Pescadores e moradores. A perceção do risco sobre a erosão costeira e galgamento oceânico em núcleos urbanos antigos na Costa da Caparica e em Espinho

Dimensão analítica: Ambiente, Espaço e Território

Título do artigo: Pescadores e moradores. A perceção do risco sobre a erosão costeira e galgamento oceânico em núcleos urbanos antigos na Costa da Caparica e em Espinho

Autor: João Lutas Craveiro

Filiação institucional: Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais do Departamento de Edifícios do Laboratório Nacional de Engenharia Civil

E-mail: jcraveiro@lnec.pt

Palavras-chave: Risco, Território, Vulnerabilidade.

O Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), através do atual Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT), e em parceria com a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH/UNL), desenvolve um projeto financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia sobre políticas de território e conflitos ambientais, na relação com a erosão costeira. O projeto intitula-se Regulações e Conflitos Ambientais Devido à Erosão Costeira (PTDC/CS-SOC/103202/2008) e contempla, entre outros aspectos, a perceção dos riscos associados à perda de território e galgamento oceânico. No âmbito deste projeto consideraram-se diversos fatores de geomorfologia, da ação do mar e da ocupação do território assim como fatores de perceção do risco, que foram já objeto de discussão [1].

O presente artigo explora resultados descritivos e correlacionais decorrentes da realização de inquéritos durante 2012. Os inquéritos suportaram igualmente a construção dos fatores de vulnerabilidade, nomeadamente sobre a perceção do risco. Foram aplicados, com recolha direta, em núcleos de pescadores e moradores na Fonte da Telha/Costa da Caparica (caso de estudo a sul) e em Paramos/Espinho (caso de estudo a norte), e constituíram um dos momentos privilegiados da análise dos conflitos ambientais [2]. Os núcleos de pescadores localizam-se em áreas de risco identificadas nos Planos de Ordenamento da Orla Costeira, e sob também indicações reunidas no decurso de entrevistas exploratórias a stakeholders e políticos locais em fase anterior. Realizaram-se 70 inquéritos (36 em Espinho e 34 na Costa da Caparica) a pescadores e moradores na zona, tendo-se abrangido dois núcleos urbanos. Os inquiridos são na sua maioria homens, pescadores ou reformados anteriormente dedicados à pesca, com uma média de idades que ronda os 60 anos, com baixos níveis de escolaridade (80% dos inquiridos não têm mais que 4 anos de escolaridade). Ambas as localidades apresentam uma matriz de evolução semelhante, a partir de pequenos núcleos de pescadores e com uma complexificação e densidade urbanas crescentes. Contudo, em Paramos a evolução urbana traduz uma mutação de menor intensidade, quanto ao número e tipo de habitações, mantendo-se um tipo de habitação que derivou de antigos palheiros e de anexos para apoio à atividade da pesca.

Na Costa da Caparica verifica-se uma maior diferenciação e dispersão das habitações dos pescadores (na Fonte das Telha e por urbanizações mais recuadas), o que terá influenciado o sentimento de segurança quanto à ameaça do mar. No entanto, 93% do total de inquiridos recorda ter havido anteriormente inundações, percentagem não muito diferente para ambas as populações. Estas populações desenvolveram igualmente uma relação instrumental com os territórios, participando na construção das suas habitações, num espaço vicinal de ocupação familiar ligado à atividade piscatória. Contudo, recordam uma zona de areal mais extensa, referindo o facto de o mar ter avançado cerca de 80 metros (Espinho) ou 300 metros (Costa da Caparica).

Na Fonte da Telha/Costa da Caparica prevalece uma opinião marcadamente negativa sobre as obras de proteção costeira (referindo-se essencialmente os esporões e infraestruturas fixas que, apesar de protegerem as zonas abrangidas, deixam outras desprotegidas). Em Paramos, e devido a novas construções de proteção junto ao núcleo urbano inquirido, a opinião sobre as obras de proteção é maioritariamente positiva. No entanto, em ambos os casos, não está em questão o tipo de obra (esporões, paredões), que se requer de carácter intrusivo com rejeição de outras intervenções mais suaves como a alimentação artificial das praias ou a reconstrução dunar. O que está em causa é a reclamação da proteção absoluta das populações.

Particularmente curiosa é a perceção sobre a extensão do areal (comparando com 30 e 40 anos atrás) conjugada com um sentimento de segurança quanto à erosão ou galgamento oceânico. Estas questões compõem, no questionário, um indicador de (in)congruência que contribui para a vulnerabilidade social face à exposição aos riscos. Deste modo, cerca de 75% dos inquiridos na Costa da Caparica indicam que a situação atual é muito mais grave, mas igualmente 76% afirmam sentirem-se totalmente seguros quanto aos riscos considerados.

Por um lado, esta incongruência resulta de uma maior dispersão das habitações dos pescadores, e distância face à linha costeira. A opinião negativa sobre as obras e o avanço do mar estimado em 300 metros condicionam, por outro, a perceção do agravamento da situação. A perceção quanto ao avanço do mar difere, aliás, entre ambas as localidades (Gráfico 1).

Gráfico 1: Perceção sobre o avanço do mar e recuo do areal (30/40 anos)

Coeficiente de Correlação (Phi) =.35

 

O indicador de (in)congruência expressa uma significância muito elevada no seu conjunto, mas que é mais acentuada quanto à avaliação da situação atual (com destaque para a Costa da Caparica). É menos acentuada, e mesmo sem significância estatística, quanto ao sentimento de segurança face ao comportamento do mar (Quadro 1).

Quadro 1: Indicador de (in)Congruência

Teste T para Amostras não Relacionadas

Esta análise sobre as inquirições e as (in)congruências das perceções assume-se como fundamental para uma melhor compreensão dos argumentos sociais e da rejeição de soluções adaptativas alternativas fora do domínio intrusivo. A perceção das causas da erosão costeira é, aliás, naturalizada no comportamento do mar, embora se antevejam consequências para os usos e ocupação do solo. Neste âmbito, o recurso a medidas de proteção, segundo a ótica dos inquiridos, incide sobre a necessidade de controlar os efeitos do mar, tomando como um direito adquirido a ocupação urbana das zonas costeiras.


Notas

[1] Craveiro, J. L.; Antunes, O.; Freira, P.; Oliveira, F.; Almeida, I. D. e Sancho, F. (2012),   Comunidades Urbanas na Orla Costeira: A Metodologia Multicritério AHP (Analytic Hierarchy Process) para a construção de um Índice de Vulnerabilidade Social face à Ação Marítima. 2º Congresso Ibero Americano de Responsabilidade Social, ISEG, Lisboa, 25-27 de Outubro de 2012.

[2] Pires, I.; Craveiro, J. L.; Antunes, O. (2012), Artificialização do solo e Vulnerabilidade Humana em duas zonas sujeitas a processos de erosão costeira: casos de estudo da Costa da Caparica e Espinho (Portugal). Revista da Gestão Costeira Integrada 12(3)-277-290, 2012. Disponível em URL [Cons. 24 de Junho de 2013]: http://www.aprh.pt/rgci/pdf/rgci-316_Pires.pdf.

 

Esta entrada foi publicada em Ambiente, Espaço e Território com as tags , , . ligação permanente.

Uma Resposta a Pescadores e moradores. A perceção do risco sobre a erosão costeira e galgamento oceânico em núcleos urbanos antigos na Costa da Caparica e em Espinho

  1. Pingback: 3ª Série de 2012 de Artigos de Opinião (junho de 2013) | Plataforma Barómetro Social

Os comentários estão fechados