A luta por uma escola pública de qualidade para todos: melhorias recentes e batalhas presentes

Dimensão analítica: Educação, Ciência e Tecnologia

Título do artigo: A luta por uma escola pública de qualidade para todos: melhorias recentes e batalhas presentes

Autor: Pedro Abrantes

Filiação institucional: Instituto Universitário de Lisboa, Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES/IUL), Investigador Visitante no CIESAS-México

E-mail: pedro.abrantes@iscte.pt

Palavras-chave: escola; política; educação

Da sua varanda irresponsável, os inteligentes atiram sem cessar pedras sobre uma escola e os seus profissionais, às vezes sem querer ao menos conhecê-los. Desde a Grécia Antiga, anunciar a decadência da escola tornou-se uma estratégia comum das gerações adultas, um modo eficaz de sublimar simbolicamente a subordinação dos mais jovens ao seu poder.

Este padrão é acentuado num país que adora falar da crise, agora por profissionais da especulação em directo nos meios de depressão social, e em que as classes dominantes se habituaram ao monopólio do saber, sacralizadas por um liceu cruel e elitista, vendo agora o seu estatuto ameaçado por uma democratização tantas vezes anunciada, mas que custa a enraizar-se nos quotidianos, sobretudo quando se pensa na escola e nos seus diplomas. Os dados do European Social Survey 2008 mostram, por exemplo, que os portugueses que mais desdenham a qualidade da escola são os membros das classes dominantes com níveis de escolaridade baixos e, portanto, que mais têm a perder com a democratização do ensino.

Mas, entretanto, as escolas vão funcionando. E melhor do que há alguns anos atrás, segundo estudos nacionais e internacionais. Estão mais equipadas, gerem melhor os seus recursos, têm um corpo docente mais estável, assíduo e preparado, recreios mais seguros, actividades pedagógicas diversificadas, dispositivos mais eficazes de acompanhamento dos alunos, menos reprovações e abandono, os alunos demonstram mais competências nas provas internacionais (OCDE, 2009). Se países vizinhos e mais poderosos, como Alemanha, França ou Espanha, a qualidade das escolas e os desempenhos dos alunos não melhoraram nas últimas décadas, em Portugal, a evolução é clara. Mas estes estudos mostram também que as escolas portuguesas podem (e devem) mudar mais, em parte estão ainda presas a velhos vícios e a receitas gastas que, no mundo de hoje, já fazem pouco sentido.

A direita aproveita a hegemonia do maniqueismo mediático e a bandeira sempre atractiva da liberdade, para defender a sua verdadeira causa: a privatização e, desta forma, a abertura de mais um mercado apetecível, com muitos milhares de pequenos clientes buscando uma escolaridade cada vez mais longa e necessária. O que vemos em diversos países, incluindo Espanha, é que estes sistemas privados não melhoram os resultados académicos (se neutralizamos o efeito da classe social dos alunos) e conduzem à separação das crianças de acordo com o seu tipo de família, rica ou pobre, nacional ou imigrante, de esquerda ou de direita, católica ou laica. E o valor da diversidade social na formação integral das crianças? E a liberdade das crianças crescerem num ambiente plural que lhes permita verdadeiras escolhas? E a coesão social? E a igualdade de oportunidades? São danos colaterais. Mas sabem o que querem.

Enquanto isso a esquerda medita, hesita, discute, tropeça, fragmenta-se, come-se a si própria. Na incapacidade de desconstruir o discurso nostálgico e reacionário do senso comum. No receio de confrontar um sindicato com o seu próprio convervadorismo. Na miopia que desperdiça inúmeros movimentos formais e informais de professores criativos e comprometidos. No luxo puritano de recusar entendimentos que criem uma base social indispensável às verdadeiras mudanças. A partir de estudos recentes e de experiências (em curso, inclusive em escolas portuguesas), apontamos aqui três possíveis vias de mudança, sem custos financeiros avultados.

1. Menos é mais. Reduzir o número de disciplinas, de horas de aulas e de professores por turma é fundamental. Somos o único país do mundo em que crianças de 10 ou 11 anos têm 12 ou 13 disciplinas, cada uma com um diferente docente. Por conseguinte, estes ensinam mais de cem alunos, em cada ano. E os alunos passam os dias a mudar de disciplina e de professor. Apesar do nome, as áreas curriculares não disciplinares foram absorvidas pelo modelo disciplinar, perdendo grande parte do seu potencial pedagógico. Duas medidas poderiam resolver esta situação: a fusão das disciplinas em áreas disciplinares mais abrangentes; a conversão de algumas das disciplinas em espaços-tempos mais dinâmicos, flexíveis e informais. Funciona em muitos países.

2. O trabalho dos alunos como epicentro. As aulas devem ser centradas no trabalho dos alunos, não na exposição dos professores. Dois inquéritos nacionais que lançámos recentemente a professores mostram que o modelo tradicional expositivo e baseado no manual ainda prevalece e, aliás, não tem sido atenuado pelos docentes mais jovens ou em contextos sociais mais desfavorecidos. Há uma ilusão de que assim é que o professor “dá” a matéria, se o aluno não aprende é problema dele (e da sua família). É falso, os alunos só aprendem quando trabalham, aplicando o conhecimento para resolver problemas reais. Esta mudança de paradigma – uma escola centrada no trabalho dos alunos e não dos professores – implica também uma mudança nos dispositivos de avaliação, ainda presos à lógica tradicional quantitativa: resultados dos testes + atitudes e valores (leia-se, disciplina). As experiências recentes de produção (e avaliação) de portefólios, por exemplo, mostram excelentes resultados.

3. A diversidade como força. Os professores têm que conhecer melhor os indivíduos e as comunidades com quem trabalham, trazê-los para a sala de aula, valorizar a diversidade que existe e desenvolvê-la, mobilizar o trabalho escolar para resolver problemas reais do tecido local, ir ao encontro das necessidades, vocações e aspirações dos seus alunos e famílias. Envolver a comunidade não é convocá-la para reuniões em que só os professores têm a palavra, isso é prepetuar a distância. Promover a participação dos alunos não é pedir-lhes que respondam a perguntas em que a resposta correcta já está pré-estabelecida. Nos contextos desfavorecidos, o conceito de sucesso escolar tem sido a capacidade de anular os traços locais e de reproduzir um saber abstracto, sem utilidade no meio local. Assim, o sucesso é mais difícil. A escola pode servir para que agricultura se torne mais produtiva e menos pesada, a indústria seja mais eficiente e segura, as empresas sejam mais inovadoras e solidárias, os bairros sejam mais coesos e participativos. Afinal, a escola não serve apenas para formar professores, médicos e engenheiros.

Não são objetivos utópicos. Na verdade, já funcionam em algumas das escolas do país com melhores resultados, em termos de eficácia e equidade. Só é preciso que aprendamos com elas.

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