Dimensão analítica: Família, Envelhecimento e Ciclos de Vida
Título do artigo: A propósito do Ano Europeu do Envelhecimento Ativo e da Solidariedade entre Gerações (2012) Uma reflexão sobre a situação das mulheres
Autoras: Sara Falcão Casaca* e Sally Bould**
Filiação institucional: *Professora Universitária (ISEG-UTL)/ Investigadora do SOCIUS – Centro de Investigação em Sociologia Económica e das Organizações/ Ex-presidente da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG)
**Professora Emérita de Sociologia da Universidade de Delaware, Newark, EUA, e Investigadora Sénior do Centre d’Etudes de Populations, de Pauvreté et de Politiques Socio-Economiques (CEPS/INSTEAD), Luxemburgo
E-mail: sarafc@doc.iseg.utl.pt
Palavras-chave: género, envelhecimento ativo, emprego.
O tema do envelhecimento ativo tem vindo a ganhar relevo político no quadro da Comissão Europeia, num cenário marcado pelo declínio demográfico, pelo envelhecimento acentuado da população e por preocupações em torno da sustentabilidade da segurança social. No que diz respeito às pessoas com idades compreendidas entre os 55 e os 64 anos, o Conselho Europeu de Estocolmo (2001) definiu uma taxa de emprego total de 50% como meta a alcançar até ao ano de 2010. Um ano mais tarde, em 2002, a reunião de Barcelona estabelecia que a idade média (efetiva) de passagem a reforma deveria aproximar-se dos 65 anos (aumento de cerca de cinco anos em relação à situação identificada em 2001 – 59,9 anos, em média). É de notar que, naquele último ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) apresentava à Segunda Assembleia Mundial das Nações Unidas sobre o Envelhecimento, em Madrid, uma visão distinta de envelhecimento ativo, referindo-se “ao processo de otimização de oportunidades nos domínios da saúde, da participação e da segurança, com o objetivo de prolongar a qualidade de vida das pessoas à medida que envelhecem”.
No plano do compromisso político europeu, as motivações inerentes à promoção do envelhecimento ativo afiguram-se portanto essencialmente instrumentais, decorrentes de razões de ordem financeira e orçamental. A retenção no mercado de trabalho aparece dissociada de temas tão relevantes como a dignidade do emprego, as novas formas de organização do trabalho, a melhoria da qualidade de vida e a valorização do trabalho de cuidar. Trata-se de questões que muito importaria integrar de modo transversal nas prioridades políticas de todos os Estados-membros, mas que assumem ainda maior relevância naqueles países onde os modelos produtivos e de organização do trabalho permanecem apegados aos princípios clássicos (como sucede em Portugal), assentando em trabalho intensivo, pouco qualificado e remunerado, a braços com tarefas monótonas, simples, repetitivas e desprovidas de conteúdo e de interesse intrínseco. Nestas situações, envelhecer no ativo pode ser percecionado como sinónimo de prolongamento de uma vida pautada pelo sacrifício e por condições de trabalho degradadas. Simultaneamente, para muitas trabalhadoras e trabalhadores, afigura-se como a única alternativa possível, dado que, sem a dilatação do ciclo de vida ativa, as pensões de reforma tenderão a ser (ainda mais) baixas. Esta é uma das situações que ajuda a explicar a participação laboral de 55,7% dos homens e de 43,5% das mulheres portuguesas com idades situadas entre os 55 e os 64 anos (valores que estão acima da média da UE27, sobretudo no caso das mulheres). A questão das baixas remunerações (e das magras reformas) permite também compreender a razão pela qual Portugal apresenta, depois da Roménia, a taxa de emprego de mulheres com idades acima dos 65 anos (65-74 anos) mais elevada do espaço europeu – 17,6% versus 5,6% (valor médio da UE-27, em 2010).
É conhecido o facto de a esperança média de vida à nascença ser superior no caso da população feminina. No entanto, quando observamos a esperança média de uma vida saudável, Portugal regista um dos valores mais baixos da UE no que diz respeito às mulheres – 55,9 anos (contra o valor médio de 69,5 anos na Suécia, por exemplo). No caso dos homens portugueses, a esperança é superior – 58 anos (70,5 anos, na Suécia) (dados demográficos 2009, EUROSTAT). Estes números sugerem que as metas europeias em torno do envelhecimento ativo descuram a diversidade existente entre os vários países também nesta matéria, não obstante a relevância que assume no quadro do aprofundamento da qualidade de vida nas sociedades europeias.
Apesar de a Comissão Europeia ter declarado 2012 como o ano europeu do envelhecimento ativo e da solidariedade entre gerações, é de equacionar que esta última aspiração está longe de garantida; aliás, o aumento exponencial do desemprego entre as pessoas mais jovens sugere um enquadramento que lhe é mesmo particularmente adverso. Como compatibilizar o encorajamento à retenção laboral das pessoas de mais idade com a integração da população mais jovem no mercado de trabalho? Esta é uma questão política e social de extrema importância e que remete para a urgência de estratégias e políticas de emprego e de coesão social coerentes no espaço europeu.
Se é verdade que a geração jovem está mais sujeita à precariedade laboral e ao desemprego, é entre as pessoas de idade mais avançada que estas condições se revelam particularmente graves, dadas as dificuldades em encontrar um novo emprego. O desemprego de longa duração atinge valores muito elevados em vários países europeus, envolvendo mais de metade das trabalhadoras e dos trabalhadores desempregados com idades entre os 55 e os 64 anos. Em Portugal, a situação é particularmente grave, dado que o DLD (desemprego de longa duração) abrange praticamente três quartos das mulheres e dos homens desempregados neste escalão etário (dados referentes a 2010), ao mesmo tempo que as mulheres dominam no grupo das pessoas inativas desencorajadas. Importa ponderar que esta questão, já por si particularmente preocupante, pode estar sujeita a um maior agravamento em resultado dos programas de austeridade, das reformas nos sistemas laborais e de segurança social. Em Portugal, por exemplo, a maior facilidade no despedimento pode levar as entidades empregadoras a porem fim a relações contratuais estáveis, substituindo pessoas de mais idade por trabalhadores e trabalhadoras com vínculos precários e salários mais baixos. Concomitantemente, os cortes nas compensações por despedimento, as reduções nas prestações sociais e no período coberto pelo subsídio de desemprego poderão contribuir para um agravamento da vulnerabilidade económica e social das pessoas desempregadas, empurrando-as para situações de pobreza persistente (condição que atinge particularmente as mulheres). Acresce que, uma vez que as mulheres auferem menos que os homens ao longo de toda a trajetória laboral e, em algumas sociedades, tendem a ter uma participação menos intensiva ou mesmo descontínua (com interrupção após o nascimento dos/as filhos/as), importa alertar para o facto de algumas reformas introduzidas nos sistemas de pensões serem particularmente penalizadoras para a população feminina.
As orientações políticas e as medidas associadas ao prolongamento da vida ativa não têm integrado a dimensão de género. O aumento da esperança média de vida tem tido um impacto diferenciado nas experiências das trabalhadoras e dos trabalhadores com mais de 55 anos de idade. As mulheres enfrentam agora uma maior probabilidade de terem pessoas idosas ao seu cuidado, sobretudo naqueles contextos onde escasseiam os equipamentos públicos e/ou estruturas formais de apoio à população idosa. O envelhecimento ativo acarreta, assim, novos desafios e tensões na vida de muitas mulheres, cujo quotidiano se reparte pelo cumprimento de responsabilidades várias, seja na esfera laboral, familiar (domínio onde são as principais prestadoras de cuidados a elementos progenitores e/ou a crianças mais pequenas – netos e netas), seja ainda na comunidade mais vasta. À exceção de um conjunto de boas práticas isoladas e de algumas orientações seguidas em alguns países nórdicos (Dinamarca e Suécia), em geral as políticas promotoras do envelhecimento ativo têm negligenciado áreas relevantes de apoio – desde a criação e disponibilização de equipamentos e serviços de assistência às famílias (tanto destinados a crianças como a pessoas dependentes) até às oportunidades de aprendizagem durante toda a vida ativa. Acresce que, no que diz respeito às relações de género na esfera privada, pouco se tem empreendido na monitorização sistemática das assimetrias de género na repartição dos tempos, do trabalho doméstico e do cuidar, na avaliação dos custos económicos e sociais dessa desigualdade, e em medidas concretas no sentido da respetiva superação e da melhoria das condições de vida das mulheres. Afigura-se oportuna a expressão utilizada pela filósofa e socióloga francesa Dominique Méda acerca da presente revolução silenciosa. Ao mesmo tempo que é exigido às mulheres que prolonguem o seu ciclo de vida laboral, a sociedade em torno permanece silenciosa e imobilizada perante os desafios suscitados por essa mudança. O atual contexto de retração do estado social e de austeridade incorre no risco de aprofundar esse silêncio.
Nota: Texto elaborado a partir do artigo publicado no jornal Público, no dia 8/03/2012. A versão mais desenvolvida pode ser encontrada na seguinte publicação:
Casaca, Sara F. e Bould, Sally (2012), “Género, Idade e Mercado de Trabalho”, in Casaca, Sara Falcão (coord)., Mudanças Laborais e Relações de Género, Fundação Económicas/Editora Almedina, pp: 87-132.