O desemprego veio para ficar. O que vai mudar?

Dimensão analítica: Mercado e condições de trabalho

Título do artigo: O desemprego veio para ficar. O que vai mudar?

Autor: Paulo Pedroso

Filiação institucional: ISCTE-IUL, Instituto Universitário de Lisboa

E-mail: paulo.pedroso@iscte.pt

Palavras-chave: desemprego, política de emprego

Uma das premissas em que assentava o equilíbrio instável do mercado de trabalho português- o baixo nível do desemprego – foi profundamente abalada pela crise actual. Mas será só uma questão conjuntural?

Durante a terceira república e até agora Portugal teve variações cíclicas do desemprego com alguns picos significativos em momentos de crise, mas o nosso regime de emprego mostrou-se resiliente e com um ponto de equilíbrio em torno de níveis baixos de desemprego pelos padrões internacionais, a que acresce ainda o facto de serem aliados a altas taxas de participação no mercado de trabalho. Na prática, o desemprego incidia sobre grupos muito específicos, periféricos, que acumulavam vulnerabilidades e não sobre grupos centrais da força de trabalho

No desemprego encontrávamos bolsas de desemprego estrutural, cobrindo os segmentos mais vulneráveis das restruturações económicas, onde se tornou em desemprego estrutural, como na reconversão da agricultura alentejana nos anos setenta, da indústria pesada, em particular na Península de Setúbal nos anos oitenta e em certas bolsas de especialização ameaçadas pela perda de competitividade com a globalização como o vestuário do Vale do Ave ou o vidro da Marinha Grande.

Também no desemprego encontrávamos muitos jovens, vítimas de desencontro entre expectativas e realidade do dinamismo do mercado de trabalho, em situações de transição, muitas vezes agravadas pela combinação entre expectativas elevadas das famílias e o desconhecimento recíproco entre qualificações obtidas (por parte de empregadores) e a organização do trabalho (por parte dos jovens).

No desemprego encontrávamos trabalhadores idosos apanhados no vazio semi-protegido por dispositivos de transição entre um despedimento ocorrido na fase final da vida activa e o cumprimento de requisitos de acesso à reforma.

Finalmente, o desemprego era frequentemente associado aos processos de desqualificação social, em bolsas territorialmente concentradas, nomeadamente nas metrópoles de Lisboa e Porto, em que interagia com muitos outros factores de exclusão social.

Foi para este quadro que as nossas respostas de protecção social e política activa de emprego se desenvolveram. Por isso se concentraram no apoio à transição para a vida activa, no combate a situações de desemprego de longa duração, no combate à exclusão e na transição para a reforma.

Mas, ainda antes da crise, o nosso risco de desemprego começou a mostrar sinais de alterar-se, porventura pelo efeito de uma década de estagnação económica na reconfiguração do tecido produtivo e por transformações sociais silenciosas que os sociólogos não captaram em toda a sua amplitude. Começámos a ter mais desempregados, mais qualificados e mais no centro da vida activa, para os quais a nossa política se não dirige bem. A nossa política de protecção cobre-os mal, porque muitos sempre foram precários e, portanto, escassamente protegidos pela segurança social. A nossa política activa quase não os toca, porque mais qualificados do que o alvo das medidas existentes.

A crise foi, quanto a esta mudança, um catalisador. E, apanhados pela resposta austeritativa às dificuldades orçamentais, o modelo de resposta não se reformou nem se expandiu, entrou, pelo contrário, em retracção.

Vamos, para já, enfrentar a crise com as armas do passado, enfraquecidas pelas dificuldades de financiamento. Tal modelo será incapaz de adaptar-se à mudança de regime de emprego e às novas características do desemprego, povoado de quadros profissionais, de diplomados inclusive do ensino superior, de trabalhadores qualificados, muitos deles relativamente jovens e na fase do ciclo de vida que corresponderia à definição do seu quadro social autónomo – residência autónoma, vida familiar própria, projectos de presente e futuro.

Mais tarde ou mais cedo perceber-se-á que a crise do emprego implica uma crise das actuais políticas de emprego. Se a minha visão não estiver errada, o novo desemprego veio para ficar.

As instituições do mercado de trabalho que se cuidem ou não evitarão que os dinamismos sociais cuidem delas. Resta saber se haverá reformas antecipatórias e proactivas ou meramente reactivas e depois de tensões sociais de que tipo e intensidade.

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