Flexibilidade temporal sob a perspetiva do equilíbrio trabalho-família e desempenho organizacional (Parte II)

Dimensão analítica: Economia, Trabalho e Governação Pública

Título do artigo: Flexibilidade temporal sob a perspetiva do equilíbrio trabalho-família e desempenho organizacional (Parte II)

Autora: Erika Quintão

Filiação institucional: EDP Global Solutions

E-mail: erika.quintao@edp.com

Linkedin: https://www.linkedin.com/in/erikaquintao/

Palavras-chave: flexibilidade temporal, equilíbrio trabalho-família, desempenho organizacional

Tal como referenciado na primeira parte deste texto, tratando-se da flexibilidade do tempo de trabalho – sendo esta uma estratégia implementada pelas empresas, por intermédio, da área de gestão de recursos humanos – importaria atentar, por um lado, em que ponto se verificam seus efeitos, para os trabalhadores, como meio de influenciar o enriquecimento do equilíbrio da vida profissional – entre outros aspetos da vida e seus propósitos. Por outro lado, qual o contributo para que as organizações obtenham o desempenho satisfatório e resultados económicos e sociais sustentáveis, ao passo que, são mais propensas a implementá-la quando os benefícios percebidos superam os custos que advieram da introdução de tais modalidades.

Dentro desse contexto, notoriamente, percebe-se a importância atribuída aos princípios da teoria da troca social no vínculo contratual empregado-empregador, por meio reciprocidade que se desenvolve entre ambas as partes para compreender os ganhos mútuos experimentados [3]. Estudos delineiam que, os trabalhadores apresentam atitudes e comportamentos positivos quando os modelos flexíveis de trabalho atendem às suas necessidades – ou seja, as experiências de acesso mais facilitadoras e as barreiras ao uso reduzidas através do direito de se desconectar digitalmente sem sofrerem quaisquer repercussões negativas. Os trabalhadores são, portanto, mais empenhados a retribuir a organização no cumprimento dos objetivos fundamentais, em termos de produtividade, qualidade dos serviços prestados, rotatividade e absentismo, que culmina em resultados bem-sucedidos [3].

O exposto deixa transparecer que a flexibilidade temporal implica uma abordagem multidimensional e mais assente no fator humano, à medida que as organizações realinham as suas políticas, processos e rotinas laborais relativamente às tendências futuras do trabalho, impulsionadas pela crescente globalização, avanços tecnológicos, ascensão do setor dos serviços, configuração familiar, alterações climáticas e, sobretudo, pela recente crise pandémica [6]. De facto, face a um cenário cada vez mais disruptivo e de incertezas, não basta apenas a dedicação de esforços para a implementação de práticas flexíveis favoráveis à família e ao trabalho, devendo ser dada atenção, também, a subjetividade de cada trabalhador, sejam homens ou mulheres, em razão do seu envolvimento nos múltiplos papéis na vida [5]. Há controvérsias – pois, embora sejam oferecidas, não significa que elas sejam percebidas, valorizadas e geridas de forma saudável devido à fluidez das fronteiras temporais entre as responsabilidades profissionais, familiares e pessoais, ocasionada pela vulgarização alargada das ferramentas digitais (cultura do “sempre ligado”).

No que concerne às novas formas de trabalho que estão a emergir – a discussão central de reduzir o número de horas semanais trabalhadas, sem perda de remuneração e socialmente dignificantes, constitui uma das diretrizes mais estimulantes a ser adotada por diferentes empresas a nível global, justamente, para aumentar a produtividade, o que é vital para elevar os padrões de vida a longo prazo [6]. Entretanto, é imprescindível salientar que estas reduções assumem traços específicos, uma vez que incluem uma transição da jornada de trabalho convencional para uma carga horária comprimida – como por exemplo, a adoção da semana de trabalho de quatro dias – dependendo, todavia, dos acordos definidos nas leis ou regulamentos nacionais, nomeadamente, nos países com economias políticas mais desenvolvidas, em particular na Europa [5][6].

Ora, Portugal, rumo a uma nova era sobre as condições de trabalho digno e combinação entre a vida quotidiana para homens e mulheres – tomou a iniciativa e juntou-se a uma lista crescente de países que experimentaram a “Semana de 4 Dias” (S4D), sem envolver reduções salariais [4]. O projeto-piloto da implementação da semana de trabalho de 4 dias – com a colaboração da 4 Day Week Global, uma associação sem fins lucrativos – regulamentado pela Portaria n.º 301/2022, de 20 de dezembro [2], envolvendo 41 organizações e uma amostra constituída por mais de 1.000 trabalhadores, apresenta resultados promissores, enfatizando as vantagens e desafios advindos desta experiência de trabalhar semanas mais curtas quer para as empresas dos vários setores da economia portuguesa, quer para os trabalhadores e suas famílias [4]. No Relatório Final deste estudo – divulgado em 24 de junho de 2024, sublinham-se os benefícios para os trabalhadores, que relatam melhor conciliação entre a atividade profissional, com e sem responsabilidades familiares, bem como ao tempo dedicado ao autocuidado e a hobbies e interesses e, em sequência, mais altos índices na qualidade de vida, bem-estar mental e físico e satisfação no emprego e na vida [4]. Convém mencionar, que os trabalhadores altamente qualificados são os que menos valorizam a flexibilidade horária, comparado com detentores de qualificações inferiores [4]. Por conseguinte, os empregadores notaram potenciais efeitos em termos de produtividade, eficiência operacional e performance organizacional, imagem corporativa e, em última análise, apontam sentir-se mais preparados num contexto de intensa competitividade global e volatilidade do mercado [4]. Contudo, importa referenciar as preocupações relacionadas com a semana de trabalho de 4 dias, visto que, embora possa ser aplicável a todos os setores, a adoção deste formato deve ser analisada caso a caso, por variar em função da atividade económica e situação contratual – onde a presença física é frequentemente necessária [4]. Adicionalmente, a adaptação das tarefas diárias, ou seja, a gestão eficiente do tempo, face aos ajustes da jornada laboral, o que pode resultar em fadiga e exaustão, participação ativa dos trabalhadores na reorganização e mudança de processos e, de forma mais geral, capacidade financeira e risco da diminuição da satisfação do cliente [4].

Face à propagação de inovações tecnológicas e transformações sociodemográficas, e no âmbito da consideração de práticas – formais ou informais – progressistas em consonância com os princípios da semana de trabalho de 4 dias, a área de gestão de recursos humanos revela-se, particularmente, uma peça fundamental de apoio para uma implementação bem-sucedida, por ser um processo dinâmico e participativo [5]. Do mesmo modo, o clima, a cultura corporativa e os estilos de liderança, devido à sua influência significativa nos níveis de aceitação, colaboração e nos comportamentos dos membros para a gestão da mudança [5].

Deve reconhecer-se que o panorama do futuro do trabalho sugere uma ampla discussão sob diferentes aspetos da dignidade humana no domínio das relações laborais, com o surgimento das novas formas de trabalhar, que envolvem ajustes de tempo e demandas espaciais, como fator potencialmente determinante para suprir os interesses individuais das pessoas nas múltiplas facetas das suas vidas, como para melhoria dos desempenhos dos organismos dos setores público e privado – como aliás se espera.

Notas

[1] Código do Trabalho (2009). Lei nº 7/2009 de 12 de fevereiro, 1ª série, 30, Diário da República, Disponível em URL [Consult. 17 Mai 2024]: <http://dre.pt/pdf1sdip/2009/02/03000/0092601029.pdf>.

[2] Constituição da República Portuguesa, Portaria n.º 301/2022, de 20 de dezembro, Disponível em URL [Consult. 17 Mai 2024]: <https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/portaria/301-2022-204953815>.

[3] Cunha, M.P., Rego, A., Cunha, R.C., Cardoso, C.C. & Neves, P. (2016), Manual de Comportamento Organizacional e Gestão. (8ª Ed.), Lisboa: Editora RH, Lda.

[4] Relatório Final do Projeto-Piloto: Semana de Quatro Dias, Portugal (2024), Disponível em URL [Consult. 25 Jun 2024]: <https://www.iefp.pt/documents/10181/11729755/Relatorio+Final+S4D_PT_V21.pdf/abc242e9-1a8f-4593-ab47-7ca8f655fe8d>.

[5] OIT – Organização Internacional do Trabalho (2019). Guia para estabelecer uma organização do tempo de trabalho equilibrada. Geneva, Disponível em URL [Consult. 20 Mai 2024]: <https://www.ilo.org/pt-pt/publications/guia-para-estabelecer-uma-organizacao-do-tempo-de-trabalho-equilibrada>.

[6] OIT – Organização Internacional do Trabalho (2022). Working Time and Work-Life Balance Around the World. Geneva, Disponível em URL [Consult. 20 Mai 2024]: <https://www.ilo.org/publications/working-time-and-work-life-balance-around-world>.

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