinadores médicos aeronáuticos.
No presente, um médico que esteja integralmente qualificado e licenciado para a prática de medicina, pode habilitar-se à obtenção de um certificado de examinador médico aeronáutico para certificados médicos classe 2, desde que frequente com êxito um curso de formação básica em medicina aeronáutica e demonstrar à autoridade médica aeronáutica, no momento da auditoria de certificação de que dispõe das instalações, dos procedimentos, da documentação e dos equipamentos operacionais adequados para realizar os exames aeromédicos e tem previstos os procedimentos e condições necessários para garantir o segredo médico.
Em Portugal, por força da pressão legislação comunitária, mas sobretudo pela consciencialização da importância desta vertente médica nas ciências terapêuticas preventivas, caminha-se a passos largos para a criação na Ordem dos Médicos do colégio de medicina aeronáutica, abrindo a estes profissionais uma nova possibilidade de profissionalização, ou até, e só, uma oportunidade de colherem ensinamentos numa área de forte investimento e especificidade, aplicando no seu quotidiano clinico os conhecimentos entretanto adquiridos.
O exercício da atividade de médico examinador aeronáutico está reservado a médicos reconhecidos como tal, aos centros de medicina aeronáutica autorizados, ambos tendo que cumprir os requisitos técnicos e os procedimentos administrativos previstos a assim serem objeto da respetiva certificação.
Os examinadores médicos aeronáuticos, com base em critérios objetivos e não discriminatórios, para efeitos do caso em apreço, em consulta com peritos em operações aéreas ou outros peritos considerados necessários, determinam a aptidão médica de uma pessoa com base na avaliação da história clínica dessa pessoa e/ou nos exames aeromédicos requeridos pela legislação especifica e noutros exames considerados necessários.
Ao determinarem a aptidão médica do candidato, APTO ou NÃO APTO, o examinador médico aeronáutico fará com que o respetivo certificado médico seja objeto de emissão, quiçá com restrições, ou pelo contrário não dando possibilidade a essa emissão.
Sendo negada a emissão ou emitido o certificado médico com restrições, o requerente de um qualquer certificado médico aeronáutico poderá sempre solicitar à autoridade aeronáutica médica nacional a reapreciação secundária do seu processo clinico.
A validade de um certificado médico é aquela que for exibido no certificado. No caso dos certificados médicos de classe 1, em regra, serão válidos por um período de 12 meses, sendo que a validade é reduzida automaticamente para 6 meses se o titular estiver envolvido em operações de transporte aéreo comercial de passageiros e já tiver completado 40 anos de idade, ou tenha completado 60 anos de idade nas demais operações aéreas.
Por outro lado, um tripulante com certificado médico válido, poderá ver-se diminuído na sua aptidão médica tão só por utilizar medicamentos, prescritos ou não por médico, que sejam suscetíveis de interferir na segurança de voo.
Além disso, um tripulante deve consultar, sem demora, um especialista em medicina aeronáutica sempre que tenha sido submetido a uma operação cirúrgica ou a um procedimento invasivo, tenha sofrido uma lesão física significativa que o incapacite para o exercício da sua função em voo, se padecer de doença grave, esteja grávida, tenha sido internado num hospital ou clinica médica, ou até se começar a precisar de lentes corretivas, determinando de imediato a inibição do exercício dos privilégios da licença de voo de que é titular e respetivas qualificações ou certificados conexos nela averbados.
Também um aluno piloto não deverá voar a solo se não possuir o certificado médico exigido pela licença que pretende obter.
Para se compreender o grau de aptidão médica dos tripulantes, poder-se-á dar como exemplo os requisitos médicos exigidos nos certificados de classe 1 e 2, pois os seus titulares não derem ter qualquer anormalidade, congénita ou adquirida, doença ou deficiência ativa, latente, aguda ou crónica, ferimento, lesão ou sequelas de uma operação ou efeito direto ou secundário de qualquer medicação terapêutica que implique um grau de incapacidade funcional suscetível de interferir no exercício seguro dos privilégios da licença em causa, ou que possa causar incapacidade súbita do titular para exercer com segurança os privilégios da sua licença.
O leque de exames de especialidade que devem constar num processo clinico aeronáutico é composto por exames do sistema Cardiovascular, sistema Respiratório, sistema Digestivo, sistema Metabólico e Endócrino, de Hematologia, sistema Urogenital, de doenças infeciosas, de Ginecologia e Obstetrícia, do sistema Musculo- Esquelético, Psiquiatria, Psicologia, Neurologia, sistema Visual e visão cromática, Otorrinolaringologia, Dermatologia e Oncologia, sendo que o seu grau de exigência está diretamente relacionado com a classe de certificado em questão.
Perante estes graus de exigência médica dos titulares de um certificado médico aeronáutico bem como dos responsáveis pela sua emissão, revalidação ou renovação, concretamente tripulantes e examinadores médicos aeronáuticos, sempre numa perspetiva clinica preventiva, parece-nos que o transporte aéreo, na vertente referente à saúde física e mental dos seus profissionais de voo, é um meio de transporte seguro e fiável.
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Artigo deveras interessante e particularmente relevante, mas um pouco redutor na sua abordagem. Sinto-me assim compelido a tecer alguns comentários e introduzir algumas correcções na formulação explícita.
Tomando como exemplo o contexto do direito e segundo Raz, (in Raz, Joseph. 2009. Between Authority and Interpretation. Oxford: Oxford University Press) é perfeitamente aceitável que uma pessoa profira uma afirmação acerca do que alguém deve juridicamente fazer sem que essa mesma pessoa aceite, ele próprio, que se deva obediência ao direito. É o que habitualmente fazem os juristas quando descrevem o conteúdo do direito (quer se trate de descrever o seu próprio sistema jurídico, quer se trate de sistemas estrangeiros ou passados).
Tendo este conceito em mente, a certificação médica do pessoal envolvido na actividade aérea, desde técnicos de manutenção aeronáutica, controladores de tráfego (e não tráfico…) aéreo e os tripulantes de aeronaves é uma das faces mais visíveis da Medicina Aeronáutica, pela estruturação do exercício e regulamentação do ato médico, mas constitui uma parte ínfima do seu âmbito.
A Medicina Aeronáutica é dirigida para todos os que estão sujeitos às condições ambientais do voo, independentemente, do seu estado de saúde e que passa pelo conhecimento das condições físicas e psíquicas que podem condicionar a adaptação do ser humano a esse meio, nomeadamente, aqueles que lhe são particularmente susceptíveis. Trata-se de uma área do saber médico multidisciplinar e interdisciplinar, sobre os fenómenos de saúde/doença em meio potencialmente hostil.
A criação da Competência em Medicina Aeronáutica na Ordem dos Médicos resulta da necessidade da regulação do exercício médico, neste âmbito, a nível nacional, a qual passa, entre outros aspectos mas não exclusivamente, pela formação adequada dos médicos envolvidos.
Tendo em consideração que uma Competência é um título que reconhece habilitações técnico-profissionais comuns a várias especialidades é naturalmente aceitável que a intervenção da Medicina Aeronáutica seja um pouco mais abrangente.
Desde a prevenção primária, passa sobretudo pela intervenção médica e cirúrgica sobre a população alvo específica, ou até, numa visão mais vasta e adequada à realidade do mundo actual, sobre a população em geral quando sujeita ao transporte por via aérea, a Medicina Aeronáutica não se restringe apenas à sua componente de certificação e não é um ramo da medicina preventiva.
As evacuaçãos aeromédicas e intervenções do foro da Saúde Publica, como por exemplo, o estudo da dinâmica de epidemias, nas quais o transporte aéreo é um dos principais vectores, constituem apenas dois exemplos da sua diversidade.
Apraz-me, no entanto, verificar que outros profissionais, nomeadamente, peritos em direito aéreo, tenham uma visão tão generosa e um pensamento tão bem estruturado sobre a certificação médica de tripulantes e sobre o seu modesto contributo para a segurança da aviação.
João Costa Ribeiro
Medical Assessor
Instituto Nacional da Aviação Civil