Participação e intervenção em contexto rural: notas a partir do trabalho associativo na ATPD

Dimensão analítica: Cidadania, Desigualdades e Participação Social

Título do artigo: Participação e intervenção em contexto rural: notas a partir do trabalho associativo na ATPD

Autora: Rita Madeira

Filiação institucional: ATPD – Associação Transmontana Pelo Desenvolvimento

E-mail: ritacmadeira99@gmail.com

Palavras-chave: intervenção social, associativismo, Trás-os-Montes.

A ATPD, Associação Transmontana Pelo Desenvolvimento, foi fundada em outubro de 2022, por nove mulheres [1], com o objetivo amplo de promover e defender os Direitos Humanos, na sua transversalidade, em Trás-os-Montes. Com sede na aldeia de Samões, concelho de Vila Flor, tem desenvolvido a sua atividade maioritariamente nesse concelho, mas também no município vizinho, Carrazeda de Ansiães, e em Bragança.

As atividades têm sido variadas, tanto no tema como no formato. A Associação tem estado presente em mercados locais, com ações relacionadas com os Direitos Humanos e o desenvolvimento local. Para além disso, tem promovido Oficinas Participativas onde se trabalham diversos temas, através de técnicas que envolvem os participantes: Direitos Humanos na Arte, no Trabalho Agrícola e Migrações, no Trabalho dos Cuidados, na Sustentabilidade; Direitos Humanos no Desporto. Foi, também, elaborada uma exposição de histórias de vida com o título “Vila Flor no Feminino”, bem como outras atividades pontuais sobre envelhecimento, igualdade de género, juventude e participação, entre outros. A Associação tem, ainda, participado noutros eventos, nomeadamente as comemorações 25 de Abril e do Dia Internacional das Mulheres. Também tem colaborado com outras entidades do território, por exemplo numa ação de sensibilização para a temática da Violência Contra as Mulheres, bem como na elaboração dos manifestos “A Mulher Transmontana” e “Casa para Viver em Trás-os-Montes”.

O projeto da ATPD de maior escala intitula-se “Academia dos Direitos Humanos” e constitui o melhor exemplo da ligação entre a associação e o meio académico – um eixo de atuação que se tem tentado manter desde o início. Esse projeto corresponde a um modelo misto de escola de investigação, partilha, trabalho e aprendizagem para jovens estudantes universitários, acompanhados de docentes/investigadores, no sentido da produção e disseminação de conhecimento sobre questões relacionadas com os Direitos Humanos para elaborar breves diagnósticos participados e formular recomendações de ação para o futuro dos territórios transmontanos. A Academia tem uma componente académica e científica, associada a uma partilha de experiências e de vivências, a que acresce um programa cultural e recreativo, de conhecimento da região, as suas gentes, gastronomia e cultura. Cada uma das edições do projeto aborda uma temática em particular, num território circunscrito, e envolve centros de investigação nacionais, bem como outras entidades (nomeadamente Municípios, Juntas de Freguesia, entidades locais, ONGs e outras associações), numa lógica de trabalho em rede. A primeira Academia, com o título “Oficina das Comunidades”, trabalhou questões de integração social de comunidades imigrantes e ciganas no concelho de Carrazeda de Ansiães; a segunda edição, focou-se no fenómeno do envelhecimento, na aldeia de Samões, em Vila Flor; na próxima Academia, este último tema terá continuidade, mas numa outra freguesia do concelho. Ainda no âmbito da ligação da Associação ao meio académico, têm sido elaborados artigos, capítulos de livros, relatórios [2] e comunicações diversas em encontros científicos e congressos.

A presença no terreno e a dinamização de todas estas atividades e projetos tem permitido aprofundar, empiricamente, o conhecimento sobre a realidade do território de atuação da ATPD. Marcado por um forte envelhecimento populacional e pelo fenómeno do despovoamento, Trás-os-Montes enfrenta difíceis desafios demográficos: o índice de envelhecimento nas Terras de Trás-os-Montes, em 2021, era de 359,01, e em Portugal era de 182,07; já a taxa de variação da população residente na região estava nos -8,73% e em Portugal nos -2,07% [3]. Em simultâneo, o desinvestimento na região e a falta de infraestruturas e serviços, desenham um futuro que parece condenado e alimentam sentimentos de abandono e de falta de esperança entre a população. Há um desligamento identitário em relação ao território, presente em expressões como “aqui não há futuro” ou “isto aqui é muito parado” [4], que promove o afastamento físico e emocional dos mais jovens. Tudo isto, são tendências que importa combater com urgência. Na verdade, as potencialidades do nordeste transmontano são várias: a atividade agrícola forte da região, os produtos locais de qualidade, a diversidade de recursos naturais e ambientais, as redes de solidariedade da vizinhança, a proximidade entre as gentes e as tradições rurais ainda presentes, assentes num associativismo de base local ao nível cultural e religioso. A tudo isto acresce a “arte de bem receber” e o espírito resiliente da comunidade que por cá permanece.

É com base nesse espírito que a ATPD desenvolve o seu trabalho, acreditando que é possível construir, coletivamente, outro futuro. Para além das necessidades estruturais de investimento na região, há pequenas grandes coisas que se têm conseguido fazer (e que, na perspetiva da associação, podem e devem continuar a ser feitas).

Para terminar esta reflexão, ficam alguns princípios que orientam a prática da ATPD e que poderão servir para qualquer intervenção deste tipo em contexto rural: nos projetos e atividades, é essencial adotar técnicas participativas e dinâmicas de educação não formal, promovendo a colaboração e garantindo a horizontalidade. Além disso, deve-se garantir condições adequadas para a plena participação da população – locais acessíveis, com transporte e alimentação assegurada. A descentralização dos serviços, levando-os diretamente às aldeias e à população, é uma estratégia importante para a não exclusão. Para que esses projetos sejam eficazes, é fundamental criar espaços seguros de partilha e reflexão coletiva, que possibilitem o empoderamento das pessoas, o processo de transformação social e o fortalecimento da coesão dentro da comunidade. É igualmente necessário implementar atividades e projetos que se conectem com a identidade local, recuperando tradições e valorizando histórias de vida, para que a população se sinta representada e valorizada. Aproveitar e dinamizar recursos já existentes, como os espaços comunitários das Juntas de Freguesia, é uma maneira de otimizar os recursos disponíveis, promovendo ações mais sustentáveis. As atividades poderão, ainda, ser inseridas nos eventos e festividades locais, respeitando os ritmos e tradições da região. Finalmente, há que promover um trabalho em rede, aberto, com a colaboração de entidades ou pessoas externas à região que possam contribuir de maneira positiva, mas sem nunca desvalorizar ou secundarizar o conhecimento local.

Notas:

[1] As mulheres que fundaram a ATPD têm formações e interesses diversos, seis delas com origem na região ou ligação familiar à mesma. À data da criação da associação, as idades variavam entre os 23 e os 79 anos.

[2] Algumas publicações: Parente, Cristina; Providencia, Bernardo; Sampaio, João; Madeira, Rita; Medon, Leonor (2024). A co-construção de ações para a inclusão: contributos da Sociologia e do Design ao serviço das comunidades, In B. Providencia; G. Curcio (Coord.) – Design em comunidade: reflexões e experiências em contextos diversos, São Paulo: FAU-USP. | Madeira, Rita; Medon, Leonor (2023), Mulheres rurais, In C. Martins; J. Lopes (orgs.), Portugal Esquecido: Retratos de um País Desigual, Lisboa: Bertrand. | Madeira, Rita; Medon, Leonor (2023), Vila Flor no feminino – histórias de mulheres portuguesas do interior, Revista Memória Rural, 6, pp. 264-283.

[3] Instituto Nacional de Estatística (2021), XVI Recenseamento Geral da População, Lisboa: INE. [Consult. 28 março 2025]: <https://censos.ine.pt/xportal/xmain?xpgid=censos21_main&xpid=CENSOS21&xlang=pt>

[4] Alexandre, Ricardo (2024, 29 dezembro), Samões, Vila Flor: a aldeia que quer saber envelhecer, Reportagem TSF, Disponível em URL [Consult. 25 março 2025]: <https://www.tsf.pt/7496007367/samoes-vila-flor-a-aldeia-que-quer-saber-envelhecer-primeira-parte/>

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