Dimensão analítica: Ambiente, Espaço e Território
Título do artigo: Encontros pela Justiça Climática: uma proposta para ativismos territorializados e (inter)corporalizados
Autora: Vera Diogo
Filiação institucional: Coop 99 – Cooperativa Integral do Porto
E-mail: verad@riseup.net
Palavras-chave: Justiça Climática, Cooperação interorganizacional, Ativismo corporalizado.
Os Encontros Nacionais pela Justiça Climática (ENJC) realizam-se desde 2016, por organizações focadas na sensibilização da população e realização de iniciativas que forcem mudanças a nível internacional e nacional para mitigar os efeitos das alterações climáticas e preparar os territórios para as mesmas. A sua motivação advém da consciência do momento histórico crítico, quando em “2015 milhões por todo o mundo protestaram por um acordo climático que garantisse a inversão das emissões de gases com efeito de estufa” [1].
Em 2023, o ENJC deu-se em Coimbra, prática de descentralização repetida em 2024, em Boticas, junto a Covas do Barroso, onde a mineração tem assaltado os valores ecosociais de um território que é património agrícola mundial.
A diversidade de organizações envolvidas nos encontros foi aumentando ao longo dos anos. Iniciados pelo Climáximo, um coletivo que não vê nos representantes políticos interlocutores fiáveis, os ENJC começaram a envolver organizações que participam nas estruturas político-administrativas vigentes. Esta experiência indica que pode haver colaboração entre formas de ação coletiva que procuram furar os limites do sistema político e socioeconómico e ações que o reforçam, agindo dentro das suas estruturas. Se forem eficazmente concertadas, ações de cooperação (dentro dos limites institucionais) e de reação (ainda em consenso com normas sociais, embora procurando alargar os limites institucionais) podem confluir com a formação de movimentos sociais que conflituam com os padrões vigentes, movendo as fronteiras da normalidade [2].
Em 2025, o ENJC voltou a Lisboa, num momento de emergência climática. Dada a urgência de ação, este ano a dinâmica construída a nível nacional multiplicou-se em encontros locais, com intuito de germinar e fortalecer as relações interorganizacionais de base local, essenciais a uma ação coletiva territorializada e consequente, bem como ao dinamismo e representatividade da rede nacional.
Os encontros locais
Até à data, realizaram-se dois encontros locais, no Porto, a 14 de Dezembro de 2024 e em Braga, entre 8 e 9 de Fevereiro de 2025.
No Porto, destacou-se uma ação conjunta relativa ao Plano Municipal de Ação Climática (PMAC), cuja publicação é requisito da Lei de Bases do Clima até Fevereiro de 2024, porém, já com atraso de mais de 1 ano, o executivo indicou que a consulta pública ocorrerá em Abril [3]. A 11 de Março lançou-se um manifesto com exigências de processo participativo alargado, com sessões de esclarecimento e tempo para diálogo. O manifesto acompanhou um convite para reunião com o Vice-Presidente deste município, na sequência da sua visita, a 1 de Março, ao Comum Circular, onde se iniciou o Carnaval do Clima.
O que é o Carnaval do Clima?
É uma ação de sensibilização, que começou no Porto [4] a 1 e 2 de Março e continuou, nos dois dias seguintes, em Braga [5]. Este carnaval, que pretende ter futuro, é uma sátira às políticas ambientais, um espaço para ridicularizar as promessas não cumpridas da Lei de Bases do Clima e das Estratégias Nacionais de Mobilidade Ativa Ciclável e Pedonal. Envolveu associações culturais e pessoas do meio artístico, cuja participação em ativismos climáticos é fundamental. As reivindicações foram corporalizadas quando os tijolos deste muro foram vestidos no desfile de Carnaval, a 2 de Março. “O Muro das Promessas Não Cumpridas” é um recurso simbólico com valor estético que se irá reutilizar em futuras ações de rua.
Figura 1 – Muro das Promessas não cumpridas
Fonte: Foto Lynn Salt
Do encontro em Braga, destaca-se a proposta de uma ação concertada de visibilização das temáticas da Justiça Climática durante a campanha das eleições autárquicas que acontecerão em Setembro/Outubro. Os coletivos estão de momento a ultimar um guião para conduzir debates a organizar com candidaturas a este momento eleitoral.
O 10 º ENJC
Esta edição foi estruturada em dois eixos: “o Plano pela Justiça Climática: uma visão” “para travar a crise climática” e a “Agenda pela Justiça Climática: ações coordenadas” ao longo de 2025 [6].
No primeiro, entre outras atividades, as participantes tiveram oportunidade de ler e discutir três planos: o Plano de Desarmamento e Plano de Paz, escrito pelo Climáximo, a Carta de Famalicão realizada por várias organizações, no âmbito do I Encontro de Convergência Ecológica e Ambiental, e a Declaração da Covilhã, elaborada no Manifesta de 2022 por 12 organizações encabeçadas pela Rede Animar. Escritos com linguagens e tónicas diferenciadas, os três documentos apontam a necessidade de uma transição socioeconómica e socioecológica.
Na Agenda pela Justiça Climática, entre as ações indicadas, devem incluir-se os encontros locais que continuarão a ser organizados, estando já em planeamento, na Covilhã e em Coimbra [6].
Num espaço aberto, a equipa mais envolvida nos encontros locais refletiu sobre a realidade interna dos movimentos, identificando limitações na comunicação e negociação interna, associadas a falta de interconhecimento. Assim, propôs-se uma análise das relações entre os coletivos, de modo a estudar como as melhorar, começando com um sociograma relativo aos encontros do Porto e Braga.
Sentiu-se a necessidade de formação participativa, nomeadamente aprendizagem em métodos de facilitação, como a sociocracia, a comunicação não violenta, a decisão por consenso/consentimento. Para melhorar as formas de interação, propuseram-se também dinâmicas somáticas, jogos e exercícios de sociodrama.
Para além de reflexão e ação, os ativismos carecem de consciencialização corporal, e logo, de corporalização sensitiva das suas dinâmicas relacionais. Trabalhar com esta intencionalidade concorrerá para a resiliência destes movimentos e para o bem-estar dos ativistas. Corpos socializados são corpos silenciados. Como ativistas procuramos transformar sistemas de opressão, porque temos aguda consciência dos seus malefícios. Os nossos corpos têm preciosa parte dessa consciência, desbloqueá-la é essencial para desenvolver uma ética intercorporal que favorecerá a empatia e o mútuo entendimento [7].
Referências:
[1] Justiça Climática (2016), Edições Anteriores, Primeiro Encontro, Disponível em URL [Consult. 19 de Mar 2025): https://justicaclimatica.pt/edicoes-anteriores/1o-encontro-nacional-pela-justica-climatica/
[2] Melucci, Alberto (1996), Challenging Codes: Collective Action in the Information Age, MA: Polity, Cambridge.
[3] Porto Canal, Quarta-Feira 19 de Março de 2025, Cidadãos e organizações querem sessões sobre Plano de Ação Climática do Porto, Disponível em: https://portocanal.sapo.pt/noticia/361921/
[4] Pagu Associação Cultural (2025). Carnaval do Clima no Porto, disponível em URL [ Consult. 27 de Mar 2025): https://www.instagram.com/p/DGVUWcnsn4s/?utm_source=ig_web_copy_link&igsh=MzRlODBiNWFlZA%3D%3D&img_index=1
[5] Observalícia (2025). Carnaval do Clima em Braga, disponível em URL [ Consult. 27 de Mar 2025):
https://www.facebook.com/events/1354098905724655/?acontext=%7B%22event_action_history%22%3A[]%7D
[6] Justiça Climática (2016), Edições Anteriores, 2025, Disponível em URL [Consult. 19 de Mar 2025): https://justicaclimatica.pt/edicoes-anteriores/2025-10o-encontro-nacional-pela-justica-climatica
[7] Johnson, R. (2023). Embodied Activism. Engaging the body to cultivate liberation, justice and authentic connection. Berkeley: North Atlantic Books.
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