A notoriedade e a urgência da produtividade científica

Edição: 3ª Série de 2023 (dezembro 2023)

Dimensão analítica: Educação e Ciência

Título do artigo: A notoriedade e a urgência da produtividade científica

Autora: Andreia Fernandes Silva

Filiação institucional: ISVOUGA – Instituto Superior de Entre Douro e Vouga

E-mail: a.silva@doc.isvouga.pt

Palavras-chave: revistas predatórias, integridade científica, fake scholarly publishing.

Após 2010, altura em que o termo se tornou conhecido, o fenómeno das revistas predatórias [1], começou a ser um problema. Na atualidade, a existência de práticas enganosas é considerada uma ameaça global à integridade e qualidade científicas [2].

A preocupação crescente com este tema, pelo prejuízo que pode causar à notoriedade e reputação de investigadores, mas também de instituições de ensino, laboratórios e centros de investigação, tem desencadeado um esforço em alertar para um dos perigos da urgência da publicação [3]. O debate em torno do tema, nomeadamente a crescente preocupação com a legitimidade e seriedade do que é publicado, tem estimulado a discussão e a partilha de boas práticas que visam tornar conhecida a sua existência e, ao mesmo tempo, se encontrem orientações que limitem a propagação da chamada “fake science” ou “fake scholarly publishing” [4].

Na origem da proliferação de revistas predatórias estão interesses económicos espoletados pelo surgimento das publicações em acesso aberto, e, em especial, a chamada via dourada, que consiste em atribuir o custo de publicação aos próprios autores através do pagamento de taxas, fees, designadas por APCs, Article Processing Charges. Em simultâneo, a pressão para publicar, celebrizada pelo aforismo public or perish, publicar ou perecer, aliado à dificuldade de divulgar os resultados de investigações nas revistas de referência, criaram o contexto ideal para que surgissem práticas enganosas de editoras que difundem os artigos, regra geral, cobrando valores inferiores aos das revistas conceituas e listadas nas bases de dados mais valorizadas no âmbito da comunicação científica.

Tal como outras situações que eclodiram com a internet, as publicações predatórias, usam as potencialidades do meio online para se propagar e misturar, sem que os diferentes intervenientes consigam travar a sua célere disseminação.

Apesar de ser uma realidade que tem inquietado o mundo da publicação, só em 2019, num artigo da Nature se apresentou esta definição:

Predatory journals and publishers are entities that prioritize self-interest at the expense of scholarship and are characterized by false or misleading information, deviation from best editorial and publication practices, a lack of transparency, and/or the use of aggressive and indiscriminate solicitation practices” [5].

Nesta clarificação, importa destacar o desvio das boas práticas editorais e de publicação, bem como se torna clara a ausência de transparência em todo o processo de revisão de artigos. A agressividade na captação de potenciais vítimas, muitas vezes através de abordagens e contactos por email a apelar à submissão de artigos, a par com a rapidez e facilidade de publicação, sem obedecer a qualquer critério ou alvo do processo de um processo sério de revisão, apanham desprevenidos muitos investigadores pressionados a publicar.

Assinala-se ainda que as práticas predatórias incluem não só as publicações, as revistas científicas, mas também abrangem editoras, chamadas de artigos para conferências e livros, potenciando uma espécie de fábricas de publicação que tão depressa surgem como desaparecem, em especial, quando algum autor procura obter dados mais concretos ou faz diligências para evitar a publicação de um artigo que tenha submetido.

Um outro fenómeno que começa também a preocupar a comunidade científica é o sequestro de publicações, em que o nome da revista e dados são copiados e a submissão de artigos é assim “desviada” para uma publicação fraudulenta.

Na mesma linha de Réves et al [6] sugere-se que se defina uma estratégia em várias frentes que inclua, não só a tomada de consciência em tornar público o problema (raising awareness), mas também através de sistemas de identificação e verificação das publicações predatórias, algo já iniciado com a publicação de algumas listagens, mas que, dada a volatilidade do fenómeno exige medidas mais concretas, a par com uma mudança urgente no paradigma da medição da produtividade científica. Dada a complexidade do assunto, o debate deve suscitar a tomada de medidas colaborativas que atenuem as consequências de práticas prejudiciais à divulgação da ciência.

Notas:

[1] Beall, J. (2012), Predatory publishers are corrupting open access. Nature 489, 179. https://doi.org/10.1038/489179a J. Beall, um bibliotecário americano, denunciou estas práticas predatórias por parte de editoras que estavam a beneficiar da existência da via dourada para a publicação. A criação de uma lista que identificava as publicações que não garantiam as boas práticas levou a que outras entidades se começassem a preocupar com uma realidade cada vez mais presente no mundo da investigação mundial.

[2] Clark, J. & Smith, R. (2015), Firm action needed on predatory journals. The BMJ, 350, 210. https://doi.org/10.1136/bmj.h210

[3] Antunes, M. L, Lopes, C. & Sanches, T. (2021), Revistas predadoras, Webinar do Grupo de Trabalho Bibliotecas do Ensino Superior, BAD. https://repositorio.ipl.pt/ bitstream/ 10400.21/13317/1/Webinar%20Revistas%20Predadoras_vfinal.pdf

[4] Committee on Publication Ethics Council, (2019, nov). COPE, Discussion Document: Predatory Publishing Discussion, COPE, https://doi.org/10.24318/ cope. 2019.3.6

[5] Grudniewicz et al. (2019), Predatory journals: no definition, no defence, Nature, 576, 210-212, https://doi.org/10.1038/d41586-019-03759-y

[6] Sugere-se a leitura de: Revés, J. et al. (2018). Predatory Publishing: An Industry that Is Threatening Science. Acta Médica Portuguesa, v. 31, n. 3, p. 141-143, http://dx.doi.org/10. 20344/amp.9810

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