Dimensão analítica: Ambiente, Espaço e Território
Título do artigo: A cidade palimpsesto: cultura e representação da cidade
Autor: Fernando Cruz
Filiação institucional: Instituto de Sociologia / Faculdade de Letras da Universidade do Porto
E-mail: fmrcruz@gmail.com
Palavras-chave: espaço público, cidade palimpsesto, cultura, tematização.
A implementação do metro na cidade do Porto, no ano 2000, e a necessidade de revitalizar o centro urbano levaram a que Siza Vieira e Souto Moura, os arquitectos responsáveis pela renovação da Baixa (concluída em 2006), propusessem uma nova imagem para a Avenida dos Aliados. Deste modo, a faixa central foi planeada para estar livre permitindo uma maior funcionalidade e criatividade. As duas estátuas mantidas no eixo central e a abertura de uma fonte, bem como as mesas e as cadeiras semi-amovíveis caracterizam a nova Avenida. Desapareceu, por conseguinte, a vegetação rasteira. As árvores existentes na praça central foram retiradas e no topo da Avenida, em contrapartida, foram plantadas mais árvores e ao longo dos passeios laterais, agora mais largos. Por último, a calçada portuguesa deu lugar a um pavimento granítico [1].
Neste espaço público, é possível observar a organização de eventos políticos como as comemorações do 25 de Abril ou do 1º de Maio, mas também eventos estudantis, como o Cortejo da Queima das Fitas ou a Recepção ao Caloiro pela Academia. Organizaram-se igualmente eventos desportivos como provas de atletismo – Corrida da Mulher – ou de automobilismo – Road-Show Rally de Portugal (ver Figura 1) –, eventos culturais como a Feira do Livro, Concertos de Música de Natal, peças de teatro no Carnaval ou S. João do Porto, e ainda eventos religiosos como a celebração eucarística por ocasião da vinda do Papa à cidade do Porto (ver Figura 2) ou a Missa de Bênção das Capas. Trata-se de eventos que na sua maioria implicam uma adaptação ou transfiguração do cenário. O espaço disneyfica-se, isto é, o espaço passa a obedecer a uma temática e o público é convidado a participar com determinados comportamentos, adereços e vestuário (sob a coordenação dos colaboradores das iniciativas). Verifica-se ainda, o apelo a um consumo híbrido relacionado com os eventos que se organizam como os martelinhos, os manjericos ou os alhos-porros no S. João ou com os cravos nas Comemorações do 25 de Abril ou ainda com o material e equipamento dos patrocinadores das diferentes equipas participantes, como por exemplo, no Road-Show do Rally de Portugal ou na Corrida da Mulher. Mas, há também a distribuição de material publicitário e promocional das entidades que patrocinam os eventos. Os participantes, transformados em actores, tentam envolver o público procurando que estes “convidados” participem nos eventos e adiram ao espectáculo. Porém, tudo isto implica controlo e vigilância para salvaguardar actores e público em geral. As infra-estruturas são montadas e desmontadas, por vezes, a um ritmo alucinante contribuindo para a cultura do efémero e da arquitectura pós-moderna, onde é privilegiado o estético em detrimento do ético. Por outro lado, nem sempre as condições de participação são as melhores, dados os obstáculos espaciais e visuais existentes. Deste modo, promove-se a virtualização e a mediatização dos eventos. As pessoas estão presentes e contribuem para o cenário mas acompanham o seu desenrolar através de telas gigantes montadas nestes espaços.
Figura 1 – Porto: cidade religiosa
Legenda: Visita e celebração eucarística do Papa Bento XVI na Avenida dos Aliados (14 maio 2010).
Fonte própria.
Figura 2 – Porto: cidade desportiva
Legenda: Road-Show do Rally de Portugal na Avenida dos Aliados (23 maio 2010).
Fonte própria.
A cidade “palimpsesto”, moldável ao tipo de evento que se quer realizar, visa sobretudo as grandes concentrações. O local serve apenas como cenário para aí realizar, organizar e celebrar o global. Os residentes preferem outros locais à Avenida dos Aliados, na qual tem aumentado o número de esplanadas de cafés, bares e restaurantes. Na falta de programação, este espaço transforma-se num local onde é possível contemplar a arquitectura do início do século XX. Os turistas aproveitam assim, tranquilamente e em pequeno número, para captar as melhores imagens deste espaço público ou ainda, para registar a sua presença, através das lentes das máquinas fotográfica e/ou de vídeo. Podemos assim concluir que a “sala de visitas” da cidade do Porto destina-se à realização de grandes eventos e a visitas de cariz arquitectónico em detrimento de se constituir ainda como um espaço de sociabilidades dos próprios residentes.
Notas
[1] Sousa, João (2007), Avenida dos Aliados In João Sousa – Palavras da Arquitectura e Projectos, Disponível em URL [Consult. 2 Jul 2009]: <http://palavras-arquitectura.com/tag/alvaro-siza-vieira/>.
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