Sobre a(s) violência(s) na(s) escola(s): uma discussão em aberto

Dimensão analítica: Direito, Justiça e Crime

Título do artigo: Sobre a(s) violência(s) na(s) escola(s): uma discussão em aberto

Autora: Maria João Leote de Carvalho

Filiação institucional: CesNova – Centro de Estudos de Sociologia, FCSH Universidade Nova de Lisboa

E-mail: mjleotec@sapo.pt

Palavras-chave: violência, escola, comunicação social

Indisciplina, violência, e delinquência são termos que evocam alguns dos problemas frequentemente associados ao quotidiano das escolas, tanto a nível nacional como internacional. Enquanto manifestações de não conformidade às normas vigentes num dado contexto, são fenómenos sociais de especial complexidade que não podem ser analisados ignorando-se a multidimensionalidade que lhes está subjacente. Recorrentemente usados de forma indistinta entre si, tendencialmente colocados sob uma mesma capa, a da violência, que lhes confere uma aparente unidade, estes termos não descrevem nem interpretam propriamente os mesmos comportamentos, acções ou relações entre os atores sociais que atravessam o universo escolar.

A controvérsia é grande na medida em que a tentativa de definição de um conceito de violência na escola não escapa às mesmas dificuldades da definição de um conceito geral de violência. Mediante a multiplicidade de noções que abrange um vasto leque de situações e atos considerados como violentos no espaço escolar, nem sempre fáceis de distinguir na medida em que frequentemente se encontram em sobreposição entre si, o principal risco que se corre na discussão desta problemática é o de se oscilar entre uma estrita conceção jurídica, fechada nas formas definidas nos quadros legais, e uma outra leitura assente numa definição mais ampla que unifica sob uma mesma capa fenómenos bem diversos, mas que se pode revelar pouco operacional [1]. Neste sentido, cada vez mais se aponta para a necessidade de se falar de violências nas escolas em vez de se ficar pelo uso do singular, de forma a melhor se identificar a pluralidade de ações e de contextos em causa [2].

À aparente estandardização das situações não será de todo indiferente o tratamento que os órgãos de comunicação social efetuam em torno desta problemática. A amplificação da cobertura mediática nesta área tende a ser concretizada de modo bastante difuso e controverso, oscilando entre a dramatização excessiva ou a negação do fenómeno. Potencia-se uma visão da instituição escolar como um espaço potenciador de riscos, perigos e ameaças crescentes para quem a frequenta, numa perspetiva que reforça a ideia de escolas violentas como se alguma vez fosse possível falar das violências que as afetam num patamar dissociado das violências que atravessam e marcam a sociedade em geral [1].

Constata-se como muitas das notícias sobre a temática se centram, de modo redutor, numa busca incessante de tentar saber, pelos poucos indicadores estatísticos disponíveis, se há hoje mais ou menos violência do que no passado ignorando-se a ancoragem social das atuais realidades escolares [3]. Se é verdade que é necessária a sua quantificação, não menos importante é olhar e compreender as suas expressões, a sua natureza e os contornos em que se produz. E tão depressa como irrompem na opinião pública, mais depressa parece que estas notícias se esvanecem ficando por concretizar uma discussão mais profunda. Paralelamente, ignoram-se os resultados de investigações recentes feitas na área e acentua-se a difusão de preconceitos e estereótipos a partir de uma apologia romântica centrada numa idealização da “escola do passado” que desvaloriza que, desde sempre, a instituição escolar foi atravessada por violência.

Esta linha de orientação, que se vêm arrastando desde há muito, tende a ignorar que não é possível olhar o processo de escolarização sem ter presente um quadro mais alargado onde se evidenciam questões associadas à construção de uma escola de massas e ao desafio do cumprimento da escolaridade obrigatória (18 anos/12º ano), às novas formas de gestão e ocupação do território e às lógicas de comunicação desenvolvidas a partir daí em contextos marcados pela globalização. A segregação espacial, social e étnica vivenciada em alguns espaços, especialmente na esfera das grandes cidades, a degradação das zonas urbanas, a alteração da natureza dos laços sociais e do mercado de trabalho, os novos modelos de organização familiar e os fenómenos de agrupamento de crianças e jovens são alguns dos aspectos a ter em conta quando se discute esta temática [4].

Como amplamente evidenciado na literatura científica, os fenómenos de violência, nas suas mais variadas formas, são componente estrutural nas dinâmicas sociais de qualquer comunidade. Na escola, enquanto espaço privilegiado de socialização na infância e juventude, a violência vê-se refletida, em diferentes patamares. O terreno escolar entendido na sua globalidade compreende a vida quotidiana dos estabelecimentos de ensino não só dentro de portas, mas também na sua interação além delas. São colocadas em jogo as relações e interações do dia-a-dia, as tensões e os conflitos, bem como os modos de resolução das situações com o exterior [5].

Porque a escola participa na construção das situações e práticas sociais nos territórios onde se localiza, seja de forma ativa num processo de construção partilhado com a comunidade, seja de modo passivo fechando-se ao meio envolvente, interessa saber se às aceleradas mudanças sociais ocorridas nas últimas três décadas e meia em Portugal corresponde o desenvolvimento de uma instituição escolar flexível e suficientemente permeável a reajustamentos que levem necessariamente a outras direções que não as tradicionais porque os atuais contornos da realidade social a isso obrigam. E deste questionamento, importa simultaneamente identificar se as escolas têm vindo a ser dotadas de recursos que permitam uma melhor capacidade de leitura da realidade social da qual participam, tanto a nível da formação, supervisão e avaliação dos processos que concretizam, como dos recursos legislativos, humanos e materiais que têm ao seu dispor.

Notas

[1] Sebastião, João, Alves, Mariana Gaio; Campos, Joana e Tiago Caeiro (2008), Violência e agressividade juvenil – podemos falar de escolas violentas?, Actas do VI Congresso Português de Sociologia, Mundos Sociais: Saberes e Práticas, Lisboa, Associação Portuguesa de Sociologia.

[2] Leonardo, José (2004), As Violências nas Escolas, Dissertação de Mestrado em Sociologia, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa.

[3] Abrantes, Pedro (2009), Alunos e educação na imprensa diária portuguesa, em Ponte, Cristina (org.), Crianças e Jovens em Notícia, Lisboa, Livros Horizonte, pp. 103-124.

[4] Moignard, Benjamin (2008), L’École et la Rue: Fabriques de Délinquance, Recherches Comparatives en France et au Brésil, Paris, Presses Universitaires de France.

[5] Vienne, Philippe (2008), Comprendre les Violences à l’École, Bruxelles, Éditions De Boeck Université.

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