Em busca de estratégia(s) de integração: o caso dos ciganos em Portugal

Dimensão analítica: Cidadania, Desigualdades e Participação Social

Título do artigo: Em busca de estratégia(s) de integração: o caso dos ciganos em Portugal

Autora: Olga Magano

Filiação institucional: Universidade Aberta / CEMRI – Centro de Estudos das Migrações e Relações Interculturais

E-mail: omagano@uab.pt

Palavras-chave: Ciganos, integração social.

A igualdade de oportunidades constitui um princípio da Constituição da República Portuguesa, artigo 13º. Contudo, para os ciganos portugueses, a igualdade de oportunidades tem sido um processo sinuoso devido a dificuldades de acesso a condições sociais e económicas de integração social sem perda de valores culturais identitários. Buscando perceber os motivos subjacentes a posturas sociais segregadoras, para além das teorias que referem diferenças culturais que acusam os ciganos de não se quererem integrar, de serem fechados, de pouco contribuírem para a economia do país, etc., outra teoria assume cada vez mais relevância e rompe com a imagem de que “os portugueses não são racistas”, constatando-se, sim, a existência de um racismo endémico e diferencial em relação aos ciganos [1] que se repercute nas condições de exclusão e de pobreza em que ainda vivem muitos ciganos em Portugal e na União Europeia [2]: são menos escolarizados, têm mais dificuldade em aceder ao mercado de trabalho, vivem em piores condições de salubridade e de habitação e com mais dificuldades de acesso à saúde.

A população cigana foi alvo de perseguições policiais e impedida de se instalar em condições condignas, mas também marginalizada no acesso a direitos de cidadania fundamentais que, conjugado com a ineficácia de políticas sociais, contribuiu para aprofundar a desigualdade social. Os subsídios de apoio social são muito importantes para reduzir temporariamente situações de pobreza extrema mas tem havido dificuldade em emancipar financeiramente os beneficiários, por exemplo, é o caso do Rendimento Social de Inserção.

Devido a denúncia de situações de racismo e de discriminação contra pessoas de origem cigana, ao longo dos últimos anos várias recomendações foram produzidas pelos diversos órgãos da União Europeia. Em 2011 o Parlamento Europeu aprova uma estratégia que estabelece como prioridade a integração dos ciganos na União Europeia e impõe a realização de estratégias específicas a cada um dos Estados-membros [2]. Em Portugal, a estratégia nacional tem como principais áreas de intervenção a educação, saúde, habitação e emprego [3]. Apesar de ser importante o reconhecimento público por parte do Estado de que existe uma “questão cigana” em que urge intervir, o que acontece desta forma pública pela primeira vez, não deixa de ser um mistério o facto de não ter sido capaz de o fazer ao longo de décadas e séculos (é situação comum aos países em que vivem ciganos). Afinal, a presença dos ciganos é mais antiga nos territórios nacionais do que muitos outros grupos. Que diferenças são estas tão difíceis de ultrapassar?

Um dos factores-chave para a integração dos indivíduos de origem cigana passa necessariamente pela promoção da frequência e êxito escolar. Apesar da escolarização obrigatória, são frequentes situações em que as crianças e jovens abandonam o sistema escolar (mas raros os casos que chegam às Comissões de Protecção de Crianças e Jovens, como se fosse “natural” o abandono escolar), seja pela pressão cultural para a realização de casamento precoce (mais no caso das raparigas), seja por ausência de interesse pelas ofertas escolares, ou a necessidade de ajudar a família nas actividades económicas. Ora, se já era grande a dificuldade de cumprir os 9 anos de escolaridade obrigatória, como será com a obrigatoriedade dos 12 anos de escolaridade que entrou em vigor?

Sabemos que a não segregação no acesso ao ensino influencia as oportunidades futuras e é o principal veículo de emancipação individual e de mobilidade social pelo que é essencial garantir o acesso de todos ao sistema de ensino sem qualquer discriminação. O Programa Escolhas, promovido pelo Alto Comissariado para Imigração e Diálogo Intercultural, sem ser dirigido exclusivamente a crianças e jovens ciganos, tem produzido efeitos notórios, mostrando que o trabalho continuado é uma boa opção. A centralidade na promoção educativa e formação profissional tem servido para encontrar jovens ciganos mediadores. Esta proximidade dos mediadores ciganos com as famílias envolvidas tem contribuído para aumentar os casos de frequência escolar e para a divulgar modelos de referência, mostrando que é possível ser cigano e ser escolarizado.

As condições habitacionais são outro factor essencial. Ainda persistem casos de espaços segregados e marginalizados (em blocos “de ciganos” ou em bairros “de ciganos), casos de guetos urbanos, por exemplo, o Bairro das Pedreiras em Beja, com um muro que “esconde” o bairro do olhar dos transeuntes e o Bairro da Biquinha em Matosinhos, em que famílias ciganas vivem concentradas num bloco habitacional semi-destruído.

A falta de dados estatísticos não permite conhecer em profundidade a situação dos ciganos em Portugal: não sabemos bem quantos são, nem quantos beneficiam de apoios do Estado, quais os resultados de acesso à escolarização e êxito ou insucesso escolar, a frequência de cursos de formação profissional. O que sabemos quase sempre diz respeito aos “mais visíveis”, precisamente os que vivem nos espaços mais segregados. É importante a recolha de dados e monitorização do acesso aos direitos básicos de cidadania: só assim é possível uma avaliação eficaz e rigorosa do impacto das políticas.

O delinear de processos de integração deve passar pela envolvência e participação de homens e mulheres ciganos que devem ser agentes activos na definição dos planos de integração e de emancipação social. Os ciganos não podem ser considerados como uma massa homogénea: não são todos iguais nem vivem todos do mesmo modo. [4]. Alguns têm percursos de vida com êxito escolar e desempenham actividades profissionais altamente qualificadas, ainda que sejam confrontados com representações e estereótipos sobre “serem gente de pouco fiar” e de terem de estar sempre a demonstrar o seu valor.

Notas:

[1] Marques, J. F. (2007), Do «não racismo» português aos dois racismos portugueses, Lisboa, ACIDI

[2] Parlamento Europeu (2011), Estratégia da União Europeia para a Inclusão dos Ciganos, Resolução 2010/2276, INI, Estraburgo, Parlamento Europeu.

[3] Resolução do Conselho de Ministros n.º 25/2013. Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas., Diário da República, 1ª série. Nº 75, 17 de Abril 2013.

[4] Magano, O. (2013). “Percursos de integração de ciganos portugueses”. In M. M. Mendes e O. Magano (orgs.) Ciganos Portugueses. Olhares plurais e novos desafios numa sociedade em transição. Lisboa, Mundos Sociais. Pp. 191-205.

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