O SAAL e a participação popular na produção habitacional

Dimensão analítica: Cidadania, Desigualdades e Participação Social

Título do artigo: O SAAL e a participação popular na produção habitacional

Autora: Idalina Machado

Filiação institucional: Instituto de Sociologia da Universidade do Porto

E-mail: idalinamoraismachado@gmail.com

Palavras-chave: SAAL; Participação Social; Associações e Comissões de Moradores

Em Portugal, e durante décadas, a produção de habitação para as fracções mais desfavorecidas da população, privadas do acesso a um alojamento através do mercado, foi pautada quer pela ausência do envolvimento activo dessa população no processo de projecção e construção, quer pela segregação territorial para as zonas periféricas das cidades. O SAAL (Serviço de Apoio Ambulatório Local), surgido na sequência do processo revolucionário de 74, aparece como uma medida inovadora em Portugal: a produção de alojamentos para as classes mais desfavorecidas far-se-ia com a participação activa destas (a auto-construção, por exemplo, era promovida) e garantindo a manutenção nos espaços residenciais habituais (salvaguardando o direito ao lugar). Assentando, entre outros princípios, no da organização social da procura (a iniciativa deveria partir dos habitantes mal alojados – estimulação da auto-organização) [1], o SAAL contribuiu para a criação de movimentos de moradores organizados em Comissões ou Associações (de Moradores) que desencadearam um conjunto de acções de luta pela melhoria das suas condições habitacionais. Actuando na fronteira entre a “ilegalidade e a legitimidade” [2], os «mal-alojados» desencadearam, por todo o país, diversos processos de ocupação de casas desabitadas ou devolutas (acto ilegal) para os quais se encontraram referenciais ideológicos legitimadores (a justiça, o empenho, o trabalho árduo da classe trabalhadora, as desigualdades face aos capitalistas surgiram como argumentos legitimadores das acções ilegais de ocupação de casas).

Apesar dos problemas da carência habitacional e da falta de condições de habitabilidade dos alojamentos não serem novos em Portugal, foi a mudança na conjuntura política, com os seus reflexos em matéria de alteração da relação de forças entre classes e fracções de classe, que contribuiu para o desenvolvimento de formas de luta mais organizadas em torno da questão do alojamento [3]. O SAAL, em virtude, inclusivamente, de pressupor a organização dos moradores como requisito fundamental para que estes pudessem beneficiar do programa, fomentou essas formas de associação então mais facilitadas pelas mudanças políticas vividas.

Para além das acções desenvolvidas no sentido da conquista de condições habitacionais condignas, as Associações de Moradores constituíam, ainda, um espaço de desenvolvimento de competências dos seus membros, nomeadamente através dos jornais que quase todas possuíam: estes constituíam não só um veículo de divulgação de informação sobre a vida das associações, mas eram também espaços de reflexão, de manifestação, de expressão de opiniões, de debate e de apelo ao envolvimento dos moradores nas lutas.

Agentes centrais na luta por condições de vida dignas, as Associações de Moradores criadas no quadro do SAAL foram-se desintegrando paulatinamente na sequência da “morte” prematura deste processo (com a passagem das operações para a tutela das autarquias em 1976 dita-se o seu fim, pois muitos dos bloqueios registaram-se, justamente, ao nível dos processos de expropriação de terrenos, competência das Câmaras Municipais). Assim, e enquanto permanece no plano das possibilidades reais a concretização do objectivo que unia os moradores (o da produção de habitação para os mais carenciados) – a união mantem-se e as Associações de Moradores resistem; quando o SAAL termina acaba o sonho da casa para alguns e a desagregação acentua-se progressivamente. Mas não foi apenas o fim do SAAL que ditou o progressivo esmorecimento destas formas de organização popular: os próprios bloqueios internos relacionados, por exemplo, com as lutas pelo poder dentro das associações constituiu, nalguns casos, um factor adicional. A perda progressiva de associados, a dificuldade de mobilização dos mais jovens e de membros para os corpos dirigentes, associadas aos factores já mencionados, foram ditando a perda de força destas formas de organização popular tão importantes no pós 25 de Abril.

Notas e referências

[1] Bandeirinha, José António (2007), O Processo SAAL e a Arquitectura no 25 de Abril de 1974, Coimbra: Imprensa da Universidade, (p. 121-122).

[2] Ferreira, António Fonseca (1987), Por uma Nova Política de Habitação, Porto: Afrontamento, (p.568-569).

[3] Downs, Charles (1980), “Comissões de Moradores and Urban Struggles in Revolutionary Portugal”, International Journal of Urban & Regional Research, vol. 4, pp.267-294, (p. 271).

Ferreira, Vitor Matias (1975), Movimentos Sociais Urbanos e Intervenção Política, Porto: Afrontamento,

Vilaça, Helena (1994), “As Associações de Moradores enquanto Aspecto Particular do Associativismo Urbano e da Participação Social”, Sociologia – Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, nº4, pp. 49-96.

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