Dimensão analítica: Cidadania, Desigualdades e Participação Social
Título do artigo: “Isto está cada vez pior”. Os desafios e a necessidade de integração dos jovens na vivência democrática
Autor: Daniel Filipe Soares Silva
Filiação institucional: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, estudante de Mestrado em História Contemporânea
E-mail: danielsoares033@gmail.com
Palavras-chave: democracia, cidadania, participação.
Ao ligarmos a televisão ou o telemóvel, somos confrontados com informações que nos remetem para a ideia de uma “crise da democracia”. Esta preocupação não é nova e, mais recentemente, pode ser recuada à crise financeira de 2008 e à corrente nova vaga das direitas autoritárias.
Cada vez mais, observa-se um desajuste entre a população e as premissas da democracia, sobretudo entre os mais novos. Há um ressentimento em relação ao sistema político, que não consegue enquadrar as numerosas mutações sociais, e para com a forma como são encarados. Não é raro, por isso, ouvirmos comentários como “estas gerações estão cada vez piores” ou “não se perspetiva nada de bom para o futuro”, remetendo muitos jovens para uma apatia quanto ao seu papel decisório. Já nos anos sessenta, Karl Mannheim apresentou este dilema de forma bastante clara: enquanto persistirmos em pressupostos redutores que remetem uma geração para um caminho forçosamente progressista ou conservador, não damos atenção às suas necessidades específicas e subsequente evolução [1].
O caso político português traduz uma situação facilmente percetível, mas que pouco tem sido trabalhado para a alterar. Os partidos políticos tradicionais não são, regra geral, apelativos para jovens (e, cada vez mais, para a sociedade num todo) [2], o que se pode explicar a partir da incipiência da modernização dos seus programas e pela herança de escândalos que tradicionalmente se lhes imputam, o que resulta em duas atitudes. Uma diz respeito ao maior interesse em iniciativas distintas, como a realização de manifestações ou a promoção de petições [3], e cujas implicações estão a ser pouco notórias. A segunda diz respeito à maior influência de novéis partidos, situação que a comunicação social tem vindo a destacar. Com efeito, tanto a Iniciativa Liberal como o Chega devem muito do seu crescimento aos mais jovens [4], o que não se dissocia da maior proximidade pela aposta em redes sociais, como o TikTok, onde um simples clique ou um repost garante a criação de uma ampla rede de divulgação de informação (seja ou não verídica). Este modelo evidencia um maior sucesso do que o que tem vindo a ser empregue pelos setores de esquerda, que não criaram, ainda, uma plataforma de sucesso nessa comunicação.
Enquanto a política não se tornar inteligível, continuaremos a ter bastantes dificuldades em promover um verdadeiro sistema democrático. Robert Dahl, numa obra que continua perfeitamente atual, apresenta-nos cinco indicadores que podem aferir a saúde da democracia. A igualdade de direitos (1), o esclarecimento (2) e a planificação (3) perfazem três condições importantes, mas secundarizadas perante os restantes: a participação efetiva (4), que tem de abranger toda a comunidade, e, em último lugar, o que o autor classifica como «inclusão dos adultos» [5]. Posto isto, estamos perante um paradoxo, pois como é que se há de promover algo que se quer universalizável se continuamos sistematicamente a excluir a geração mais jovem, que tem à sua disposição a potencialidade para fazer a diferença. Não é concebível que, num sistema educativo minimamente holístico, se continue a relegar para segundo plano a literacia política que é um dos meios mais capazes de estimular a inculcação dos valores democráticos.
Num sistema que tem cada vez mais de ser assente na «Educação para a Democracia» [6], é essencial que se promova uma conduta cívica que privilegie a igualdade e a integração das diferenças como a génese de uma sociedade multicultural num mundo em que cada vez mais se discutem os impactos negativos das migrações; além do mais, é necessário pavimentar um caminho que permita reduzir e, de preferência, eliminar uma série de preconceitos estruturais. Iniciativas como o Parlamento dos Jovens, a votação de orçamentos participativos e instituições representativas dos alunos, mormente as Associações de Estudantes ou a quota nos Conselhos Pedagógicos, são, por conseguinte, louváveis, uma vez que existe uma clara relação entre o associativismo e a consciência política. Neste sentido, as universidades são locais por excelência propícios para esse esforço e devem prosseguir essa componente de formação que é tão ou mais importante quanto a académica.
A aposta tem de seguir este rumo, porque permitirá introduzir e expor as razões pelas quais, apesar de imperfeita, a democracia continuar a ser o melhor caminho possível. Aliás, este estímulo pode dar a capacidade de alterar os atores que estão no centro de poder a partir de uma paulatina remodelação dos quadros, permitindo uma mais fácil perceção de uma hipotética situação de desvirtuamento da legitimidade democrática. Dado que estamos numa sociedade de conhecimento, devemos tecer uma forma de efetivar debates construtivos entre vários grupos, ao nível local e/ou escolar, de maneira que se aprimore um senso crítico que será capaz de escortinar todos os argumentos e subterfúgios que se aplicam para tentar deslegitimar a legitimidade popular, expressão empregue propositadamente para acentuar o ponto central da nossa perspetiva.
Em suma, por muitos problemas que se possam imputar à democracia, esta continua a ser a melhor opção para guiar a vida da população, tanto pela valorização da vontade popular como pela promoção da diversidade nas suas múltiplas aceções. Assim, é essencial que os jovens comecem a ser trazidos para este sistema antes que o seu descrédito aumente. Existem muitos aspetos a melhorar, mas é necessário recuperar uma das teses centrais do politólogo David Runciman – é normal que haja ciclos endémicos de recessão democrática, mas para estes se tornarem irreversíveis é essencial a complacência da população civil [7]. Tendo em vista isso, o aperfeiçoamento das instituições e da participação dos vários atores são condições suficientes para um ressurgimento da confiança na democracia como ocorreu na época dos Trinta Gloriosos, no pós-Segunda Guerra Mundial, e em que os jovens têm de fazer parte da solução de forma efetiva sob pena de uma certa anomia social se radicalizar e dificultar o que deve ser um caminho de paulatino fomento do bem-estar.
Notas
[1] Mannheim, Karl (1968), O problema da juventude na sociedade moderna, In S. de Britto (Org.) – Sociologia da Juventude, I, Rio de Janeiro, Zahar Editores, p. 73.
[2] Lobo, Marina Costa; Ferreira, Vítor Sérgio; Rowland, Jussara (2015), Emprego, mobilidade, política e lazer: situações e atitudes dos jovens portugueses numa perspetiva comparada, Lisboa, Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, p. 63.
[3] Collin, Philippa (2008), Young People Imagining a New Democracy: Literature Review, University of Western Sydney, Disponível em URL [Consult. 4 Mar. 2025]: young-people-imagining-democracy.pdf.
[4] Expresso (2024), À boleia do TikTok e Instagram, Chega cresce entre os jovens, Disponível em URL [Consult. 21 Mar. 2025]: https://expresso.pt/politica/eleicoes/legislativas-2024/2024-01-17-A-boleia-do-TikTok-e-Instagram-Chega-cresce-entre-os-jovens-9343c22d.
[5] Dahl, Robert (2001), Sobre a Democracia, Brasília: Editoria Universidade de Brasília, p. 50.
[6] Benevides, Maria Victoria (1996), Educação para a Democracia, Lua Nova, pp. 226-227. Disponível em URL [Consult. 4 mar. 2025]: https://www.scielo.br/j/ln/a/yKyLWKGYV8TNKLLKrRR6LpD/?format=pdf&lang=pt.
[7] Runciman, David (2019), Como Acaba a Democracia, Lisboa: Gradiva, p. 44.
.
.