Dimensão analítica: Economia, Trabalho e Governação Pública
Título do artigo: Flexibilidade temporal sob a perspetiva do equilíbrio trabalho-família e desempenho organizacional (Parte I)
Autora: Erika Quintão
Filiação institucional: EDP Global Solutions
E-mail: erika.quintao@edp.com
Linkedin: https://www.linkedin.com/in/erikaquintao/
Palavras-chave: flexibilidade temporal, equilíbrio trabalho-família e desempenho organizacional.
Os efeitos das inovações tecnológicas em termos económicos, ambientais, geopolíticos, demográficos e, sobretudo, sociais, suscitam uma série de reflexões por todo o mundo. Para além disso, impõem profundas transformações na dinâmica das relações laborais entre indivíduos e organizações, nomeadamente, no âmbito da flexibilidade temporal sob a perspetiva do equilíbrio trabalho-família e desempenho organizacional.
A Revolução Industrial, que teve início em meados no século XVIII na Grã-Bretanha, espalhando-se pela Europa e Estados Unidos, desencadeada pela globalização e introdução e desenvolvimento exponencial da tecnologia nos processos de produção até à atual Indústria 4.0, têm desafiado os seus mais diversos protagonistas a reformular os modelos de trabalho – a fim de torná-los mais produtivos, flexíveis e colaborativos – e, por conseguinte, a repensar a maneira como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos na sociedade [9].
Por sua vez, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) com a adoção da Convenção n.º 1 (1919), engloba dimensões fundamentais centradas no tempo de trabalho e de descanso face às atuais situações existentes na Indústria – públicas e privadas [9]. A respetiva norma internacional, bem como a recente Declaração do Centenário para o Futuro do Trabalho, assenta na promoção da justiça social e no respeito pelos direitos humanos e laborais, o que constituiu um marco significativo no discurso dominante e continua a ser crucial para impulsionar oportunidades para que homens e mulheres tenham um trabalho digno e, simultaneamente, assegurar os requisitos económicos empresariais, ao nível do desempenho exigido [9]. Observa-se, assim, uma tentativa de acomodar as necessidades específicas dos trabalhadores, com as necessidades organizacionais, tal como sugerido na Recomendação n.º 116 da OIT sobre a Redução das Horas de Trabalho, 1962 [8].
Referindo-se a União Europeia, importa sublinhar, a concretização do Pilar Europeu dos Direitos Sociais – um instrumento de referência que contempla vinte princípios estruturados em torno de três domínios: i) igualdade de oportunidades e acesso ao mercado de trabalho, para ambos os sexos; ii) condições dignas de vida e trabalho e; iii) proteção e inclusão sociais [2]. Um compromisso credível perante às mudanças na regulamentação da esfera laboral, mais especificamente, no que se refere, às modalidades de flexibilidade, em termos de tempo, pela sua relevância no equilíbrio trabalho-família, qualidade de vida e bem-estar da humanidade.
Nesse percurso, Portugal, após enfrentar a crise no seio da zona euro no período 2008-2013 que atingiu fortemente a União Monetária Europeia, constitui uma referência na articulação de medidas legislativas, que impulsionaram o crescimento económico e do emprego, sem comprometer os direitos dos trabalhadores [6], por reconhecerem a importância da vida e da identidade fora da esfera laboral. Desde então, o país em consonância com as iniciativas dos organismos mundiais, ganhou um novo dinamismo em torno da questão do futuro do trabalho digno – que afetam os indivíduos, instituições empresariais e as relações laborais [7].
De entre as regulamentações adotadas no domínio da flexibilidade do tempo de trabalho no contexto português, e a título de exemplo, podemos citar, a consagração do artigo 59.º, n.º 1 b) da Constituição da República Portuguesa (CRP), que se refere, “à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da atividade profissional com a vida familiar”
[4]. De seguida, a alteração da legislação laboral portuguesa, dando origem o Código do Trabalho (CT) de 2009 (Secção II, Lei n.º 7/2009) [3][6]. E, complementarmente, a implementação de políticas e práticas “amigas da família” (2006) [5], o Programa 3 em Linha (2018) [10] e a Agenda do Trabalho Digno e de Valorização dos Jovens no Mercado de Trabalho (2023) [1], que incluem diretivas chave, no que toca a conciliação do trabalho com a família e com a vida pessoal, para uma efetiva igualdade de homens e mulheres e que lhes permita desempenhar os seus múltiplos papéis, nomeadamente, à luz das vulnerabilidades identificadas durante a pandemia global Covid-19 [7].
Ora, no âmbito das novas condições de trabalho e vida impostas pela contingência pandémica, em que o distanciamento social sugerido Organização Mundial de Saúde (OMS) foi considerado uma medida de proteção à saúde pública dos cidadãos e contenção à propagação do vírus SARS-CoV-2, os formatos de trabalho flexíveis sustentados pelas tecnologias digitais assumiram particular relevância [9]. De facto, as implicações – positivas e negativas – são de grande amplitude, afetando tanto as pessoas, face às mudanças na configuração familiar e crescentes exigências de um maior equilíbrio entre as três principais componentes da vida – profissional, familiar e pessoal, quanto as organizações, dos setores público e privado, em resposta às exigências do mercado, a fim de assegurarem a continuidade dos negócios e produtividade.
Como se pode verificar, o mundo do trabalho está em constante mutação, não apenas no que diz respeito à organização do local e do tempo de trabalho, mas também ao número de horas de trabalho e aos períodos de descanso [8]. Dada a complexidade da atual conjuntura ao nível do ciclo de vida, não surpreende, pois, que os interesses nestas temáticas – quer do ponto de vista dos trabalhadores, quer das empresas – ocupam lugar de destaque na agenda mundial, por meio de políticas e diretivas claras e bem fundamentadas. Assim como, seja abundante em enquadramentos teóricos na literatura contemporânea, incluindo diferentes perspetivas e teorias, com o intuito de propiciar debates mais proeminentes e facilitar o diálogo e a reflexão crítica e propositiva entre as organizações e as suas partes interessadas – grupos ou indivíduos.
Sendo a problemática do tempo de trabalho sobremaneira pertinente, pretende-se discutir na parte II deste texto em que medida os regimes de flexibilidade temporal têm influência no ajustamento entre pessoa-organização, com enfoque orientado no equilíbrio trabalho-família e desempenho organizacional.
Notas
[1] Agenda do Trabalho Digno e de Valorização dos Jovens no Mercado de Trabalho, Disponível em URL [Consult. 18 Mai 2024]: <https://www.portugal.gov.pt/pt/gc23/comunicacao/noticia?i=agenda-do-trabalho-digno-saiba-tudo-o-que-vai-mudar>.
[2] Comissão Europeia (2019). Relatório relativo a Portugal de 2019. European Commission. Bruxelas, 27.2.2019 SWD (2019) 1021 final.
[3] Código do Trabalho (2009), Lei nº 7/2009 de 12 de fevereiro, 1ª série, 30, Diário da República, Disponível em URL [Consult. 17 Mai 2024]: <http://dre.pt/pdf1sdip/2009/02/03000/0092601029.pdf>.
[4] Constituição da República Portuguesa, artigo nº59, 1ºb, Disponível em URL [Consult. 17 Mai 2024]: <http://www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx>.
[5] Guerreiro, D. M., Lourenço, V. & Pereira, I. (2006). Boas Práticas de Conciliação entre Vida Profissional e Vida Familiar, Manual para as Empresas. CITE – Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, (4ª Ed.), Lisboa, Editorial do Ministério da Educação.
[6] Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho (2021). Disponível em URL [Consult. 18 Mai 2024]: <https://www.portugal.gov.pt/pt/gc22/comunicacao/documento?i=livro-verde-sobre-o-futuro-do-trabalho)>.
[7] OIT – Organização Internacional do Trabalho (2018). Trabalho Digno em Portugal 2008-18: Da crise à recuperação. Geneva, Disponível em URL [Consult. 19 Mai 2024]: <https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/—dgreports/—dcomm/—publ/documents/publication/wcms_647524.pdf>.
[8] OIT – Organização Internacional do Trabalho (2019). Guia para estabelecer uma organização do tempo de trabalho equilibrada. Geneva, Disponível em URL [Consult. 20 Mai 2024]: <https://www.ilo.org/pt-pt/publications/guia-para-estabelecer-uma-organizacao-do-tempo-de-trabalho-equilibrada>.
[9] OIT – Organização Internacional do Trabalho (2022). Working Time and Work-Life Balance Around the World. Geneva, Disponível em URL [Consult. 20 Mai 2024]: <https://www.ilo.org/publications/working-time-and-work-life-balance-around-world>.
[10] 3 em linha – Programa para a Conciliação da Vida Profissional, Pessoal e Familiar (2018-2019), República Portuguesa – XXI Governo Constitucional.
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