Dimensão analítica: Mercado e Condições de Trabalho
Título do artigo: Ensino Superior e Emprego I
Autor: Luís Nuno Sousa
Filiação institucional: ESEV – IPV
E-mail: luissousa@esev.ipv.pt; nuno_sousa@mail.pt; moinhodevento@hotmail.com
Palavras-chave: Ensino Superior, Emprego, Diplomas
A educação no século XXI apresenta-se inquestionavelmente como um desafio às novas gerações, tendo presente a evolução tecnológica, as novas exigências laborais e a democratização do acesso ao ensino superior. Os contornos do mundo laboral transformaram-se significativamente nas últimas décadas, assistindo-se a uma vertiginosa evolução dos processos produtivos, alicerçada numa economia de mercado global e assente em pressupostos de evolução tecnológica e de conhecimento científico, que alteram decisivamente o funcionamento das economias.
É neste contexto que a atual nomenclatura do Ensino Superior (ES) enfrenta um dos desafios mais importantes da educação em Portugal. Num período de democratização “selvagem” das licenciaturas e mestrados novos e profundos desafios se colocam ao ES.
As bases da criação do ensino politécnico em Portugal, segundo Simão e Costa [1], remontam ao relatório “Le Project Regional Mediterraneen”, elaborado nos inícios da década de 60, em colaboração com a OCDE. O alargamento da escolaridade obrigatória e a sua democratização levou à criação dos sistemas binários. Podemos então afirmar que foi o Politécnico que efetivamente democratizou o ES em Portugal. O grande objectivo político da criação deste ensino foi o de contribuir para uma melhor distribuição da oferta do ensino superior (Decreto-Lei nº402/73, artigo 3º).
Contudo esta diferenciação extravasa a questão legal, segundo Alves [2], existem atualmente três tipos de dualidades: o reconhecimento social superior do primeiro (originado pela ancestralidade e prestígio acumulado inerentemente por parte da Universidade e diferenciações do tipo e objectivos de ensino); entre ensino público e ensino privado, com este a ser alvo de um menor reconhecimento social e prestígio; entre instituições centrais (Lisboa, Porto e Coimbra) e periféricas (regionalização do ensino, onde o Politécnico ocupa posição central, bem como a proliferação de oferta privada a nível superior, por todo o território nacional). Recorde-se que já Barreto [3] afirmava que o assinalável esforço feito para levar ao ES o maior número possível de jovens não provocara uma expansão harmónica em termos do espaço nacional, nem em função dos estratos sociais e económicos de que os alunos são originários, assim mantendo, ou reforçando, assimetrias. Estamos, assim, perante duas vias que acolhem alunos de meios sociais diferentes, consolidando o valor simbólico atribuido às Universidades comparativamente ao menor crédito reconhecido ao Politécnico, situado no interior do país, mais dependente do mercado de trabalho regional.
Tendo presente que Portugal tem uma das forças de trabalho menos qualificadas da Europa e elevado nível de desemprego por parte dos mais qualificados, exteriorizando fragilidades estruturais perceptíveis ao nível dos baixos níveis de escolaridade, na importância do desemprego de longa duração, na dificuldade de (re)inserção das jovens mulheres, dos idosos e deficientes e no tecido empresarial, constituído maioritariamente por pequenas e médias empresas e por sistemas produtivos suportados por mão-de-obra barata e desqualificada [4], resta questionar qual o papel futuro do ES neste contexto de precariedade de emprego [5].
O desemprego de jovens diplomados intensifica-se significativamente nas últimas décadas, face à dificuldade progressiva dos jovens aceder a empregos coerentes com formação e estatuto académico obtido. Esta questão afecta particularmente os que progressivamente observam um dos únicos veículos de ascensão social ser inflacionado (diplomas do ES) e novos parâmetros, mais exigentes, a serem instituídos (mestrados e doutoramentos). A procura de formação pós-ensino superior, esta já em marcha e a um corresponde a um novo aumento temporal e de investimento nas trajetórias académicas.
Consequentemente, face ao aumento do fluxo de jovens que possuem vários níveis de diplomas de ensino superior, a concorrência pelo emprego intensifica-se a nível macroeconómico, originando uma longa fila de espera, levando muitas vezes os jovens a aceitarem empregos pouco qualificados. Materializa-se, assim, de uma forma cada vez mais evidente, uma dificuldade progressiva na rentabilização da formação académica (exercício de um trabalho na respectiva área científica e ao nível do diploma obtido). Este movimento, que tem ganho particular extensão na última década, é consequência directa do aumento exponencial do número de diplomados e da diversidade da oferta de tipos e níveis de formação académica. Não podemos simultaneamente de deixar de dissociar esta diversificação da oferta, da necessidade do sistema e das instituições de ensino superior sobreviverem, como forma a fazer face à progressiva concorrência institucional [6] e aos desafios do processo de Bolonha.
Ao assumirmos que o aumento do fluxo de diplomados de ensino superior não irá diminuir no futuro, novos desafios serão instituídos às instituições de ensino superior e aos seus futuros diplomados, tendo presente um mercado concorrencial cada vez mais agressivo, onde o diploma já não possui representatividade decisiva e não garante o acesso ao emprego. Se elevarmos esta questão para o nível regional multiplicam-se as dificuldades sobretudo no interior do país.
Novos parâmetros educacionais já estão instituídos, generalizando-se neste momento a frequência e a obtenção de diplomas de mestrados e doutoramento [7], reflectindo, de uma forma evidente, a crescente pressão sobre o ensino e a necessidade de estabelecer novos parâmetros de diferenciação na entrada no mercado de trabalho.
Face a este novo contexto importa questionar: futuramente quais serão os parâmetros educativos face a uma inevitável desvalorização progressiva dos diplomas académicos, tendo presente a procura e oferta crescente? E qual o papel e dimensão do Ensino Superior Politécnico neste processo tendo presente as características dicotómicas do mercado de trabalho nacional?
Notas:
[1] Simão, V; Costa, A. A. (2000), O Ensino Politécnico em Portugal, Braga, Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos.
[2] Alves, M. G. (2007), A Inserção profissional de diplomados do Ensino Superior, Lisboa, FCT.
[3] Barreto, A. (1996), A Situação Social em Portugal 1960-1995, Lisboa, ICS.
[4] DGEEP/MTSS (2006a), “Flexibilidade e Segurança no Mercado de Trabalho Português”, Cognitum, Nº 25, Lisboa, DGEEP.
[5] Paugam, S. (2000), Le salarié de la précarité, PUF, Paris.
[6] Veja-se por exemplo a diversificação da oferta educativa que assistimos nos últimos anos no ESP, onde a regeneração das Escolas Superiores de Educação é o exemplo mais evidente face à “crise” instalada nos cursos de formação professores.
[7] Alves, M. G. (2009), “Ensino Superior, trabalho e emprego na atual sociedade – Um olhar sobre o caso de mestres e doutores”, Sociologia, Problemas e Práticas, n.º 59, pp. 107-124.
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Prezado Luis,
Do meu ponto de vista, considerando o contexto transnacional, a questão fundamental que se coloca em relação à expansão indiscutível do ensino superior, no último quartel do sec. passado, e seus efeito sobre as chances de mobilidade das pessoas que vêm de classes menos privilegiadas na sociedade, é como superar a barreira “invisível” no mercado de trabalho que impede o acesso aos postos de maior prestígio para queles que vêm de instituições educacionais de massa ou vocacionais, como as politécnicas? O problema adquire maior importância se levarmos em conta que a expansão mencionada do sistema de ensino superior se deu, basicamente, vias cursos vocacionais ou profissionalizantes.
Estimado António, primeiramente agradeço o seu comentário.
A democratização do ES em Portugal, deveu-se sobretudo à implantação do ES Politécnico que contribuiu decisivamente para o aumento da escolarização da população portuguesa, salientando-se neste processo o seu papel na formação de professores em Portugal. Penso contudo que o problema se coloca a partir de finais do séc XX inícios do séc. XXI quando começámos a “competir diretamente” com as Universidades (como comprova a proximidade de oferta de formação académica entre estes dois sub-sistemas), materializado no aumento evidente das vagas e na procura incessante de transformar a oferta de ensino superior num “mercado”. Concordo consigo quando afirma que obviamente novos fatores se colocaram como forma de diferenciação entre Universidades e Politécnico, mas penso que isso sempre existiu permita-me mesmo que afirme que sempre existiu aos olhos do mercado de trabalho um ensino de 1ª (universidades) e de 2ª (politécnicos), isto do ponto de vista simbólico é evidente… a tal “barreira invisível a que refere e muito bem”. O problema é que este movimento tem-se intensificado e o próprio mercado de trabalho transparece isto sobretudo porque a oferta de mão-de-obra “barata” e qualificada aumentou significativamente o que desiquilibra a “balança” a favor dos empregadores. Curioso é que a via profissionalizante (que carateriza o Politécino) deveria ser uma vantagem, contudo não é isso que se verifica e neste processo não podemos esquecer que as Universidades não ficaram paradas oferecendo um ensino cada vez menos teorico e cada vez mais prático. O que se questiona é qual o papel/lugar do Politécnico atualmente face à desvalorização dos diplomas, sobretudo as licenciaturas. Será que a sua frequência neste momento depende simplesmente de questões económicas e geográficas (proximidade à instituição)?
Grato pela sua atenção.