Sobre a Escola Básica da Ponte

Dimensão analítica: Educação, ciência e tecnologia

Título do artigo: Sobre a Escola Básica da Ponte

Autora: Ana Moreira

Filiação institucional: Escola da Ponte

E-mail: anamoreirinha@gmail.com

Palavras-chave: Escola, Ponte, lógica comunitária.

São muitos os desafios e os desânimos que cercam, atualmente, a Educação em Portugal, ao mesmo tempo que alguns, obstinadamente, vão lutando para sobreviver numa luta estranhamente desigual. Essa é a proposta que procurarei partilhar, em nome de um coletivo – a Escola Básica da Ponte, e o seu Projeto Fazer a Ponte.

Localizada, recentemente, em S. Tomé de Negrelos, Santo Tirso, a Ponte, é uma escola cuja abrangência (1.º,2.º e 3.º ciclos) assenta num modelo organizacional diferente do tradicional: os alunos não estão distribuídos por turmas ou anos de escolaridade, mas por núcleos (unidades coerentes de aprendizagem e desenvolvimento pessoal e social) e em grupos (heterógenos), os professores não exercem em regime de monodocência, sendo este foi substituído pelo trabalho em equipa.

A aquisição, a comunicação e a partilha do conhecimento, desenvolve-se diariamente, nos espaços cuja área se mantém aberta, permitindo transformações e adaptações, de acordo com a gestão e organização curricular, remetendo-nos ao conceito de oficina de trabalho (Freinet) ou à escola laboratorial (Dewey) e evitando quebras na organização do trabalho.

De forma a criar ambientes de trabalho tranquilos em todos os espaços é possível ouvir música tranquila: clássica, jazz, blues,….

Sendo uma escola pública, cujo currículo nacional é um referencial primordial, na Ponte, este assume uma dimensão mais abrangente, aberta e flexível, na medida em que é entendido como o conjunto de atitudes e competências que, ao longo do percurso escolar, e de acordo com as suas potencialidades, os alunos deverão adquirir e desenvolver.

Porque cada criança ou jovem é um ser único, entendemos o caminho que cada um percorre, também, como único relativamente às aquisições académicas e ao seu desenvolvimento pessoal. Entendemos a heterogeneidade dos grupos de trabalho, como facilitadora da aprendizagem, a partir das redes solidárias que se constroem no dia a dia. Estas estruturas cooperativas mobilizam os alunos, facilitando, com naturalidade a inclusão e permitindo que cada um revele o seu potencial, favorecendo, ainda, a formação de relacionamentos – considerando que todos somos especiais, esta é para nós uma preocupação de todos e não de apenas alguns!

Este conceito é subjacente ao quadro de referência do Projeto, cujos princípios orientadores são:

Concretizar uma efectiva diversificação das aprendizagens tendo por referência uma política de Direitos Humanos;

Garantir a igualdade de oportunidades educacionais e de realização pessoal a todos os cidadãos;

Promover, nos diversos contextos em que decorrem os processos formativos, uma solidariedade activa e uma participação responsável.

Ao longo de trinta e muitos anos o Projeto foi sendo construído, lentamente, com avanços e recuos, crescendo dentro e/para fora da escola, bebendo as influências em alguns educadores e movimentos e implicando toda comunidade educativa (alunos, orientadores educativos, funcionários, pais e muitos amigos que generosamente estão connosco), no seu desenvolvimento. A Ponte assenta numa lógica comunitária com o objectivo de desenvolver transformações culturais: todos estão implicados, nas propostas, negociações e decisões, tornando mais simples e efetiva a compreensão e a resolução de problemas comuns.

Parafraseando o pai de um aluno que durante nove anos esteve connosco, a Escola da Ponte é um lugar de formação para os alunos, mas também para os pais, aos quais acrescentaria ainda os professores; é uma oportunidade de “crescimento” pessoal e profissional, na conjugação entre a acção e reflexão coletiva de orientadores educativos com diferentes especializações, que de uma maneira geral desenvolvem intervenções educativas com quase todos os alunos, contribuindo para o desenvolvimento de culturas de cooperação.

A “vida” na escola decorre da vida real, transparecendo continuamente duas palavras, que podem entendidas como pedra angular: a relação e a negociação! Presentes, continuamente, na crítica, troca de opinião e pontos de vista de ideias e valores essenciais, procurando promover a capacidade de diferenciar, coordenar e integrar diferentes pontos de vista sobre uma dada situação interpessoal, através de uma aprendizagem gradual de estratégias de negociação sistemática e contínua.

Este projecto assenta em valores como: o da Solidariedade e Democraticidade, Autonomia, Responsabilidade, Liberdade e Cooperação, norteando-se por vários princípios, os quais são responsáveis pela criação de uma grande diversidade de dispositivos pedagógicos. No seu conjunto, estes suportam toda a dinâmica de trabalho e promovem uma autonomia responsável e solidária, exercitando-se permanentemente o uso da palavra como instrumento autónomo da cidadania e não se limitando ao domínio do desenvolvimento curricular, a saber: Projecto Educativo, Grupos, Equipa de Orientadores Educativos, Responsabilidades, Assembleia de Alunos, Plano da Quinzena, Plano do dia, Eu já sei, Eu preciso de ajuda, Posso Ajudar Em, Pesquiso em casa, debates e muitos outros…

O conceito de aprendizagem, assume na Ponte o carácter da construção do conhecimento, mas também da reflexão sobre o processo da própria construção do saber. Nesse sentido a pesquisa e a experimentação, são a primeira e privilegiada abordagem ao conhecimento, como orientadoras de resolução de problemas ou exploração temática.

Quinzenalmente os alunos, junto ao tutor (escolhido por eles), planificam o que pretendem aprender (Plano da Quinzena) e este plano engloba as aprendizagens individuais que são negociadas com os orientadores educativos responsáveis pelas valências e as aprendizagens colectivas, comuns a toda a escola. Diariamente, a partir deste dispositivo, os alunos elencam as tarefas que vão realizar e no final do dia avaliam o cumprimento deste plano, bem como no final da quinzena o cumprimento Plano da Quinzena é avaliado, pelos alunos, comentado pelo tutor, pelo encarregado de educação e pelo próprio aluno.

A avaliação é entendida numa lógica de formação, sistemática e contínua, todos os momentos são oportunidades de aprendizagem, na qual cada aluno tem a possibilidade de decidir se já é capaz e se já sabe, como tal diariamente versão diversos os pedidos de avaliação.

Para além da avaliação realizada pelos orientadores educativos e a auto-avaliação, a hetero-avaliação acontece nos grupos ou em grande grupo quando são apresentados, pelos alunos individualmente ou em grupo estudos, produções, etc.

Escrever sobre a Escola da Ponte e a sua especificidade é uma tarefa complexa e creio até inesgotável, como tal esta será talvez uma pincelada que procurei, através dos traços iniciais de um esboço, deixar em aberto à curiosidade de cada um.

Educar é como viver, exige a consciência do inacabado, porque a história em que me faço com os outros (…) é um tempo de possibilidades e não de determinismo.

Paulo Freire, Pedagogia da Autonomia

Esta entrada foi publicada em Educação e Ciência com as tags , , . ligação permanente.

Uma Resposta a Sobre a Escola Básica da Ponte

  1. Ana Pereira diz:

    Boa tarde,
    Estou a pesquisar sobre a Escola da Ponte, gostaria de saber se têm alunos com deficiências, tais como Autismo, Asperg, Cegos.
    Obrigado.
    Continuação de bom trabalho.
    AP

Os comentários estão fechados